Eppur si muove

por Giba Assis Brasil
em 30 de junho de 2008

“Eppur si muove”, em latim, significa “e no entanto se move”. Galileu Galilei, o astrônomo que, no início do século 17, demonstrou que a terra girava em torno do sol, foi acusado de heresia e colocado em prisão domiciliar. Para evitar ser condenado pela inquisição, declarou, publica e republicanamente, que seus estudos estavam errados, e que a terra era, afinal, como a igreja sempre tinha afirmado, o centro fixo do universo. Diz a lenda (e a peça de Brecht, “Galileu Galilei”, que consagrou o episódio) que, ao encerrar a retratação pública, ele teria falado bem baixinho, apenas para as pessoas mais próximas ouvirem: “eppur si muove”.

O que teria significado a frase naquele contexto? Em primeiro lugar, um ato de rebeldia discreta, como o filho que finge aceitar o castigo da mãe mas continua fazendo caretas e ameaçando o irmão mais novo sem que a velha perceba. Em segundo lugar, uma declaração para o futuro, “um dia vão descobrir que eu estava certo”. Em terceiro, uma afirmação que se pretende ao mesmo tempo sábia e fatalista, no controle da situação mas no reconhecimento da sua insignificância: o mundo gira independentemente da nossa vontade, as coisas são assim mesmo e a minha única superioridade é perceber e afirmar isso - ainda que não tão publicamente como eu gostaria.

Mas o (falecido) jornalista e escritor Jefferson Barros, meu mestre em dialética, me passou uma vez um quarto possível significado para a expressão, e para a atitude de Galileu. Segundo ele, trata-se de teimosia pura e simples, de uma “marcação de posição” arrogante e burra. Segundo a cosmogonia de hoje, não há qualquer ponto fixo no Universo, portanto não faz diferença dizer “o sol gira em torno da terra” ou “a terra gira em torno do sol”. Ou melhor: faz diferença sim, mas só nos níveis religioso (o homem, a obra de deus “à Sua imagem e semelhança”, tem que estar situado no centro) ou matemático (as equações para descrever o movimento combinado da terra e do sol se tornam mais simples se adotamos o sistema heliocêntrico).

Sacada genial do Jefferson: Galileu brigou a vida inteira e quase foi queimado vivo por fazer de uma símples disputa de pontos de vista uma questão de princípios. O que nos leva a uma questão, sem dúvida, republicana: princípios existem, sim, e devem ser tratados como tal, e não devem ser negociados - mas, ou são muito poucos e realmente fundamentais, ou não são coisa nenhuma. Nada mais republicano que aceitar que o ponto de vista do outro também pode estar baseado em princípios.

Tentando traduzir “eppur si muove” pra nossa linguagem de hoje, talvez não haja expressão mais aproximada do que “e segue o baile”. O que remete, é claro, ao histórico Baile da Ilha Fiscal, a suntuosa festa ocorrida na baía da Guanabara em 9 de novembro de 1889, quando metade da elite brasileira festejava o seu Imperador, enquanto a outra metade da mesma elite tramava a proclamação da República. O povo, segundo alguns historiadores, assistia a tudo “bestializado” - mas isso já é outra história.

(A primeira versão desse texto era um e-mail pra minha amiga e ex-aluna Lisie Ane Santos. A versão revisada foi publicada no Jornal “A República” número 1 (e único até agora), de julho de 2007.)

Galileu Galilei (1564-1642)


TEM MAIS:

Biografia de Galileu escrita pelo português Levi António Malho

Artigo sobre Jefferson Barros na Wikipédia.

Sítio da agência República das Idéias, que publicou (publica?) o jornal “A República”.


COMENTÁRIOS

Enviado por Jorge em 30 de junho de 2008.

“Se o Bom Deus quisesse que a gente caminhasse não teria criado o patinete”. Willy Wonka