por Giba Assis Brasil
em 08 de junho de 2008
Jussara Silveira nasceu em Minas, mas ela mesma se declara uma cantora baiana, e eu não vou discordar; só acrescento que ela é uma excelente cantora, numa geografia talvez mais próxima da Teresa Salgueiro que da Gal Costa. André Mehmari é de Niterói, tem pouco mais de 30 anos e já é conhecido como um dos grandes pianistas brasileiros; há pouco mais de um mês ganhou um acordeon e já toca com muita segurança, mesmo na terra da gaita ponto. Arthur Nestrovski é daqui mesmo, de Porto Alegre, embora seja graduado em música na Inglaterra, doutorado em literatura nos Estados Unidos e more em São Paulo há quase 20 anos; em 2005, largou a Universidade (sem deixar de ser crítico, editor e autor) e voltou a ser músico de palco, um raro violonista de formação erudita com uma sensibilidade muito especial para a música popular brasileira.
Os três juntos no Salão de Atos da UFRGS, como aconteceu nesta quinta-feira, 5 de junho, dentro do Unimúsica 2008, só podia ser coisa boa. Mas o show “Viagem de verão”, com o provocativo subtítulo de “Canções e versões, de Schubert a Caymmi”, é muito melhor do que isso.
O ponto de partida é a relação entre canção e poesia, conforme praticada no Brasil desde Tom Jobim e Vinícius de Moraes, e de forma muito próxima aos Lieder alemães da primeira geração do romantismo. O show é cheio de informações e conexões, que o Arthur fornece com elegância e entusiasmo a cada três ou quatro números. Caetano Veloso é cantado (“Nu com a mínha música”) e citado duas vezes (trechos de “Verdade tropical”), mas é José Miguel Wisnik quem parece estar presente o tempo todo, influenciando inclusive Schubert, segundo o próprio Nestrovski.
Daí que tudo tem uma releitura, ou mais de uma: o “DNA” do Wisnik vira o “Ela e eu” do Caetano; o “Carinhoso” do Pixinguinha é tocado quase que de trás pra diante, numa bela música que eu não consegui identificar; “Beatriz”, do Chico e do Edu Lobo, anunciada pelo André como “uma das mais lindas canções já escritas sobre a Terra”, e talvez exatamente por isso, é a única que não é cantada, e vira um solo de piano; o “sol, sol, sol, mi bemol” que abre a quinta de Beethoven decanta e se transforma num baião (Wisnik de novo) com ecos de Carmem Miranda.
Mas isso já é o bis, e eu ainda nem falei no começo: porque pode parecer estranho começar um show chamado “Viagem de verão” com “O Vento” do Dorival Caymmi. Estranho pro Caymmi, talvez pra Jussara e pro André, mas não pro Arthur. Não pra quem já passou as férias em Cidreira ou Tramandaí.
E teve também o meio: um momento completamente mágico em que o “Sabiá” do Chico e do Tom virou um belíssimo poema do Arthur que a Jussara cantou com a melodia da “Serenata” de Schubert. E então calaram-se os gritos e os sussurros.
Arthur Nestrovski e Jussara Silveira, foto de Ana Oliveira (divulgação)
TEM MAIS:
Sítio oficial da cantora Jussara Silveira.
Sítio oficial do pianista André Mehmari.
Alguns livros do Arthur Nestrovski no Publifolha.