por Jorge Furtado
em 26 de maio de 2010
Em “Bagombo Snuff Box: Uncollected Short Fiction”, Kurt Vonnegut lista oito regras para escrever uma história curta:
- Use o tempo de um completo estranho de tal maneira que ele ou ela não sinta que o tempo foi desperdiçado.
- Dê ao leitor ao menos um personagem pelo qual ele pode simpatizar.
- Todo personagem deve desejar algo, mesmo que seja apenas um copo de água.
- Toda sentença deve fazer uma ou duas coisas: revelar o personagem ou avançar na história.
- Sempre que possível, comece sua história pelo ponto mais próximo do seu final.
- Seja sádico. Não importa quão simpáticos e inocentes sejam seus personagens principais, faça coisas terríveis acontecer com eles para que o leitor perceba do que eles são feitos.
- Escreva para agradar apenas uma pessoa. Se você abrir uma janela e fizer amor com o mundo, sua história vai pegar uma pneumonia.
- Dê aos seus leitores o máximo de informação o mais cedo possível. Que se dane o suspense. Leitores devem ter um entendimento tão completo do que está acontecendo, onde e porque, para poder finalizar a história por eles próprios se as baratas comerem as últimas páginas.
Tradução de João Paulo Oliveira, do ótimo site “Mais 1 livro”.
http://www.mais1livro.com/
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Aqui você ouve as 8 regras na voz do próprio Vonnegut:
https://www.youtube.com/watch?v=nmVcIhnvSx8
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Vonnegut na Wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Kurt_Vonnegut
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Escrevi sobre Vonnegut um ano antes de sua morte, republico o texto aqui:
O MAIOR ESCRITOR VIVO
Jorge Furtado
O maior escritor vivo, Kurt Vonnegut, tem livro novo na praça: Um homem sem pátria (Editora Record). Autor de mais de 30 romances, este é um livro de ensaios onde ele fala sobre política (“A última coisa que eu queria era estar vivo quando os homens mais poderosos do planeta se chamam Bush, Dick e Colon”), sobre humanismo (“Nós humanistas tentamos nos comportar tão decente, justa e honradamente quanto podemos sem nenhuma expectativa de recompensa ou punição numa vida após a morte”), sobre religião (“Eu digo sobre Jesus, como todos os humanistas o fazem: Se o que ele falou é tão bom, e muito do que ele falou é absolutamente maravilhoso, que importância tem se era Deus ou não?”), sobre estruturas narrativas (“A situação de Hamlet é a mesma de Cinderela, com exceção de que os sexos são invertidos. Seu pai acabou de morrer. Ele se sente infeliz. E imediatamente sua mãe se casa com o seu tio, que é um bastardo.”)
Vonnegut também aproveita seu livro para dar ótimos conselhos: “Se querem realmente magoar seus pais e não tem coragem de se tornar gays, o mínimo que podem fazer é entrar para as artes. Não estou brincando. As artes não são uma maneira de ganhar a vida, são uma maneira de tornar a vida mais suportável. Cantem no chuveiro. Dancem ao som do rádio. Contem histórias. Escrevam um poema a um amigo, até mesmo um poema horrível. Façam isso da melhor maneira que puderem. Receberão uma enorme recompensa. Terão criado algo.”
Sendo um sábio de 84 anos e fumante desde os 12 anos, lamento informar que Vonnegut não será o maior escritor vivo por muito tempo. Portanto, se você quiser ler o maior escritor vivo, apresse-se. Há pelo menos 15 livros dele lançados no Brasil, Matadouro número 5 está nas bancas em nova tradução, pela L&PM. Os outros podem ser encontrados em sebos, são raridades.
É claro que esta história de “maior escritor vivo” é uma bobagem, não há (que eu saiba) um campeonato mundial de escritores nem um ranking oficial da categoria, mas o homem é um animal que faz listas. Certamente haverá quem diga que há romancistas em atividade com produção mais importante que a de Vonnegut, e eu mesmo poderia lembrar de David Lodge, José Saramago ou James Ellroy, mas ele é o único escritor em atividade que já escreveu uma inquestionável obra-prima da história da literatura, Matadouro número 5.
Para quem se diverte com listas, mando aqui a minha lista de onze* maiores começos de livros de todos os tempos.
Divirta-se.
*Atualizado em 20.08.11:
Onze maiores começos de livros:
- “Tudo isso aconteceu, mais ou menos.” Matadouro Número 5, Kurt Vonnegut.
- “Ao despertar após uma noite de sonhos agitados, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama transformado num inseto gigantesco.” A Metamorfose, Franz Kafka.
- “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.” Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis.
- “Você vai começar a ler o novo romance de Ítalo Calvino, Se Um Viajante Numa Noite de Inverno. Relaxe.” Se um Viajante Numa Noite de Inverno, Italo Calvino.
- “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendia haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”. Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez.
- “Mamãe e papai não passavam de duas crianças quando se casaram. Ele tinha dezoito anos, ela dezesseis e eu, três.” Autobiografia de Billie Holiday.
- “Me chame de Ismael.” Moby Dick, Herman Melville.
- “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.” Grandes Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.
- “A arte de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro Hotel de Belgique.” Histórias de Cronópios e de Famas, Julio Cortazar.
- “Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda esta lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso.” O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger.
Originalmente publicado no Terra Magazine, 18 de maio de 2006:
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1006995-EI6612,00.html
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Lembrei de mais duas grandes primeiras frases e começo aqui uma nova lista:
“A primeira coisa que posso dizer para vocês é que a gente morava no sexto andar por escada e que para Madame Rosa, com aqueles quilos todos que carregava com ela e somente duas pernas, aquilo era uma verdadeira fonte de vida cotidiana, com todas as preocupações e sofrimentos.” Toda vida pela frente, Emile Ajar.
“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”. Ana Karenina, Leon Tolstói.