Eugenio Berríos Sagredo era o nome do sujeito. Bioquímico chileno nascido em 1947, ligado ao grupo de extrema direita “Patria y Libertad” desde os tempos de estudante, entrou na folha de pagamentos da DINA, a polícia secreta de Pinochet, em 1974. Sabe-se que chefiou o complexo químico do Exército em Talagante, a 40 km de Santiago, onde foram feitas experiências com o gás Sarin, uma substância letal que não deixa rastros e que fora inventada pelos nazistas durante a segunda guerra mundial. Há evidências de que ele tenha também aplicado Antrax e a bactéria do botulismo para eliminar inimigos do regime. Mais de uma testemunha aponta Berríos como o responsável pelo explosivo plástico que matou o diplomata Orlando Letelier em Washington, em 1976. Denúncias mais recentes de ex-colaboradores da ditadura indicam que o complexo de Talagante também produzia “cocaína negra”, uma variante da droga que não é detectada pelos métodos policiais tradicionais, e com isso teria faturado pelo menos 26 milhões de dólares, hoje em contas bancárias no exterior em nome da família de Augusto Pinochet.
Em 1990, o Chile muda, mas não muito: Pinochet deixa de ser presidente mas torna-se senador vitalício e permanece comandante das forças armadas. Mais independente, o Poder Judiciário abre vários processos para investigar o passado recente do país. Citado pela Justiça para depor na investigação do assassinato de Letelier, Berríos desaparece de Santiago em outubro de 1991. Aqui, a dúvida: resolveu fugir para não se incriminar ou foi escondido para proteger seus parceiros? No dia 15 de novembro de 1992, alguém dizendo ser Eugenio Berríos aparece numa delegacia de Montevidéu, alega ter sido seqüestrado e pede proteção policial. Em seguida a polícia entrega-o aos oficiais militares uruguaios Tomas Casella e Eduardo Radaelli. E ele nunca mais é visto com vida. Finalmente, em abril de 1995, seu corpo é encontrado na praia de El Pinar, a 20 km de Montevidéu.
Roxana Blanco e Maria Izquierdo
“Matar a todos”, filme de Esteban Schroeder que abriu a 2ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul em dezembro passado, é um thriller político que dramatiza a história real de Eugenio Berríos. O ponto de vista ficcional é o de Julia Gudari, uma advogada que investiga o seqüestro de um estrangeiro e aos poucos vai descobrindo o envolvimento de seu próprio país e de sua própria família na trama. Em pleno anos 1990, com a América do Sul já quase toda redemocratizada, organismos militares secretos de vários países seguem colaborando entre si e contra as leis internacionais, no que ficou conhecido como “Operação Condor”.
O elenco é multinacional como a produção do filme, e excelente, a começar pela uruguaia Roxana Blanco, que interpreta a protagonista Julia. O chileno Patricio Contreras é um jornalista chamado Jiménez, mas claramente inspirado no Jorge Molina que em 2002 publicou o livro-reportagem “Crimen Imperfecto” sobre a morte, a vida e as mortes atribuídas a Berríos. O argentino Dario Grandinetti (o escritor de “Fale com ela”) faz Alejandro, ex-marido de Julia e ainda militante.
E um dos grandes momentos do filme é interpretado pela chilena Maria Izquierdo, que faz a ex-amante de Berríos, uma mulher que viu torturas e assassinatos e agora conta tudo com voz monocórdica e olhar fixo, de alguém enlouquecido pelo horror cotidiano. É ela quem menciona a expressão “matar a todos”, dita casualmente por Berríos quando discutia a possibilidade de envenenar reservatórios de água de grandes cidades, em caso de um confronto militar entre o país de Pinochet e algum de seus vizinhos. Ou seja: o “todos” que Berríos um dia pensou em matar era a população de Lima, ou de La Paz, ou de Buenos Aires.
“Matar a todos” já participou dos festivais de San Sebastian, Havana, Palm Springs e Viña del Mar. Ganhou o Prêmio do Público em Biarritz e, poucos dias atrás, repetiu a premiação em Montreal. Hoje, 11 de abril, estréia comercialmente no Uruguai. E ainda não tem data para estrear no Brasil.
TEM MAIS:
Sítio oficial do filme Matar a todos.
Artigo da Wikipédia anglófona sobre Eugenio Berríos.
Matéria do The Guardian (julho/2006) sobre o possível envolvimento de Pinochet e Berríos com tráfico internacional de Cocaína.
COMENTÁRIOS
Enviado por Débora em 13 de outubro de 2010.
vi o filme no início da semana em uma mostra de cinema uruguaio aqui na Alemanha e gostei bastante…. e como me faltavam algumas informações históricas, resolvi pesquisar e encontrei sua resenha, que por sinal também está muito boa. Um abraço, d.
Enviado por Giba Assis Brasil em 13 de outubro de 2010.
Obrigado, Débora. Que bom que as informações foram úteis pra você.3