O Meio do Não

por Giba Assis Brasil
em 14 de julho de 2008

A partir do número 12, O EX-CALADO deixou de ser semanal e passou a ter novos colaboradores a cada edição: Cláudio Heinz e Neca Heinz (irmãos do Heron), Alvaro Magalhães, Hélio Pinheiro, Abdias Mello e Paulo Mello, Teo Meditsch, Zé Luis Lima, etc, quase todos ex-colegas ou contemporâneos do Colégio de Aplicação.

Dois anos e 26 edições depois (o que significa que o nosso não-periódico tornou-se “mais ou menos mensal”), o nome “Ex-calado” já não bastava. Em dezembro de 77, quando estávamos preparando o número 27, eu perguntei pro Alvaro Magalhães qual seria o novo nome do jornal e ele, que não queria voltar àquele assunto, respondeu: NÃO! E ficou.

Na época, eu tinha 20 anos, e era uma violência comigo mesmo chamar uma coisa que eu fizesse de NÃO. Num dos números seguintes, escrevi uma matéria só de citações contrárias ao título. Lembro de algumas: “Yes is the answer” (John Lennon, Mind games) “E eu digo sim, e eu digo não ao não” (Caetano, É Proibido proibir). “A palavra certa é sim.” (Walter Franco, Revolver).

Mas, no final, eu colocava o título de uma música do Chico Buarque, do Calabar: “Vence na vida quem diz sim”. Quer dizer, tinha uma dialética interessante. Tudo o que eu não queria na época era “vencer na vida”. Pelo menos eu achava isso.

Camus, em sua releitura de Nietzsche (O HOMEM REVOLTADO), propõe ir “além do niilismo”, o que, reduzido a uma fórmula de manual de auto-ajuda, seria “primeiro dizer NÃO para depois poder dizer SIM”. Claro que eu não conhecia esse texto, e mesmo que conhecesse ele provavelmente não se encaixaria no meu raciocínio da época: não tinha essa coisa de etapas, com 20 anos era “tudo ao mesmo tempo agora”. No número 28 escrevi um MANIFESTO NÃO (uma página em branco) e no 29 um MANIFESTO SIM, em que a única coisa compreensível era o subtítulo: “que também pode ser o manifesto também não”. A capa do número 42 era um grande NÃO formado de SIMs, como o LUXO/LIXO do Augusto de Campos.

E os trocadilhos e jogos de palavras que se podiam fazer com esse título? No próprio número 27 já tinha: “Seja você também um niilista: não leia, não divulgue, não assine e não colabore com o Não - um novo marco na história da imprensa (ou será que não?)” Mas é claro que os jogos de palavras nos interessavam mesmo era por suas possibilidades de inversão de significados. A partir daí, eu passei a adotar um cacoete de texto que na época me pareceu extremamente radical: sempre que eu afirmava alguma coisa, colocava um ponto e depois acrescentava: “Ou não”.

Nos anos seguintes, o Não mudou algumas vezes de formato (de tamanho caderno passou para ofício e teve até mesmo um número tablóide) mas manteve sempre a sua idéia básica: um jornal feito artesanalmente, com um único exemplar que circulava de mão em mão a cada número, e em que as únicas funções do “editor” (cargo definido por revesamento entre os colaboradores) eram juntar o material, fazer uma capa e um índice.

Mas, a essa altura, a turma já era outra, ou tinha crescido ainda mais: os fundadores Ricardo e Heron nunca chegaram a se afastar totalmente, o pessoal do Aplicação continuava colaborando, mas quem passou a definir a linha editorial (nunca explicitamente, é claro) foram os novos amigos que eu encontrei na Universidade, muitos deles no curso de Jornalismo: Paulo Cesar Teixeira e Alvaro Teixeira, Alberto Groisman, Sérgio Lerrer, mais tarde também o Carlos Gerbase e o Nelson Nadotti. Era o final dos anos 70, e o super-8 (e todo o resto) se tornou uma possibilidade.

O Não seguiu até 1983, quando foi lançado o 52º e último número em papel. Destes 52, eu ainda tenho 33 nos meus arquivos - os outros 19 devem estar por aí, com os demais editores, ou já foram parar no lixo. O Não que surge na internet 15 anos depois é evidentemente outra coisa. Mas nem tanto.

(o texto acima foi adaptado e ampliado a partir do editorial que eu escrevi em abril de 1998 pro Não 54, um dos primeiros na internet)

Capa do Não 28, de março de 1978

Insistindo:

Pra quem pensava que o Não tinha ido embora, “olha ele aqui traveiz”, como diriam o Adoniran e o pessoal da Terreira. Depois de dois anos no limbo do hiperespaço, o Não volta em seu número 83, enxuto e temático (“tecnologia e contracultura” é o nome do jogo), com edição do Cesar Brod e textos de Albert Siedler, Ariela Boaventura, Carlos Gerbase, Eloar Guazzelli Filho, Gaby Benedyct, Giba Assis Brasil, Joice Käfer, Pedro dos Santos de Borba e Roberto Tietzmann.

O endereço, pra quem não lembra mais, é
http://www.nao-til.com.br


COMENTÁRIOS

Enviado por Carlos Gerbase em 22 de julho de 2008.

Apenas uma pequena correção: “ir além do niilismo” pode até ser uma expressão do Camus, mas a idéia de ultrapassar a passividade do nillismo está bem explícita no próprio Nietzsche, que falava em “niilismo negativo” (que leva à inércia) e “niilismo positivo”, que faz o homem avançar. E, se avançar tudo que pode avançar, surgirá o super-homem, que não tem nada de nazista, porque está além do bem e do mal. Lembro de um diálogo do “Deu pra ti” em que Ceres encerra um debate filosófico-niilista dizendo que “Hitler estava sempre citando Nietzsche”. E Marcelo fica calado, como se este fosse um argumento definitivo. Depois de viver mais uns trinta anos e ler um pouco de Nietzsche, me dá vontade de voltar no tempo e dar algum argumento pro Marcelo, que com certeza não precisaria ser retirado de Camus. Lembro que Nietzsche fala de SIM e fala de NÃO, mais ou menos assim:
-- NÃO contra tudo que debilita, contra tudo o que esgota, contra tudo que leva à morte;
-- SIM a tudo que fortalece, acumula forças, justifica o sentimento de força, a tudo que leva à vida.