por Jorge Furtado
em 18 de junho de 2010
Sócrates, capitão de um time perdedor, deveria ser mais cauteloso nas críticas que faz ao Dunga, capitão de um time vencedor. Dunga é uma das cinco figurinhas carimbadas do álbum das glórias esportivas nacionais, ao lado dos capitães Bellini, Mauro, Carlos Alberto e Cafu. O capitão Sócrates e seu time não nos deram esta foto. Deveriam ter sido, talvez, um pouco mais reacionários na marcação ao Paolo Rossi, seja lá o que signifique a palavra reacionário para o doutor Sócrates.
Sócrates critica Dunga por não ter levado Ganso. É uma opinião sustentável. (Suponho que muitos gaúchos discordariam do ex-jogador paulista sobre o fato de ser uma boa idéia levar o Ganso.) Não se sabe como o Ganso reagiria vestido a amarelinha pela primeira vez, acossado por três marcadores coreanos ao som de 50 mil vuvuzelas, talvez murchasse. Robinho, por exemplo, que estreou bem contra a Coreia (apesar de ter errado todos os chutes que deu a gol), em sua primeira copa foi uma decepção. Ganso e Neimar, se continuarem jogando assim, vão estrear na seleção na copa do Brasil, tem tempo.
Insustentável e não muito inteligente é a idéia de Sócrates de que Dunga não convocou Ganso por ser gaúcho e por serem os gaúchos “os brasileiros mais reacionários” do Brasil”. A afirmação não faz sentido algum, é uma tolice. Reacionário é quem se opõe à revolução (na origem, à revolução francesa), e por extensão virou sinônimo de hostil à democracia, antidemocrático, que se opõe às idéias voltadas para a transformação da sociedade ou aquele que defende princípios conservadores, contrários à evolução política ou social.
Não há relação possível entre ser reacionário e preferir o Elano ou o Felipe Melo ao Ganso no meio campo. Imagino que haja técnicos de futebol retranqueiros ou irresponsáveis de diferentes ideologias políticas, por exemplo, retranqueiros tucanos, ofensivistas petistas, macumbeiros democratas, etc.
O doutor Sócrates revela forte preconceito (e o preconceito é o oposto da inteligência) ao determinar que Dunga seria, como todos os gaúchos são, reacionários. Não acho que Luis Carlos Prestes ou Leonel Brizola, gaúchos, possam ser chamados de reacionários e não imagino se eles defenderiam a idéia de jogar com um ou dois volantes de contenção na frente da zaga.
Também não há sustentação alguma para a tese de que os gaúchos são mais reacionários que, por exemplo, os paulistas. Ao contrário. O Rio Grande do Sul comandou a “Cadeia da Legalidade”, que garantiu a pose de Jango na presidência, e foi o único foco de resistência ao golpe militar de 1964, que teve o decisivo apoio da elite paulista. Do Rio Grande do Sul partiu a “revolução” de 30 que, mesmo sendo uma revolução entre aspas, mudou inteiramente o Brasil, para melhor, estagnado que andava sob o poder das elites, incluindo a paulista. Aqui nasceu o Forum Social Mundial, aqui elegemos um governador negro, uma governadora. Aqui o PT teve algumas das suas primeiras e mais bem sucedidas experiências administrativas, governando o estado e a capital. O máximo que fomos para a direita, via voto, foi até o PSDB, que parece ser o máximo que os paulistas vão para a esquerda, e faz tempo. Nossa capital, Porto Alegre, jamais elegeu prefeitos de direita. A mais recente prestidigitação moralista em curso, a tal lei da “ficha limpa”, se servir para pegar alguém (o que eu duvido) vai ser o Maluf, que os paulistas insistem em eleger, é capaz de virar a “lei anti-Maluf”. A direita reacionária brasileira está, mais uma vez, reunida em torno de uma candidatura pra lá de paulista, a de José Serra.
Sócrates diz ainda que o time de Dunga, por ser muito gaúcho, seria “pouco brasileiro”. Imagino que eu esteja entre a minoria que por aqui considera isto uma ofensa, gosto de ser brasileiro (li Drummond, ouço Cartola e Caymmi e quero ser da turma deles). Acho que somos tão brasileiros quanto paulistas e baianos, embora o grau de “brasilidade” dos diferentes estados me pareça conversa de elevador, se o caso é só evitar o silêncio, melhor falar sobre o tempo.
Sócrates termina a bobagem citando os times que tem tudo para se dar bem na copa, abrindo a lista com a Espanha que, logo depois da entrevista, perdeu para a Suíça, onde eu nem sabia caber um campo de futebol inteiro (parece que o vestiário dos visitantes fica na Áustria).
Sócrates precipita-se também ao concluir que o governo Lula foi “o melhor da história do país”. Talvez seja um pouco cedo para afirmar que o Neimar é um craque selecionável e que o bom governo de Lula “foi melhor” que o de Getúlio Vargas ou o de Dom Pedro II, se é que a comparação importa. Acho que não. Importa mais pensar como fazer o próximo governo ser melhor que este.
Minha proposta aos candidatos: dobrem (no mínimo!) o salário dos professores!
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Saiba a seleção brasileira que nós, gaúchos, estamos torcendo por eles e, ao contrário dos paulistas, nós não vamos no mixar pro Maradona! Dá-lhe Dunga!
(Que casaco horrível é aquele, Dunga? Até parece paulista! Tira isso, veste o abrigo da seleção.)
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O “Julgamento de Sócrates” é o título do extraordinário livro de I.F. Stone, um dos melhores que já li sobre filosofia, com tradução de Paulo Henriques Britto (Companhia de Bolso).
Stone descreve Sócrates como “um herói trágico da mesma estatura que Édipo e Hamlet”. Eu, que já não ia muito com a cara de Platão, peguei até um certo nojo. Mas que pentelho este Platão! Estou com Sócrates e não abro! Lê-se como um romance e, como toda grande obra, vai ficando cada vez mais atual. Um exemplo, muito útil nesta época em que espiões gostam de dar entrevistas na televisão sobre as incríveis descobertas que fizeram no Google:
“Poucas coisas conseguem permanecer secretas por muito tempo. O que os serviços de inteligência basicamente fazem é dizer ao patrão que está agindo de maneira correta. A espionagem é um desperdício de dinheiro. Ninguém passa a entender melhor o que acontece bisbilhotando por buracos de fechadura”. I. F. Stone, O Julgamento de Sócrates.
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Para comprar o livro “O Julgamento de Sócrates”, de I.F. Stone, no site da Editora: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=80014
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Sócrates no Guardian:
Guardian - Does the “sensibleness” of Dunga’s squad perhaps symbolise the fact that Brazil considers itself a more “sensible” country these days?
Sócrates - Dunga is a gaúcho - he is from the extreme south of Brazil - and they are the most reactionary Brazilians. His team is very coherent, in terms of coherence with his world view and his background. I understand why he has chosen the team that he has; it’s just that I don’t think it is very Brazilian.
(“Dunga é gaúcho - ele é do extremo sul do Brasil - e eles são os brasileiros mais reacionários. Sua equipe é muito coerente, em termos de coerência com sua visão de mundo e sua formação. Eu entendo por que ele escolheu o time que ele tem é só que eu não acho que isso é muito brasileiro”.)
Guardian - The other big event for Brazil this year is a presidential election. President Lula, of the Workers’ party, will step down after two four-year terms. How were the Lula years for you?
Sócrates - His government has been the best in Brazil’s history. It was very good in some aspects. The possibility of the participation of a large part of the population in the consumer market improved. The quality of life for many people got better. International diplomacy has been fantastic.
http://www.guardian.co.uk/theobserver/2010/jun/13/socrates-brazil-football-world-cup