por Jorge Furtado
em 04 de outubro de 2010
A fé democrática supõe que a maioria sempre está certa e sabe o que é melhor para ela. Eu sei, pode parecer uma idéia absurda se você pensar no que as pessoas ouvem, lêem, comem, vestem ou dizem, toneladas de bobagens, mas a crença na sabedoria política da maioria é parte do credo da democracia e, como ainda não inventaram nada melhor, é o que temos. (Meu sistema político ideal é a monarquia holandesa com vinhos franceses, autores ingleses e pintores alemães, mas é muito caro de instituir no Brasil.)
Já desconfiei muitas vezes da democracia brasileira e sempre quebrei a cara.
Logo em minha primeira eleição presidencial, achei absurda a vitória do Collor. Descobri rapidamente que uma das virtudes da democracia é sua capacidade de mudar de idéia. (“Tola é a idéia que não pode mudar”.)
Fiquei pasmo com a tansice da maioria quando ela caiu no conto de mais uma massaroca moralista midiática (doravante denominada 3M) criada pela mídia por óbvia motivação eleitoreira (doravante denominado OME) só para levar a eleição para o segundo turno. (Não, não falo do “caso Erenice” de agora e sim do “caso dos aloprados”, de 2006.) Descobri rapidamente que segundo turno é mais tempo que a maioria pede para pensar, no caso, em 2006, se estava satisfeita com o resultado de oito anos de governo tucano e queria mais. A maioria decidiu que não e elegeu o Lula, no que fez muito bem.
Não fiquei nem um pouco surpreso de ver esta eleição ir para o segundo turno.
A expressiva vitória de Dilma neste primeiro turno é, antes de tudo, uma conquista pessoal. Em sua primeira eleição, Dilma partiu de 8 pontos nas pesquisas eleitorais e, em menos de dois anos, venceu um câncer, virou avó e chegou na eleição com mais de 47 milhões de votos, 14 milhões a mais que o segundo colocado, José Serra, um veterano de muitas eleições, apoiado por todos os veículos da antiga imprensa.
Dilma ganhou de Serra em 18 dos 26 estados brasileiros. Muitos disseram que a eleição de Serra dependeria da ampla vantagem que ele tivesse em São Paulo, estado que o tucano governava até ontem e o PSDB governa há 16 anos. A vantagem de Serra em São Paulo não chegou a 1 milhão, num universo de mais de 20 milhões de eleitores. Dilma ganhou do Serra em Minas, estado que o PSDB governa e fez seu sucessor, por quase dois milhões de votos. Dilma ganhou do Serra no Rio, no Rio Grande do Sul, na Bahia, em Pernambuco, a lista é longa. Digamos que, para um o “poste” que “nunca fez nada”, é um desempenho bastante bom.
A vitória de Dilma sobre Serra se deve também, e isto é o óbvio, a aprovação de Lula e de seu governo. A maioria - que sempre está certa, lembre-se - escolhe seus governantes por critérios egoístas: o assalariado por mais salário, o industrial por mais produção, o agricultor por mais terra e financiamento, o banqueiro por mais lucro, o jovem por mais emprego, as mães por mais saúde e segurança. Quatro em cinco brasileiros aprovam o governo Lula, Dilma já levou o voto de dois deles. Para ganhar no segundo turno, só falta um.
Muita gente boba - mais de 9 milhões - votou em branco ou anulou o voto, provavelmente eles estavam vendo novela e acompanhando o caso Bruno, não tiveram tempo nem paciência para ler nada além das manchetes e, portanto, não sabem que muitas vezes elas são desmentidas pelos fatos, descritos nas letras miúdas da notícia. A simples leitura do índice dos sites da antiga imprensa afasta qualquer cidadão decente da política, elas só falam de roubo, fraude, brigas, ofensas, baixarias, fofocas e picuinhas. Brancos e nulos, a quem a mídia impõe a (falsa) idéia de que política é uma contravenção, talvez precisem de mais alguns dias para pensar melhor, se não querem mesmo opinar sobre o próprio futuro.
Muita gente boa votou em Marina, e bons motivos é que não faltam. Acho que o último debate, na Globo, ajudou Marina a conquistar os 5 milhões de votos que ganhou na última semana. Dilma e Serra, líderes nas pesquisas, entraram para jogar pelo empate, o que é sempre irritante para o público, e morrendo de medo de errar, cumprindo rigidamente as marcas, exibindo sorrisos e frases de efeito exaustivamente repassadas por seus marqueteiros. Sorria, dizem eles. Deveriam ouvir Arnaldo Antunes: “não sorrimos à toa”. Marina passa sinceridade, um valor inestimável na vida e insuperável frente às câmeras. O público brasileiro, craque em identificar bons atores, percebe que Marina acredita no que diz, ponto para ela.
Há quem culpe Marina pela não-vitória de Dilma no primeiro turno - o risco de acordarmos presididos por Índio da Costa ainda não está inteiramente afastado - mas ela não pode ser culpada por ter feito bem o seu trabalho. Marina nos faz lembrar que mais petróleo para alimentar automóveis não significa exatamente a promessa de um mundo melhor, que toda geração de energia tem um custo e um benefício e que, ao invés de produzir mais, nós talvez devêssemos gastar menos. A sustentabilidade, além de aumentar nossas chances de um futuro aceitável, é um bom negócio. Espero que Dilma lembre disso em seu governo.
Marina foi ministra de Lula por quase seis anos, participou ativamente de um governo que, ela sabe muito bem, tirou milhões de brasileiros da pobreza e trabalha para erradicar a miséria. Marina é parte da história do PT, não consigo imaginá-la num palanque ao lado do DEM, apoiando Serra contra Dilma e contra o Lula. Também suponho que a maioria dos seus eleitores, se parar para pensar no assunto, não vota na direita.
Contra o voto em lista
A maioria - lembre-se, sempre certa - quis o segundo turno para discutir melhor certos assuntos. Não sei se alguém ainda vai querer mais detalhes sobre a última 3M.OME (Já esqueceram? Massaroca moralista midiática criada por óbvia motivação eleitoreira), os “5 milhões do filho da Erenice” ou a do “envelope do Tamiflu”, ou o “financiamento de 9 bilhões para o receptador de conservante de presunto roubado”, ou sei lá que outra besteira eles inventaram ontem mas, se ninguém se opuser, eu gostaria de propor o debate de alguns pontos que considero mais relevantes para o futuro do país.
Marina está fora do segundo turno e ela era a única contra o famigerado voto em lista.
Dilma já se manifestou publicamente a favor do voto em lista:
“Sou a favor de uma reforma política, para que haja financiamento público de campanha, voto em lista, para que haja um reforço dos partidos. (…) Seria prudente que fosse por uma Constituinte exclusiva pra tratar dessa questão” [Roda Viva, em 27.06.2010]
Serra também é a favor do voto em lista:
[sobre a reforma política]
-- (…) Começaria por aí já na próxima eleição. Eleito, vou me jogar a partir de janeiro para fazer isso. Deputados em geral são ligados a prefeitos de cidades médias e pequenas. Prefiro um tipo de voto distrital misto porque uma coisa é uma cidade mais homogênea. Estado complica um pouco. Em segundo, o voto em lista. A campanha eleitoral seria muito mais, a questão da chapa, haveria um debate maior. Resolve o problema de oligarquia partidária? Não, mas melhora o custo da campanha.
Você sabe o que é voto em lista?
Da wikipedia: voto em lista é uma das formas de regra de sufrágio. É adotada em diversos países e está dentro das propostas de reforma política no Brasil. Por este sistema, nas eleições proporcionais (para deputados e vereadores) o eleitor não vota em um candidato, mas numa lista, proposta pelo partido político. De acordo com o quociente eleitoral, se calcula quantos candidatos aquela lista poderá eleger, e eles serão eleitos, não na ordem em que forem votados, como atualmente acontece, mas na ordem em que foram propostos na lista.
Muita gente fala na necessidade de uma reforma política, uma que termine com os suplentes no senado (um escândalo), que institua o financiamento público das campanhas (sou a favor), o voto distrital (tenho dúvidas, depende do sistema) e o voto em lista.
Voto em lista? Sou contra, muito contra.
Quero ter o direito de escolher não apenas o partido, mas qual deputado de qual partido vai me representar no Congresso.
O voto em lista favorece o coronelismo, impede o eleitor de renovar os quadros partidários, estimula os burocratas e a corrupção, prejudica lideranças jovens, retira do eleitor - e entrega para os velhos coronéis políticos - o poder de escolher seus representantes.
Sou, ao contrário de Dilma e de Serra, totalmente contra o voto em lista.
E mais:
Já que, por motivos arquitetônicos, vai ser difícil acabar com o Senado (Niemeyer projetou um Congresso bicameral), sou pelo fim imediato da suplência.
Minha proposta: em caso de morte do Senador ou abandono do cargo, que assuma o deputado federal mais votado pelo estado.
xxx
Lista-engov:
Aos de ressaca, aqui vai a lista de alguns que, graças à vontade popular, nos darão o prazer de sua ausência em Brasília:
Artur Virgílio, Heráclito Fortes, Tasso Jereissati, Raul Jungmann, Marcelo Itagiba, Antero Paes de Barros, César Maia, Gustavo Fruet, Marco Maciel, José Carlos Aleluia, Heloísa Helena, Mão Santa e Rita Camata.
E tem gente que ainda acha que o povo não sabe votar!