Vale Cultura

por Jorge Furtado
em 29 de julho de 2009

“O Vale Cultura tem o mérito de ir direto para o bolso do trabalhador, justamente quem mais precisa. (…) Vai usá-lo bem? (…) Há uma chance grande de boa parte do dinheiro do Vale Cultura ir para produtos e eventos de alto impacto popular, mas com baixo teor educativo - livros de autoajuda, filmes de comédia ou shows de música sertaneja ou pagode, por exemplo. Leitores devem estar considerando esse comentário elitista. Se é para lançar um programa dessa envergadura, deveríamos perguntar se o trabalhador irá a bons espetáculos, exposições ou concertos. Cada um faz o quiser com seu dinheiro. Mas recurso público não deveria sustentar livros de autoajuda, comédias românticas ou grupos de pagode.”

Gilberto Dimenstein (O espetáculo eleitoral, 26/07/2009)

O comentário de Gilberto Dimenstein em seu blog é de um elitismo tão explícito, é tão grosseiramente pedante e equivocado que chega a ser constrangedor. A que ponto chegamos? Um intelectual sério é capaz de afirmar, por escrito, que um determinado gênero musical, o pagode, ou cinematográfico, o que ele chama de “filmes de comédia” (sic), tem “baixo teor educativo”? Dimenstein, num momento de luz, anota que seus leitores podem achar seu comentário “elitista”. Podem e devem, é muito elitista, além de levemente bizarro.


Atenção! O Comissário da Cultura informa: este espetáculo contém piadas, cuíca e agogô. Teor educativo: baixo, menos de 3,5 graus na escala Dimenstein.

Não sei como funciona o projeto do Vale Cultura, as poucas matérias que li a respeito se preocupavam muito - como virou a regra da antiga imprensa - em fazer insinuações maldosas, são cheias de comentários, ironias e piadas fracas, mas pouco informam.

Suponho que o trabalhador, de vale na mão, vá poder escolher que espetáculo ver, que livro comprar. Espero que os autores do projeto tenham resistido a tentações totalitárias, palpites de seres iluminados que querem obrigar pobres assalariados a assistir, depois de horas de trabalho duro, a espetáculos de “alto teor educativo”.


Já vi gente dizendo: não seria melhor aplicar este dinheiro, 50 reais por mês, em educação? Minha impressão é que não, não seria. Da parte que me cabe, apreendi mais com os livros, o cinema, a música e o teatro do que com a escola, a “cultura” foi e ainda é mais importante na minha formação do que a educação formal. Criar categorias estanques para alta e baixa cultura, separar educação e cultura de forma radical e estabelecer “teores educativos” para cada gênero artístico não são atitudes apenas elitistas e preconceituosas, são uma bobagem insustentável.


“Um histrião bárbaro, sem a menor faísca de bom gosto. Não há nele qualquer arte, a baixeza aparece com a grandeza, as palhaçadas com o terrível.

“Suas peças são abomináveis. Eis que aparecem carregadores e coveiros, que têm conversas dignas deles; em seguida vêm príncipes e rainhas. Como pode esta excêntrica mistura de grandeza e baixeza, de bufonaria e de tragédia, comover e agradar?”

Declarações, respectivamente, de Voltaire e de Frederico, O Grande, dois sujeitos brilhantes, sobre as peças de William Shakespeare, que eles julgavam ter baixíssimo teor educativo.

Jorge Furtado
29.07.09


texto completo de “O espetáculo eleitoral”, artigo de Gilberto Dimenstein aqui.

para tentar entender como funciona o Vale Cultura.

Texto completo do projeto.


COMENTÁRIOS

Enviado por Ricardo Koch Kroeff em 29 de julho de 2009.

Muito bom. De início, lendo o que o jornalista escreveu, concordei. Depois, fui convencido do contrário. Bem fundamentado. Abraço, Kroeff. ocadernoamarelo.blogspot.com

Enviado por João Volino Corrêa em 31 de julho de 2009.

Furtado, sinceramente temo pela sanidade intelectual dos paulistas. Claro que toda generalização é estúpida; mas é que a “antiga imprensa” (sensacional!) dá voz tão somente ao coro dos elitistas: jornalistas, empresários, inclusive banqueiro condenado! Pobre vida inteligente na capital bandeirante!? FSP, Estadão, Editora Abril! Socorro! Salvem os paulistas! Ainda bem que o Mino Carta existe!

Enviado por fernando rosa em 31 de julho de 2009.

legal, furtado. essa gente perdeu o rumo de vez. também escrevi algo sobre… abs, fernando rosa.

Enviado por rafael em 31 de julho de 2009.

o vale-cultura é uma excelente iniciativa! este país está evoluindo. a cultura, indefinível como expressão humana, entra na agenda, no orçamento do povo. de maneira inteligente, inicia-se, de maneira racional, a inserção do país na economia da cultura. viva a cultura!

Enviado por Giovani Avila Blumenau SC em 02 de agosto de 2009.

Este comentário eu fiz no Nassif sobre declaração de Lula sobre a visão dos imbecis sobre o “assistencialismo” do Bolsa Família no dia em que os mesmo recebem certificação de formação profissional (E deixam por opção de ser beneficiados). Acho que se aplica aqui… /// ALIENADOS? Qualquer alienado sabe que a mídia tem lado e é contrário ao LULA. Agora alienados mesmos são os que cuidam da imagem da mídia. Sabedores que são que 80% da população, distribuídos como sabemos em todos os extratos sociais e conômicos são simpatizantes à este governo e seu líder, certamente ficam DESCONFORTÁVEIS no mínimo quando percebem ataques desleais e comentários distorcidos ao presidente. É a história do time pequeno que está disputando campeonato,começa perdendo, vira o jogo e ganha dos grandes medalhões. A torcida simpatiza, vibra com a capacidade dos caras que apesar das adversidades peita os grandões e acaba torcendo pra eles. Isso compromete sim a qualquer credibilidade destes canais e seus ‘gestores’, e acabam eles mesmos dando espaço para espaços mais coerentes e menos manipuladores, pois ninguém gosta de escutar notícia ruim, não vai dar razão à fonte e sempre vai preferir trocar de canal. Se a comunidade internacional considera o líder e seu governo uma referência e seus eleitores concordam, a mídia nativa tem interesses no mínimo suspeitos. Neste caso foco minha decepção no grupo RBS, sou natural de Rio Grande-RS e via a RBS como um diferencial positivo em sua programação e até justa e coerente em sua opinião apesar de não concordar sempre com ela. Com 20 anos fui morar em Curitiba e confesso que senti falta do meu Rio Grande, do meu Inter e minha “paisagem na janela da mente” era por exemplo o jornal do almoço. Hoje sinto desconforto,mas ao mesmo tempo alívio, pois quando vou visitar meus pais 4 ou 5 vezes por ano no Cassino, não sinto a mínima vontade de assistir a caricatura do que pra mim foi exemplo de bom jornalismo e postura. Prefiro sem dúvida o Rio Grande real, natural em sua natureza, e ainda honesto no rosto de seus anciãos e crianças, pois não e ainda não se pautaram por uma “famíglia” que se acha no direito de tentar lavar os nossos cérebros! PS: E pessoal cuidado com generalizações, pois viajo o Brasil todo e foi logo em São Paulo, Guarulhos em que fui regularmente durante três meses ano passado que conheci jovens com altíssimo senso de ética, e as vezes até mais conservadores e abertos na medida certa do que nós “gaúchos” de vanguarda. Um abraço! Simples?

Enviado por Álvaro Magalhães em 08 de agosto de 2009.

Jorge, o jornalista discute o Vale Cultura como política social. Esta é a especialidade dele. E na campanha eleitoral serão confrontados os “modelos” Lula x FHC (tipo do comunidade solidária, incentivo ao terceiro setor, etc.) A esta visão o jornalista se filia, e não é de hoje. Creio que o “modelo” Lula está levando francamente a melhor na disputa. Por exemplo, uma pesquisa do MDS mostra que a maior parte do dinheiro do Bolsa-Família vai mesmo para as finalidades do Programa, ou seja, gastos em alimentação. Isto legitima a política. Nos incentivos culturais a coisa é mais complicada, entre outros motivos porque envolve algum julgamento de conteúdo (apesar da Lei Rouanet dizer que não se julga mérito de projeto). Por exemplo, como vai ser definido se o livro é de “literatura e humanidades”, pra fins do Vale Cultura? Na Lei Rouanet, um parecerista julga e a comissão (e o MinC) julgam. Fico curioso para saber como vai funcionar no Vale Cultura. Mas se o dinheiro público não for para uma finalidade pública (legitimada pela Lei) a coisa desanda. Os incentivos à Cultura perdem legitimidade quando financiam “divertimento de rico”, como aqueles a que o jornalista faz referência no artigo. Na atual legislação, os tipos de produto finaceiramente mais viáveis são menos incentivados. Ex: MPB ou Rock (Musica Popular) é menos incentivado do que música erudita ou instrumental. Ou audiovisual. Mas um ou outro devem ser considerados projetos culturais pelo MinC (ou pela Ancine). Por exemplo, show de música vale, dançar em “boate”, não. Eu mesmo fiquei famoso no MinC pelo parecer de que Parada de Orgulho Gay é projeto cultural. Fomos questionados através do Min Público e ganhamos a parada (desculpa o trocadilho). A revisão proposta pelo MinC para fixar as porcentagens de incentivo “a posteriori”, depois da apresentação do projeto, por critérios de “relevância cultural” foi duramente criticada - principalmente pelos paulistas e maiores produtores do país. E com razão. Até porque os patrocínios iriam migrar da área cultural para os esportes, p. ex. (Vamos devagar no antipaulistismo, gente.) Agora, incentivo à cultura é legítimo como política pública, até pela sua dimensão social e educativa. Mas não só. E o vale cultura parece ser uma ótima iniciativa, sim. Acho que nessa o jornalista e os setores paulistanos que criticam o “modelo Lula” vão ter que mudar de assunto. Abraço Álvaro Magalhães