Sergio Fischer, poeta

por Jorge Furtado
em 22 de janeiro de 2011

Coisa triste é ver uma livraria fechando. A Da Conde, no Leblon, fecha suas portas no final de janeiro, mais uma vítima da irrefreável expansão do universo digital e das megastores, que vendem livros entre utensílios para o lar. A Da Conde era uma bela livraria, com ótima sessão de livros de arte, filosofia, teatro, e um andar só de filmes bons e raridades. A Da Conde tinha o produto mais valioso do mercado: boa editoria. Num mundo onde todos os livros, filmes e discos estão ao alcance de um toque, é fundamental que alguém nos indique caminhos, sugira o que ler, ver ou ouvir, com critérios. Todos os filmes e filme nenhum são quase o mesmo. Ter um hd com 10 mil músicas não significa nada, é preciso ouvi-las, uma por uma. Começando por qual?

As livrarias e os livros vão sobreviver. A Argumento, no mesmo Leblon, segue firme e forte, é falso o boato que circula na rede sobre seu fechamento. A Travessa, também no Rio, mostra boa saúde, assim como a Cultura e a Palavraria em Porto Alegre, a Livraria da Vila, em São Paulo e tantas outras bravas cidadelas da resistência contra a barbárie. Vida longa às livrarias! Por mais que a leitura de fragmentos de livros num computador e a busca por palavras de referência num texto digital sejam um grande avanço, até que alguém tenha lido “Grande Sertão: Veredas” num ipad não me venham falar do fim dos livros.

Ótimos livros, na delicada eternidade do papel, continuam a surgir a toda hora, ainda bem. O último que li foi “Puro enquanto”, obra reunida de Sérgio Fischer, editado pela L&PM e organizado por seu irmão, Luis Augusto Fischer. O Sérgio, ou “Prego”, como era conhecido por seus muitos amigos e incontáveis alunos, faleceu em 2007, aos 43 anos. O livro é uma reunião de contos, crônicas, poemas e artigos escritos por ele, e de depoimentos de amigos, parentes, colegas, alunos. Pela qualidade da amostra que o livro traz do seu talento, sensibilidade, humor e carinho pela raça humana, dá para se ter uma idéia do que perdemos com sua morte prematura.

Tive alguns poucos encontros com ele, um deles falando aos seus alunos sobre uma paixão comum, os romances policiais. Fiquei sabendo, pelo livro, que tínhamos outra, os sonetos. Sergio Fischer era sonetista militante, e dos melhores. Corra para a livraria mais próxima e descubra por você mesmo o que é capaz de fazer, com as palavras, quem lhes trata com carinho. Aqui vai um tira gosto.

xxx

(sem título, 2002. Tema: erotismo)
Por Sergio Fischer

Sabe a noite que era pra ser perfeita?
Começou com vinho - cruzadas taças -,
Fiz elogios; te deixei sem graça;
Fui te abraçando, como quem se ajeita.

Fui avançando - a proposta aceita -,
Toquei tua pele, que se move! É falsa?!
“Por que te enfiaste esta meia-calça
De trás pra frente, a costura desfeita?”

“Segunda pele! Neném, tá friozinho!”
Te ouvi dizer palavras exatas;
E então brochei - as mulheres são tolas!

Voltei pra casa, solteiro, sozinho,
Mas orgulhoso, mantendo intactas,
Por baixo da calça, as minhas ceroulas!

xxx

Mais sobre o livro de Sergio Fischer:

Para se despedir da Da Conde: