por Jorge Furtado
em 18 de março de 2009
Não sei se vocês perceberam que existem músicas para todas as profissões, pedreiros, atrizes, bailarinas, jogadores de futebol, malandros, funcionários, dançarinas, prostitutas, amélias, mas nunca alguém se dignou a fazer um reles sambinha para os diretores. Preenchendo esta lamentável lacuna, aqui vai.
Cada um pensa no seu (Samba do diretor)
Letra: Jorge Furtado
Música: ?
A produtora produz e o ator só atua
Fotógrafo cuida da luz, o maquinista da grua
Figurino quer saber se a atriz vai ficar nua
A dona da locação quer que a coisa se conclua
O som já se recolheu mas o filme continua
E o montador pede, urgente, um outro plano da lua
refrão:
Cada um pensa no seu…
Cada um pensa no seu, quem pensa em tudo sou eu.
Tenho que saber de brinco, de escaleta e cronograma
Tenho que beber champanhe e almoçar uma banana
Tenho que saber de vaca, tenho que saber de grama
Tenho que reler Montaigne antes do fim da semana
(refrão)
O cavalo hoje não veio, a outra era mais bonita
Prefiro a porca do meio e essa trilha é esquisita
O chapéu é muito feio, grava o resto na outra fita
Tem que aparecer o seio, mas não mostra a periquita!
(refrão)
Escolher ator local para o papel de analista
jantar com autoridade, almoçar com jornalista
mudar a marca da morte, afogar o roteirista
marcar a cena final, isso depois do dentista
(refrão)
Opção chuva, o cartaz, escolher foto melhor
O texto é muito comprido, não dá pra dizer decor
Sombra do boom na parede, esconde o cabo com a flor
Larga o garfo antes da fala senão não vai dar racord
(refrão)
Os olhos vermelhos, a equipe no espelho?
Colírio, ligeiro, e anti-reflexivo.
Carrinho rangendo e a luz tá caindo?
Grafite, sabão e troca o negativo.
Perdeu o personagem e às seis tem teatro?
Que é isso, bobagem, ainda são quatro.
(refrão)
O carro tem que ser verde e o lençol de cetim
Este fresnel tá em quadro, roda mais uma pra mim
Corta o rádio do vizinho, estamos quase no fim
e o ator me pergunta se um morto agiria assim…
(refrão)
Fui eu que escolhi os atores, fui eu que aceitei o texto
Escolhi o primeiro take mas repeti até o sexto
Fui eu que disse que dava pra rodar durante o dia
E escolhi a locação ao lado da serraria
(refrão)
Volto pra casa, aleluia, está acabada a Odisséia
Faltou o plano da lua mas posso ter outra idéia
Picado, mordido, afônico e achando tudo ótimo
Tomo banho e deito, atônito: e agora? Qual é o próximo?
COMENTÁRIOS
Enviado por Fábio Dalcastagné em 02 de abril de 2009.
Jorge, você disse que se pudesse (se tivesse mais talento, na verdade) preferia ter sido desenhista (cartunista - fazer HQ). Mas acho que devia ter sido músico mesmo. Chico Buarque virou gênio fazendo músicas que “parecem” simples, ou parecem brincadeira, mas são expressão perfeita (e ritmada!) de uma situação/sentimento. E como sempre, tua constelação (ou rede?) semântica funcionando. Abraços.