Minhas primeiras experiências artísticas fora da escola foram como DJ (1), tarefa que exerci com alguma freqüência entre 1972 e 1976, em festas no bairro Petrópolis, na minha cidade, Porto Alegre. A arte do DJ se assemelha, em muitos aspectos, à arte do cineasta e, é claro, à arte do músico. São formas de expressão lineares (ao contrário das artes plásticas), onde o tempo de apreensão da obra é muito rigidamente definido pelo autor (ao contrário da literatura e do teatro), onde a ordem dos fatores altera radicalmente o produto e, portanto, sua estrutura é definida por um roteiro.
Sempre gostei igualmente de música brasileira e “americana”, designação genérica para tudo que fosse cantado em inglês. Desde muito criança, em casa, ouvi música brasileira de qualidade. E tinha quatro anos na explosão dos Beatles, devorados por meus irmãos mais velhos e, de tabela, por mim. (2)
Antes de completar 17 anos não tinha qualquer preferência intelectual ou artística pelo Brasil além de sua música, que considerava (e ainda considero) tão boa quanto a americana ou a inglesa. Caetano é no mínimo tão bom quanto Dylan, Chico Buarque é no mínimo tão bom quanto Bowie, Cartola é tão bom quanto Louis Armstrong, Elis e Gal são tão boas quanto Billie Holiday, esta lista seria longa, a diversidade musical brasileira e americana (e inglesa), frutos da mesma mistura de tradições européias e africanas, é inesgotável.
Depois de várias gerações de músicos populares brilhantes - Pixinguinha, Cartola, Noel, Tom, Vinícius, João Gilberto, Caymmi, Chico, Caetano, Gil, Paulinho - chegou a parecer que nossa safra interminável de talentos pudesse ter se esgotado, pessimismo acrescido pelo fato de que vários talentos das novas gerações - Cazuza, Renato Russo, Chico Cience, Cássia Eller - morreram muito jovens. Mas se ainda não surgiram novos músicos da grandeza dos citados, a quantidade de jovens de grande talento que aparecem a cada ano faz crer que o futuro da música popular brasileira está garantido.
Depois da Céu, cantora e compositora paulista que em 2006 deslumbrou nossos ouvidos, 2007 foi o ano em que a banda pernambucana Bonsucesso Samba Clube, com seu segundo cd, “Tem arte na barbearia”, firmou-se como uma das melhores surgidas no Brasil nos últimos anos, misturando com competência samba, rock, ska, mambo, salsa, reggae e o que mais pintar. O melhor, e mais raro, é que os garotos parecem ter algo a dizer com suas letras. O sexteto de Olinda não sucumbe às facilidades poéticas do amor romântico que infesta a bobajada musical reinante, nem ao deboche blasé da burguesia revoltada de barriga cheia. Mais suaves que o mangue beat costuma ser, sofisticados como Los Hermanos, animados e dançantes como a Orquestra Imperial, Bonsucesso Samba Clube tem sonoridade própria e inconfundível. Já estou esperando o próximo disco.
Jorge Furtado
(1) Que na época se chamava disc-jóquei, a abreviatura surgiu muito depois.
(2) Num fim de semana chuvoso, sem ter o que fazer na praia, eu e meu primo arrumamos uma discussão de dois dias com meus irmãos e cunhados ao afirmar que os Rolling Stones eram muito melhores que os Beatles. O Gerbase repete o desafio agora. Alguém se habilita?
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Para saber mais sobre a banda Bonsucesso Samba Clube e o disco “Tem arte na barbearia” (e onde encontrá-lo), viste o site da Tratore, distribuidora de bandas independentes: http://www.tratore.com.br/cd.asp?id=7898369 064237
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Para lembrar como a música brasileira sempre foi boa: http://br.youtube.com/watch?v=xBEyzLjs3Us
Cartola
Tive Sim
Tive, sim
Outro grande amor antes do teu
Tive, sim
O que ela sonhava eram os meus sonhos e assim
Íamos vivendo em paz
Nosso lar, em nosso lar sempre houve alegria
Eu vivia tão contente
Como contente ao teu lado estou
Tive, sim
Mas comparar com o teu amor seria o fim
Eu vou calar
Pois não pretendo amor te magoar
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Para lembrar de um outro talento musical brasileiro que morreu muito jovem, procure os vídeos de Sérgio Sampaio no YouTube. Neste, uma obra-prima, acho que inédita, não sei nem o título da música.
http://br.youtube.com/watch?v=F4UDlzk_0JM
Sérgio Sampaio
Para os fãs (Cantar bonito)
Tenho que cantar bonito para ninguém botar defeito
Tenho que cantar com jeito para ninguém se arrepender de ter vindo
Tenho que me esmerar pra nem pensar magoar o ouvido
De quem veio comprovar se estou mesmo no lugar devido
Preciso corresponder ao carinho de quem gosta de mim
Gente que me acompanhou e com razão se queixou que eu sumi daqui, daqui
Quero então mostrar algumas das canções que eu fiz distante
Longe da cidade cônjuge que agora é como a cama da amante
Quero enfim tocar legal
Dizer um verso banal e lindo
E tentar surpreender quem só veio para ouvir o antigo
Cantar bem retribuir o carinho de quem gosta de mim
Gente que me acompanhou e com razão se queixou que eu sumi daqui
“Aconteceu um novo amor
Não podia acontecer
Não era hora de amar
Agora o que é que eu vou fazer?”*
* trecho de “Não tem solução”, de Dorival Caymmi e Carlos Guinle, gravada por Tim Maia.
Enviado por Henrique em 07 de fevereiro de 2008.
o dj pode ser responsável por criar um ambiente através de uma “colagem” - juntar as músicas numa ordem determinada. A ordem pode fazer toda a diferença. o que talvez sejamais uma semelança com o cinema mais precisamente com a montagem cinematográfica. / Sobre a “nova” música brasileira acredito que ela é muito boa. Se partirmospara uma comparaçãoi com o que se convencionou chamar de fazede ouro da mpb temosque levar em conta o contexto, as ferramentas usadas, o entendimento da música, a relaçãocom a música etc em cada época. Quero dizer que; não podemosir em buscade um novo Chico Buarque porque aobrade Chicoetalvez o próprio Chico em última instânciasejam fruto de uma determinada condição de “temperatura e pressão” saca?