por Jorge Furtado
em 25 de março de 2008
Absolutamente extraordinária a reportagem de Marcelo Ferla sobre o jovem Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu, na última revista Rolling Stone (número 18, março). Quem não leu, leia. Na melhor tradição do jornalismo investigativo que não abre mão da qualidade literária - da qual Lillian Ross (“Filme”), Truman Capote (“A Sangue Frio”), Norman Mailer (“A Luta”) e Gay Talese (“A mulher do próximo”) são expoentes - Ferla traça um retrato ao mesmo tempo sóbrio, carinhoso e emocionante do jovem artista portoalegrense, morto antes de completar 17 anos. Mais que isso: Ferla nos conduz pelo mundo ainda surpreendente da internet e suas relações virtuais, capazes de dissolver ou cristalizar casulos, de revelar maravilhas ou aberrações, uma rede que nos remete ao mesmo tempo ao paraíso da biblioteca infinita de Borges e ao inferno do saber sem alma de Fausto.
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Ainda não ouvi as músicas deixadas por Yoñlu, mas os desenhos e os fragmentos de texto que ilustram a reportagem de Ferla dão conta de um talento raro em qualquer idade, raríssimo aos 16 anos. A morte prematura de Vinícius, uma perda irreparável para os pais e amigos, parece ter sido também uma grande perda para nós, que nunca saberemos o tamanho do artista que ele poderia vir a ser. Mesmo que isso não sirva de consolo, Vinícius nos lembra o destino de grandes poetas que brilharam muito intensamente e, talvez também por isso, partiram muito rápido, como Mário Sá Carneiro, Ana Cristina Cesar e Sierguéi Iessiênin. Se a razão não explica, vale a poesia que Fernando Pessoa gravou, nas suas Palavras de Pórtico: “Não conto gozar a minha vida nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade, ainda que para isso tenha de a perder como minha”.
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O começo da reportagem de Marcelo Ferna na Rolling Stone pode ser lido aqui.
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A decisão de tirar a própria vida, sempre comovente, não deveria ser romantizada. E muito menos incentivada. Sobre o assunto, a ótima entrevista do psicanalista de Vinícius, Mario Corso, na revista Época, que pode ser lida aqui.
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Em 28 de dezembro de 1925 o poeta Sierguéi Iessiênin enforcou-se num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Tinha 30 anos. Seu último verso, deixado ao amigo Vladimir Maiakóvski, terminava assim:
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras
Não faça um sobrolho pensativo
Se morrer, nesta vida não é novo
Tampouco há novidade em estar vivo.
A resposta de Maiakóvski veio em forma de um poema, “A Sierguêi Iessiênin”, traduzido por Haroldo de Campos, que terminava assim:
Por enquanto há escória de sobra.
O tempo é escasso - mãos à obra.
Primeiro é preciso transformar a vida,
para cantá-la - em seguida.
Os tempos estão duros para o artista:
Mas, dizei-me, anêmicos e anões,
os grandes, onde, em que ocasião,
escolheram uma estrada batida?
General da força humana - Verbo - marche!
Que o tempo cuspa balas para trás,
e o vento no passado só desfaça
um maço de cabelos.
Para o júbilo o planeta está imaturo.
É preciso arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida morrer não é difícil.
O difícil é a vida e seu ofício.
COMENTÁRIOS
Enviado por Henrique em 26 de março de 2008.
Li a matéria sobre o Yoñlu. Fiquei impressioando com as camadas de profundidade que o Vinicius ultrapassa com tão pouca idade. Ouvi uma das músicas numa versão gravada de forma precária. Bela melodia, Lendo a matéria lembrei de Cartas a D. de André Gortz que acabei de ler. Leu esse Jorge? Gortz já tinha 80 anos quando se suicidou com a mulher. lembrei também do livro do Arthur Dapieve que fala sobre o assunto (suicídio). As vezes tenho a impressão que a vida não está preparada para a vida. Entende o que quero dizer? Não consigo deixar de pensar que no caso deles (o menino e o velho) o fim da vida veio porque eram ‘especiais”. Ainda que eu queira evitar a glamorização do ato.
Enviado por Elisa Stocker em 27 de março de 2008.
Genial como sempre!! Nem preciso comentar muito…. rs
Enviado por Martha em 03 de abril de 2008.
Olha todo cuidado é pouco com nossos ingenuos comentários. Tanto na época quanto agora essa tragedia me abala terrivelmente, é como um christiane f, chocante. Mas fica latejando na minha cabeça apenas a palavra desperdício. Seria mais correto dizer glamourização da covardia, das pessoas que o empurraram escada abaixo ao invés de TENTAR pelo menos impedi-lo e glamourização da covardia desse menino em falar de tudo para varios, sem tentar falar pouco mas vital, em realidade com seus pais. Especial ainda é fazer o mais dificil, ficar.