por Jorge Furtado
em 19 de março de 2011
Meu post anterior provocou um enxurrada de mensagens no twitter e o número de entradas travou o blog, a ponto de eu não conseguir acessá-lo ontem, para fazer qualquer comentário ou esclarecimento. O número de mensagens de apoio e de crítica ao meu texto foi equivalente, respondo às críticas mais frequentes.
- Muitos reclamam que chamei os críticos ao projeto de ignorantes, peço desculpas ao que se sentiram ofendidos. Eu mencionei a ignorância que motivava muitas críticas - ignorância sobre o projeto e sobre os mecanismos da lei. (Eu deveria ter escrito “desconhecimento”, sinônimo menos agressivo.)
- Muitos alegam que o valor é alto demais para um blog, alegam que fazem blogs de graça e sem qualquer patrocínio, aliás, como eu. Lembro que o custo de um projeto - filme, peça, exposição, blog, site, disco - varia muito, depende do projeto. Não posso afirmar que um projeto é caro ou barato sem conhecê-lo.
- Muitos reclamam de minha comparação do custo do projeto com os valores que a corrupção suga no erário público, como se eu tivesse afirmado que “já que todos roubam”, este dinheiro não faz nenhuma diferença. Um erro não justifica o outro, é claro. Minha comparação com os valores da corrupção serve apenas de parâmetro monetário: se é possível surrupiar 380 milhões das verbas de informática do Distrito Federal, sinal que existe dinheiro disponível para atividades mais nobres. Cultura, por exemplo. Outros reclamam que só citei casos de corrupção em governos demo-tucanos, esquecendo de citar maracutaias de governos petistas (o suposto “mensalão” e os supostos desvios do “caso Erenice” foram os mais citados, fica aqui o registro).
- Muitos dizem que eu defendo o blog porque ele é legal, está de acordo com a lei, mas que a lei Rouanet seria imoral. Não defendi o blog porque ele está dentro da lei, embora esteja. Nem mesmo defendi a lei, ao contrário, afirmei que, com ela, o estado se isenta de definir políticas culturais (o que alguns chamariam de “dirigismo”), transfere às empresas o poder de definir qual produto cultural será realizado e coloca os artistas e produtores na condição de pedintes. Confesso minha ignorância a respeito dos detalhes da lei Rouanet (cinema usa outra lei, do audiovisual, embora muitas mensagens no twitter me acusem de ter “enriquecido” com a lei Rouanet) e não tenho opinião formada sobre suas necessidades de reformulação. Sei é que as centenas de mensagens e manchetes que acham que Bethânia “tem que devolver o dinheiro” são uma sandice. Ela ou a produtora do blog não receberam dinheiro algum, receberam apenas a autorização para buscá-lo, na iniciativa privada.
- Alguns dizem que eu afirmei que o dinheiro que, talvez, um dia, será investido na produção do blog, não seria dinheiro público. Não disse isso, leia o texto. Dinheiro de isenção fiscal é dinheiro público, dinheiro que deixa de ser arrecadado em impostos. O fato é que, caso o blog não venha a existir ou não consiga captar todo o dinheiro que busca, nada garante que este dinheiro vá para a cultura. A lei depende de projetos de interesse das empresas em patrociná-los. Os tantos que dizem “eu também quero!” deveriam apresentar projetos com capacidade de sensibilizar empresas patrocinadoras.
- Alguns paulistas se sentiram ofendidos, alegando que eu afirmei que todos os críticos ao blog vinham da direita paulista. Não é verdade, não foi o que eu escrevi, leia o texto. O que disse foi que “nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas [isto é, as piadas racistas contra os baianos] vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista”. Me referia claramente, portanto, a quase todas as críticas aos baianos, não a todas as críticas ao blog da Bethânia. Eu certamente exagerei ao atribuir aos eleitores de Serra a maioria das críticas ao projeto, muitas são de governistas.
- Muitos dizem que as leis de isenção fiscal para empresas que investem em cultura são um absurdo, que o mercado deve se auto-regular, o que acabaria com qualquer produção alternativa ou de caráter eminentemente cultural, deixando o caminho livre para os blockbusters, a auto-ajuda, os porno-soft, o misticismo e outras picaretagens. Outros dizem que o governo deve arrecadar todos os impostos, sem isenções, e destinar as verbas diretamente aos projetos, o que talvez terminasse com o mercado para a cultura. São escolhas que a sociedade brasileira tem que fazer. Cabe aos artistas e produtores culturais - caso de Maria Bethânia e produtores do blog - cumprirem as leis vigentes e não fazê-las. Quem tem que mudar a lei, se ela precisa ser mudada, é o Congresso Nacional.
- O que eu não aceito, de maneira alguma, é o achincalhe da turba de palpiteiros sobre o trabalho ou o talento de uma artista como a Maria Bethânia ou de intelectuais como o Hermano Vianna. Os covardes que, no anonimato, repetem mensagens que nem leram sobre projetos que desconhecem são o que a internet trouxe de pior. O melhor a fazer é ignorá-los. Infelizmente, nem sempre é possível.
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Atualizado em 19.03.11:
Na hipótese de ser verdadeira a informação divulgada hoje de que o cachê da Bethânia para trabalhar no blog seria de quase metade do orçamento do projeto, me parece ter havido um erro de avaliação do Minc em aprová-lo nesses termos. Não acredito em quase nada que sai nos jornais e espero esclarecimentos dos produtores sobre o assunto. Só que não consigo ficar quieto ao ler o Lobão chamar Bethânia de “cadáver insepulto” e fazer piada sobre baianos. Não consigo achar graça em gente de talento escasso que vive de polêmicas e de sua falta de senso do ridículo.
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Sobre o assunto, ótimo texto de Newton Cannito:
Maria Bethania e “os consagrados pelo oligopólio”
http://www.doutorcaneta.blogspot.com/
Até ontem eu estava achando um absurdo essa perseguição ao projeto do blog da Bethania. Pois o projeto é maravilhoso e urgente. Acho fantástico ter poesias lidas pela Bethania na internet. Parabéns a quem teve a ideia e aos proponentes.
Também não tem nada de absurdo um blog custar 1,3 milhão. Depende do blog, obviamente. Mas esse tinha mais de 300 vídeos e imagino que outras estratégias on-line. Acho maravilhoso e importante que os criadores de conteúdos de internet também sejam bem renumerados. Dizer que internet é feita gratuitamente ou a baixo custo só interessa a quem não faz internet. Renumerar bem quem faz internet é parte importante de uma política de democratização cultural e de democratização econômica.
Mas hoje eu li sobre o cache da Bethania: 600 mil (50 mil por mês). Pessoalmente, me pareceu um salario alto demais para a Lei Rouanet no formato atual. Ainda mais sabendo que esse valor é quase metade do orçamento. Em termos estritamente técnicos, falando de análise de projetos, é estranho uma só pessoa ganhar mais que toda a equipe junta. É uma critica pertinente. Mas é apenas uma crítica pontual. Foi -na minha opinião - uma avaliação equivocada da Comissão que avalia projetos. Uma comissão que - vale destacar - não é Estatal, é pública (pois tem representantes de toda a sociedade). Acredito que isso deve ser revisto.
Mas não quero aqui discutir erros pontuais. Acho mais interessante perceber como esse debate revelou questões mais amplas do mercado cultural brasileiro como a concentração da mídia (e de mercado) e o consequente “rancor de classe”. Além disso, esse debate permite que debatamos uma questão importantíssima: a relação entre democracia e meritocracia.
Para que o debate avance tranquilamente vale dizer que a única coisa que estamos discutindo aqui é o “INTERESSE PÚBLICO” em pagar uma alta “renumeração” a artista principal de um projeto. Só isso. Não vamos misturar com preconceitos e rancores. Não acho que faça sentido criticar o artista como indivíduo, nem a produtora proponente. Eles pedem o que acharem que é justo, desde que esteja na lei. É função da comissão pública do Ministério dizer se o pedido atende ao interesse público. O fato é que a Lei atual permite esse alto salário. O projeto foi aprovado, então a produtora e os artistas não fizeram nada de errado. Vamos parar de personalizar, pois isso parece rancor de classe. Esse rancor é um sintoma de algo mais generalizado que é uma perseguição aos artistas consagrados. O fato - gostemos ou não - é que a Bethania ganha super bem mesmo. Vamos conviver com isso e seguir com o debate.
O que estamos realmente discutindo é algo mais interessante: a lei que paga salários com dinheiro público deve permitir altos salários?
Não é uma questão tão simples quanto parece. Se simplesmente impedirmos altos salários teremos dificuldade em aprovar qualquer projeto com artistas consagrados, que no mercado ganham valores muito altos. Alguém pode dizer: “Bethania, quer ganhar bem? Então que vá ao mercado!” . Ok.. Mas o fato é que “no mercado” a Bethania não poderia fazer poesia. Faria apenas o que já faz. Não inovaria nos conteúdos. Será que não interessa ao estado brasileiro ter projetos que ele apoia conduzidos pela Maria Bethania? Eu acho que interessa. Ainda na linha de personalização alguém poderia afirmar: “Ela já é rica, que faça as poesias de graça”. Seria o lado Ong da Bethania, uma doação dela ao seu povo. Não concordo com essa lógica assistencialista, pois acredito que ela condena os bons conteúdos a serem feitos sem renumeração. Ou seja, os bons conteúdos ficarão para sempre meio amadores. Profissional mesmo é o “mercado”, que faz sempre o mesmo. A inovação é assistencialismo. Isso só interessa a quem não quer fazer bons conteúdos e já faz a mesma coisa. Eu acho fantástico que a Politica Cultural incentive conteúdos de qualidade e dispute com o mercado para que grandes artistas façam conteúdos de qualidade. Por isso acho que devemos começar a pensar mecanismos diferenciados (e dentro dos valores de uma ética pública) que incentivem grandes artistas a fazer projetos de alta qualidade artística.
Por outro lado acho que esse debate mostrou algo que julgo saudável: as pessoas começaram a ficar bravas com os altos salários dos artistas consagrados. Finalmente. Vale lembrar que esses altos salários não são de hoje. Devido ao nosso modelo de televisão centralizado e com audiência muito concentrada, há poucos escolhidos que são consagrados. Eles ganham salários milionários. Todos os outros ficam na pindaíba. Isso é algo que existe há décadas. Acho saudável que todos nós - que não somos “consagrados pelo oligopólio” - comecemos a perceber esse absurdo. Mas não adianta criticar o artista individualmente. Nem o Ministério da Cultura por um erro pontual. Vamos perceber o que esta realmente por trás disso tudo.
Acho que o que estamos criticando mesmo é o oligopólio da indústria cultural brasileira. Somos o país com mais concentração de audiência. Isso gerou uma pequena casta de escolhidos que ganham milhares de vezes mais que os outros. Isso é algo estranho numa democracia. Temos que batalhar pela democratização da mídia, que incluirá a democratização econômica. Quer falar de altos salários? Será que não é o caso de discutirmos os contratos milionários dos artistas televisivos brasileiros? E os poucos músicos “consagrados pelo oligopólio”? Muitos (e muitos) ganham mais de 1 milhão por mês. Todo mês! Isso é normal? Não é um escândalo público? Como eu disse não critico os artistas pessoalmente. Mas falando em termos públicos: é estranho que exista tamanha concentração. Alguém pode argumentar que o dinheiro é privado, das empresas, não é dinheiro público. É verdade. Mas é função do poder público regular o mercado. E aí há um caso claro de concentração econômica que pode ser minimizado por politicas de regulação. E é sempre bom lembrar que a televisão é concessão pública. Nosso modelo de concessão escolhe poucos canais, poucos detentores privados, que escolhem quem são os BILIONÁRIOS. Se democratizássemos os canais (com a tv digital isso é possível) democratizaríamos a renumeração de artistas e as rendas seriam mais próximas. Não existiria rancor de classe e nem existiria o “caso Bethania”.
Mas temos que tomar um último cuidado com isso: a democracia não pode se opor a meritocracia. Nos últimos anos avançamos muito em políticas de democratização. Mas não avançamos em politicas meritocráticas. A democratização permitiu que milhares de realizadores mostrassem sua face e começassem a realizar suas obras. Mas eles não conseguem se sedimentar no mercado, ficam sempre dependentes do poder público. O mercado continua fechado para eles (e daí surge o rancor anti Bethania). O que esta acontecendo é um certo apartheid: os consagrados ficam com o mercado, todos os outros “não consagrados” estão querendo monopolizar as “verbas públicas”. Sempre que um artista consagrado quer apoio público os “não consagrados” ficam furiosos pois consideram que o Estado é o mercadinho deles. Temos que romper essa falsa dicotomia.
Para isso é preciso conciliar democratização com meritocracia. Acho que temos que discutir claramente que “artistas já consagrados” devem ter políticas específicas para eles. Vou falar da área de cinema, que eu acompanho mais. Acho surreal que cineastas já consagrados estejam hoje sofrendo imensas dificuldades de captação. Eles poderiam ter apoio “automático” para a realização. Não automático para a eternidade, é claro. Se eles errarem muitos filmes em seguida , quem sabe, podem perder esse apoio. Mas até hoje eles já acertaram vários filmes. Tem boas chances de acertar os próximos. É interesse público que eles façam mais filmes e façam rápido. É interesse do PÚBLICO mesmo, do público espectador, que já provou que gosta de seus filmes e que tem o “direito” de ver novos filmes deles na tela. Perseguir eles em nome da democratização é fazer uma “democratização corporativa” (uma expressão em si contraditória), que é criada apenas do ponto de vista de quem esta na “área”, de quem “faz cinema”, esquecendo do verdadeiro interesse público, que é o interesse da pessoa que consome cultura.
Por outro lado a meritocracia também interessa aos jovens talentos. Mas “não a todos” os jovens talentos. A democracia meritocrática interessa apenas aos artistas mais talentosos. Quando começarmos a fazer políticas meritocráticas os jovens que acertarem em seus primeiros curtas terão mais facilidade para produzir seus longas. Os que erraram em seus curtas, terão mais dificuldades. Isso parece obvio, mas não esta acontecendo com clareza. Devido a imensa pluralidade de comissões com critérios diferenciados e com jurados que são escolhidos a partir de indicações da própria classe estamos ficando reféns de uma lógica corporativa, aonde a decisão sobre qual filme vai ser apoiado é tomada a partir do gosto (e até mesmo dos contatos pessoais) desses membros da comissão. Politizamos demais a politica cultural, a escolha artística virou resultado de uma politiquinha corporativa. Isso é uma confusão entre democracia e corporativismo. Isso não interessa a ninguém, muito menos ao PÚBLICO espectador.
Mas voltando a música. Lá o caso é diferente, pois existe mercado real. No cinema estão todos presos na lógica de dependência do estado (é como se Bethania precisasse de apoio estatal para gravar seu cd). O interessante é que esse caso “Bethania” revelou várias coisas, pois chocou a “música de mercado real” com os “mecanismos de apoio público”. E esse choque ajudou a revelar algumas contradições do mercado cultural brasileiro.
Para concluir apenas reenfatizo o que já disse: acho que temos que aproveitar esse caso para discutir questões mais de fundo, como o oligopólio da mídia brasileira que resulta em imensa concentração econômica; a necessária harmonização entre democracia e meritocracia, e a necessidade de pensarmos politicas culturais públicas específicas para artistas consagrados.
Newton Cannito é cineasta e escritor. Foi Secretario do Audiovisual do Ministerio da Cultura.
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Texto de Hermano Viana sobre o blog da Bethânia:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/hermano-vianna-explica-bethania
RIO - Procure por Fernando Pessoa ou Guimarães Rosa no YouTube. Na lista de resultados mais assistidos, há sempre um ou vários vídeos de Maria Bethânia. No link bit.ly/mqUTr, com 130 mil exibições, é possível ouvir Maria Bethânia falando o “Poema do Menino Jesus” de Fernando Pessoa. Em bit.ly/16TemI, com 65 mil views, Bethânia lê trechos de Clarice Lispector. Não há informações sobre origem do vídeo. Isso é comum: todas essas imagens foram publicadas sem autorização, por leitores apaixonados que picotaram trechos de shows de Bethânia, pois muitas vezes são as raras gravações audiovisuais de leituras das obras desses escritores. Os clipes disponíveis têm pouca qualidade em termos técnicos - estão ali para suprir uma carência enorme de literatura de língua portuguesa na internet. E podem a qualquer momento desaparecer, pois violam várias cláusulas de leis de direitos autorais.
Foi pensando nisso, e querendo que a poesia e a prosa da nossa língua tenham melhor presença no ciberespaço, que tomei coragem de propor para Maria Bethânia uma ideia que pensava ser de utilidade pública. Minha explicação tinha as seguintes palavras: “Imagine uma folhinha, calendário do ano, que muitas vezes é acompanhada por pensamentos inspiradores ou rezas especiais para cada dia. Com uma diferença importante: o calendário poético de “O mundo precisa de poesia” terá sua base em blog, e se espalhará “viralmente” por toda a internet. Postaremos os mesmos vídeos no YouTube. Teremos comunidades no Orkut, no Facebook. Acompanharemos tudo via Twitter. Todo santo dia um post. Cada post com um vídeo de um poema (ou trecho de poema) que tenha alguma relação com aquele dia, ou como se fosse um mantra diário torcendo para que a vida possa sempre melhorar.
Bethânia me procurou em busca de outro projeto, que espero que concretize um dia: levar seus espetáculos para as periferias do Brasil. Eu sugeri a ideia da invasão da internet com poesia, pensando que assim atingiríamos, também de graça, mais pessoas, tanto da periferia quanto do centro. Quando pensei no título do projeto - “O mundo precisa de poesia” - aquilo era crença vital: acredito nos poderes da criação poética para transformar o mundo, acredito na beleza da língua portuguesa (tão escondidinha no mundo). E tenho certeza de que Maria Bethânia é a pessoa que melhor diz nossa poesia, já tendo levado tantas pessoas que assistem a seus shows a se apaixonarem por nossos autores. Mesmo em Portugal ela teve papel central na popularização da poesia de Fernando Pessoa, fato reconhecido quando recebeu a comenda da Ordem do Desassossego.
Dei sorte. Bethânia tinha acabado de fazer uma leitura da obra de vários poetas na UFMG, e via com enorme alegria a utilização que seus DVDs estavam tendo em escolas públicas. Ela acolheu com entusiasmo minhas mais ousadas sugestões. O blog seria apenas a base para espalhar o conteúdo por todos os cantos da rede, e mesmo fora da rede (há interesse de canais de TV na exibição desses vídeos; uma editora quer a partir da internet testar a publicação de livros sob demanda, com cada leitor escolhendo sua própria seleção de poemas). E também pretendia virar uma pequena enciclopédia de poesia, cada post com informações sobre o poeta, gerando comunidade de conversas sobre a criação poética.
Está no projeto: “O áudio dos vídeos ficará disponível para ser baixado. O blog convidará músicos e DJs a produzirem conteúdo a partir desse material. Os melhores remixes (com vídeos e sons originais) serão publicados em seções específicas do blog. Videoartistas e animadores poderão ser convidados para transformar o poema do dia em base para novas obras. Uma ou duas vezes por mês, atores e outras pessoas poderão ser chamados para recitar alguns poemas.” Também queremos criar novas ferramentas para as pessoas enviarem os vídeos umas para as outras, através de celulares. Cheguei a pesquisar a possibilidade de torpedos avisando para assinantes o momento da publicação de vídeos de seus poetas preferidos, mas mesmo só isso logo revelou custos proibitivos de transmissão de dados. Estamos ainda quebrando a cabeça para saber como resolver essas questões técnicas.
Todas as pessoas com quem falei sobre o projeto ficaram encantadas. Algumas me disseram que era o projeto mais bonito de que tinham ouvido falar na vida. Com suas ajudas, bati na porta de várias empresas. Todas adoravam o projeto, ninguém se comprometeu com o patrocínio. Há custos altos sim, e justificados: é trabalho diário de um ano, com 365 vídeos de alta qualidade a produzir, negociações de direitos autorais, contratação de gente para escrever sobre cada poeta, DJs etc. Nada é simples, ou fácil.
Conseguimos, depois da espera de muitos meses, a aprovação para captação via Lei Rouanet. Fui pego de surpresa com a reação contrária que a notícia dessa aprovação gerou na internet, feita na sua maioria por gente que não conhece o projeto nem entende o que é a Lei Rouanet (na verdade, o que as pessoas estão colocando em questão é a Lei, não o projeto). Algumas pessoas, irresponsáveis, ajudaram muito a criar confusão, induzindo as pessoas a acreditarem que o MinC nos deu esse dinheiro. Não temos dinheiro nenhum. Provavelmente vai ser bem mais difícil encontrar patrocínio depois dessa histeria. Mas não me amarra dinheiro não. Nada disso irá me convencer de que o mundo não precisa de poesia. Agora é que penso que precisa mesmo.
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Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, 19.03.11
Blog e macarthismo
SÃO PAULO - Criou-se um escarcéu em torno do blog de poesia de Maria Bethânia. Pessoas reagem com fúria indignada ao fato de que a cantora foi autorizada a captar R$ 1,35 milhão pela Lei Rouanet -segundo a qual as empresas abatem do imposto que pagam a parcela do seu “patrocínio” à cultura.
Parece, pelo menos à primeira vista, sem conhecimento detalhado do projeto, um valor bem elevado para um blog. Mesmo considerando que os personagens envolvidos sejam Bethânia e o diretor Andrucha Waddington. Até aí eu vou.
Não dá, porém, para embarcar na escandalização barata do episódio, ainda acompanhada pelo prazer grupal de promover o linchamento da artista. Ninguém desviou dinheiro público, não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia.
Favorecimento? A lei existe e uma das maiores intérpretes do país busca se beneficiar dela. Não estamos falando de uma espertalhona, de uma charlatã ou de uma mercadista vulgar, mas de alguém, pelo contrário, cuja figura sempre esteve associada a uma atitude de recato e nobreza de espírito.
Devemos discutir os critérios e problemas da Lei Rouanet? Sim, mas não dessa forma, sensacionalista e hipócrita. A própria ministra, Ana de Hollanda, disse numa entrevista recente: “As pessoas vivem muito de produzir eventos pela Lei Rouanet. A lei foi criando certos vícios, não só no mundo artístico, mas também no das empresas”.
A reação ao blog de Bethânia, nos termos em que se deu, é, no fundo, só mais um capítulo de um certo macarthismo chulé que vem ganhando expressão no país. A caça às bruxas é capitaneada por uma direita cultural hoje bem estruturada na mídia, quase sempre maledicente e escandalosa.
As baixezas contra Chico Buarque em função do Jabuti são o caso recente mais emblemático do modo de agir dessa tropa do ressentimento fantasiada de exército da salvação da moral e dos bons costumes.
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Atualizado em 20.03.11:
Editorial da Folha de S. Paulo, domingo, 20 de março de 2011
Não precisa
Como é costume nas polêmicas pela internet, ataques de cunho pessoal foram desfechados contra a cantora Maria Bethânia, após a aprovação, com base na Lei Rouanet, do seu projeto para criar um blog com declamações de poesia.
Ao custo de R$ 1,3 milhão, a estrela da MPB participaria de videos diários de 60 segundos. Eles seriam dirigidos pelo cineasta Andrucha Waddington e veiculados pela rede de computadores.
O episódio traz à tona problemas que seria mais correto abordar de modo amplo. Dizem respeito -e não é a primeira vez que isso acontece- ao modo com que se aplicam os mecanismos de incentivo à cultura no país.
Oficialmente, o Ministério da Cultura não destinou a quantia (por certo exagerada) de R$ 1,3 milhão para o blog de Bethânia. Apenas autorizou que os idealizadores do projeto captassem, junto à iniciativa privada, tal montante.
O argumento, que os meios oficiais repetem em prosa e verso, é todavia enganador. O investidor privado consegue ampla isenção fiscal quando aplica dinheiro pela Lei Rouanet. Segundo declarou em 2009, numa sabatina à Folha, o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, “nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal”.
É o próprio contribuinte, portanto, quem termina pagando pelos projetos patrocinados -os quais, por sua vez, facilmente revertem em prestígio e propaganda para quem os financiou. Diminuir o teto das isenções seria, assim, um aperfeiçoamento bem-vindo na Lei Rouanet -que tem, sobre o investimento direto do governo na cultura, a vantagem de evitar o dirigismo estatal.
Os recursos do contribuinte não devem, ademais, ser utilizados no financiamento de projetos de artistas conhecidos, perfeitamente viáveis sem ajuda do Estado.
A Lei Rouanet faz sentido quando empresas se dispõem, por exemplo, a arcar com os custos de preservação do patrimônio histórico, ou com atividades formativas como a abertura de bibliotecas ou cursos de educação artística.
Nesse critério não se inclui o blog de Bethânia, intitulado “O Mundo Precisa de Poesia”. De poesia, todo mundo precisa. Da Lei Rouanet, nem todo mundo - nem tanto assim.
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Meus comentários:
100% de renúncia fiscal junto com a exposição da marca é, a meu ver, um erro da lei.
Diferenciar, por lei, “artistas conhecidos” de artistas “desconhecidos” me parece, além de infactível, injusto.
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Atualizado em 21.03.11:
Coluna do Ricardo Noblat, no Globo de hoje
Ó paí, ó!
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/03/21/o-pai-370017.asp
Maria Bethânia criará um blog para disseminar poesia de boa qualidade? Ótimo!
O blog custará pouco mais de R$ 1.350 mil para se manter durante um ano? Problema dela!
Bethânia embolsará R$ 50 mil mensais para declamar um poema por dia? Sortuda!
O dinheiro será arrecadado junto a empresas que depois o abaterão do seu Imposto de Renda? Êpa!
Existe uma lei de nome Rouanet aprovada pelo Congresso no final de 1991. Ela permite às empresas aplicarem em projetos culturais até 4% do que pagariam de Imposto de Renda, e às pessoas físicas até 6%.
A maior parte da clientela da lei difunde a idéia de que é privado o dinheiro destinado a financiar projetos.
Mentira! Na verdade, o governo abdica de receber uma parcela de impostos para que a cultura floresça entre nós.
A intenção inegavelmente é boa. No mais quase tudo é ruim.
Onde já se viu dinheiro público escapar ao controle do governo? Aqui é o que ocorre na prática.
Uma vez autorizada a arrecadação de recursos, dispensadas maiores justificativas, o negócio passa a ser tratado entre artistas, produtores e suas eventuais fontes de financiamento.
Com frequência o processo é nebuloso. O governo limita-se a receber depois a prestação de contas.
Está para existir no mundo civilizado um modelo sequer parecido com esse.
Transparência? Esqueça!
Não pense que é pouco o dinheiro envolvido em transações por vezes tenebrosas. Em 2003 foram R$ 300 milhões. Seis anos depois, R$ 1 bilhão.
Cerca de 80% do orçamento do Ministério da Cultura para este ano derivam de impostos que o governo deixará de recolher. O que sobra é uma titica num país onde menos de 6% das pessoas entraram alguma vez num museu, 13% vão ao cinema uma única vez por mês, só 17% compram livros (menos de dois livros per capita ano) e mais de 90% dos municípios não têm salas de cinema nem teatros.
A Cultura é tratada pelos governos - todos eles - como mercadoria de terceira.
A Polícia Federal produziu no ano passado um relatório sigiloso sobre projetos tocados adiante com base na Lei Rouanet. Pelo menos 30% do dinheiro que empresas dizem ter investido em projetos foram devolvidos para elas por debaixo do pano.
Devolvidos por quem? Pelos arrecadadores com a cumplicidade de artistas. Isso é corrupção.
Autoridades e artistas enchem a boca quando falam sobre uma política nacional de cultura.
Sinto muito, mas não há política - primeiro porque falta dinheiro para outras coisas, segundo porque uma política nacional de cultura teria que ser definida pelo governo depois de amplas consultas à sociedade.
Contudo, por obra e graça dos mecanismos e da ausência de critérios da Lei Rouanet, são os departamentos de marketing das empresas que definem a “política nacional de cultura”. Os responsáveis por tais departamentos escolhem os projetos a serem contemplados com um dinheiro que é do governo. E quem mais lucra?
As empresas, que associam sua imagem à imagem de artistas famosos, quase sempre os mesmos. Os intermediários entre as empresas e os artistas. E os artistas que forram seus bolsos.
Entre pôr dinheiro numa orquestra juvenil da periferia de Fortaleza ou num show de Ivete Sangalo, você imagina qual será a escolha de uma empresa?
E o dinheiro que elas economizam com publicidade?
Numa recepção, há dois anos, sem se dar conta da presença de Milú Villela, uma das donas do Banco Itaú, o então presidente Lula comentou numa roda de amigos: “O Itaú faz a maior propaganda dele mesmo com dinheiro de renúncia fiscal”.
Milú foi embora aborrecida.
O finado Banco Santos, cujo dono, mais tarde, foi preso e acusado por vários crimes, patrocinou em 2009 a exposição de alguns exemplares do notável exército de terracota desencavado na China. Para celebrar a proeza, publicou páginas e mais páginas de anúncios em revistas e jornais exaltando a contribuição da iniciativa privada à cultura nacional. Tudo pago via Lei Rouanet.
Apenas 3% dos que apresentam projetos ao Ministério da Cultura ficam com mais da metade do dinheiro atraído pela lei. Repito: apenas 3%.
Mais da metade do dinheiro banca projetos nascidos no eixo Rio-São Paulo, e somente ali. Fora do eixo, deu a entender certa vez o produtor paulista Paulo Pélico, “o resto é bumba-meu-boi”.
A presidente Dilma Rousseff está disposta a acabar com a farra feita com o nosso dinheirinho.
A Lei Rouanet dará lugar a outra que já tramita no Congresso. Ela estimulará as empresas a criarem fundos com parte dos seus lucros para investimentos na cultura.
Anotem desde agora: será ensurdecedora a chiadeira dos viciados em dinheiro público.
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CASO BETHÂNIA NÃO PODE TRAVAR REVISÃO DA ROUANET
Ana Paula Sousa
Folha de S. Paulo, 21/03/2011 - 10h21
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/891670-caso-bethania-nao-pode-travar-revisao-da-rouanet.shtml
“Dinheiro público sendo usado sem critérios é porta aberta para a malandragem.” Foi com essa frase que, há dois anos, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira (2008-2010) enfrentou alguns dos embates em torno da reforma da Lei Rouanet.
Ele reiterou essa tese porque, no primeiro mandato de Lula, parte da sociedade civil fugiu da palavra “critérios” como o diabo foge da cruz.
Quando, ao assumir o Ministério da Cultura, em 2003, Gilberto Gil passou a defender “critérios públicos” para a concessão de incentivos fiscais, não foram poucos os que começaram a enxergar, na nova proposta, ameaças de “dirigismo cultural”.
Não custa refrescar a memória antes de julgar o caso Maria Bethânia, que obteve autorização para captar R$ 1,3 milhão para produzir um blog com vídeos.
O que Bethânia está fazendo é legal. É moral? Essa resposta é tão intrincada quanto o sistema de financiamento à cultura no Brasil.
LEI EMERGENCIAL
Nossa primeira lei de incentivo à cultura foi a Lei Sarney (1986), que, apesar de levar o nome do presidente do Senado, foi engendrada por Celso Furtado (1920-2004). Teve vida brevíssima. A denúncia de fraudes fez com que o presidente Fernando Collor acabasse com ela.
Foi para salvar a produção nacional da inanição que o doutor em ciência política Sérgio Paulo Rouanet criou a lei atual. Era isso ou o vazio.
O mecanismo, responsável pela renúncia de cerca de R$ 800 milhões em 2010, pode ser usado por pessoas físicas e por empresas que tributem pelo lucro real.
O Estado, ao instituir a renúncia, abre mão de até 4% do total de impostos que a empresa tem a pagar. E se abre mão do dinheiro é porque considera que esses recursos podem ter uma função pública. Ou seja, trata-se, sim, de dinheiro público.
A ideia era “incentivar” os empresários a investir na cultura –mas não só com o dinheiro da viúva, com dinheiro deles também.
UNILATERAL
Acontece que, ao permitir que certos projetos sejam contemplados com 100% de abatimento, ou seja, não é preciso complementar o apoio com recursos próprios, a parceria entre público e privado nunca efetivou-se.
Mas, apesar de ser bom negócio, só cerca de 5% dos empresários brasileiros usam a Lei Rouanet. E dos 10 mil projetos apresentados anualmente ao ministério, só 20% conseguem patrocinador.
O de Bethânia é um desses fortes candidatos a conseguir o dinheiro. Parte da indignação que seu projeto causou vem daí: ela, artista estabelecida, precisa de ajuda do Estado? E seu blog não está tirando o lugar de outros projetos na fila do patrocínio?
Ambas as perguntas já foram feitas durante o projeto de reforma da lei. E a nova Lei Rouanet prevê duas coisas.
Primeiro: uma empresa até pode usar renúncia para apoiar o blog de Bethânia, mas terá de complementar o orçamento com dinheiro próprio. Segundo: projetos que não interessam ao marketing das empresas devem recorrer ao Fundo Nacional de Cultura, que prevê repasse direto de recursos públicos.
Esse projeto está no Congresso. Neste momento, mais do que apontar o dedo para Bethânia e para um projeto cujo orçamento pode escapar à compreensão dos leigos, talvez fosse a hora de cobrar do governo que o projeto de reforma seja levado adiante. Quem critica esse caso específico vê a árvore, mas não vê a floresta.
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Aqui, Bethânia recita “Poema do Menino Jesus”, de Fernando Pessoa:
https://youtu.be/sTwcoBvA3nU