por Jorge Furtado
em 09 de abril de 2011
Recebi, por e-mail, um texto publicado esta semana em O Globo, tão elogioso e simpático ao ECAD que não sei se é uma notícia ou um anúncio publicitário. O ECAD, para quem não sabe, é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, entidade privada que, sem fiscalização efetiva da sociedade, arrecada milhões de reais todos os anos nas bilheterias dos cinemas brasileiros, dinheiro saído, como sempre, do bolso do consumidor e dos empresários, donos das salas.
O panegírico de O Globo ao ECAD informa que “a classe artística está rindo para as paredes”, graças ao recordes de distribuição (e, é claro, de arrecadação): “Alguns segmentos apresentaram significativo aumento nos valores distribuídos, entre eles: cinema (96%), carnaval (24,3%), festa junina (18,7%) e música ao vivo (11,63%). As últimas decisões do Judiciário, em favor do Ecad, referentes à execução pública de obras musicais nos cinemas, justificam o expressivo aumento nos valores distribuídos neste segmento”.
Faltou o repórter (ou publicitário) explicar como os milhões (pelos meus cálculos, mais de 30) arrecadados pelo ECAD nas bilheterias dos cinemas brasileiros no ano passado chegaram ao seu destino hipotético: o bolso dos músicos autores das trilhas dos filmes em cartaz.
(Este absurdo acontece, para quem ainda não sabe, graças a uma lei imoral vigente no país, que destina 2,5% do bruto das bilheterias ao ECAD que, mesmo que quisesse, não teria como entregar o dinheiro aos músicos, já que não tem a mínima idéia de quem sejam, se é que o filme tem alguma música.)
Por falar nisso, vá ver “Cópia Fiel”, grande filme de Abbas Kiarostami, brilhante interpretação de Juliette Binoche. Ela não está ganhando nada pela exibição do filme nos cinemas brasileiros, já que a lei diz que atores não seriam “autores” do filme (nem o montador, nem o fotógrafo, nem o figurinista), mas os músicos sim. E é por isso que o ECAD fica com 2,5% do bruto do ingresso, para entregar aos músicos, autores da trilha do filme “Cópia Fiel”. Músicos que não existem, já que o filme não tem trilha alguma.
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Segue a matéria (ou anúncio publicitário) em O Globo, onde você descobrirá que há gente rindo para as paredes.
COM SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS, ECAD BATE RECORDE NOS VALORES DISTRIBUÍDOS AOS ARTISTAS
O Globo, 06/04/2011
RIO - A classe artística está rindo para as paredes graças aos resultados recordes apresentados pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) para o ano de 2010. O valor distribuído no ano passado aos compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos cresceu 9% em relação a 2009, totalizando cerca de R$ 346,5 milhões e beneficiando 87.500 titulares. A música brasileira continua tendo destaque, já que, das obras musicais contempladas, 77% foram nacionais e 23% estrangeiras. Nos últimos cinco anos, os valores de direitos autorais distribuídos aos titulares de música aumentaram em 68%.
Alguns segmentos apresentaram significativo aumento nos valores distribuídos, entre eles: cinema (96%), carnaval (24,3%), festa junina (18,7%) e música ao vivo (11,63%). As últimas decisões do Judiciário, em favor do Ecad, referentes à execução pública de obras musicais nos cinemas, justificam o expressivo aumento nos valores distribuídos neste segmento.
Outro ponto chave para esse crescimento foi o investimento contínuo em soluções tecnológicas, sendo que a maioria delas foi desenvolvida pela equipe da própria instituição.
O trabalho do Ecad começa por estabelecer e manter atualizado um banco de dados de âmbito nacional e internacional, contendo 2,411 milhões de obras musicais, 862 mil fonogramas e 71 mil obras audiovisuais, envolvendo 342 mil titulares de música (compositores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras).
O escritório então monitora os locais onde são executadas essas músicas, um universo que inclui cerca de 418 mil usuários de música (rádio, TV aberta e por assinatura, promotores de shows e eventos, sonorização ambiental, música ao vivo, casas de festas, trios elétricos etc.).
Esse monitoramento inclui a identificação de cada música tocada, alimentando um registro que permitirá fazer cobrança dos direitos, arrecadar os valores pagos pelos usuários e distribuir a quantia justa aos titulares nacionais e estrangeiros. E, diferentemente da maior parte dos países do mundo, onde esse ciclo se dá semestral ou anualmente, o Ecad distribui os valores mensalmente, trimestralmente e semestralmente, de acordo com o segmento em que a música foi executada.
-- Para se ter uma ideia, o repasse de direitos autorais do show de Paul McCartney, que aconteceu em novembro do ano passado, se deu menos de 30 dias após o show, ainda no mês de dezembro de 2010 - conta Mario Sergio, gerente executivo de Distribuição do Ecad.
Mas o desafio é ainda maior. Só no universo das rádios, existem 5.626 emissoras no país, das quais apenas 2.508 (44,58%) pagam ao Ecad. A meta é aumentar ao máximo esse grupo de pagantes, fazendo todos os malabarismos técnicos imagináveis, e, ao mesmo tempo, obedecendo às limitações de custo da instituição.
(…)
O próximo passo do Ecad é expandir seu sistema atual para capturar e identificar, também automaticamente, execuções musicais públicas em TVs e em novas mídias, ou seja, em transmissões via internet.
Texto integral em:
http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=676643
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Mais sobre o assunto:
https://www.casacinepoa.com.br/blog/2011-03-14-cobran%C3%A7a-do-ecad-por-m%C3%BAsica-no-cinema-%C3%A9-uma-imoralidade-legal/
Atualizado em 27.04.11
Demorou!
Em O Globo, 26/04/2011 às 00h34m
Após denúncia de fraude, MinC admite necessidade de supervisionar o Ecad, mas evita falar em fiscalização
Catharina Wrede e Cristina Tardáguila
RIO - A fraude no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) denunciada na segunda-feira pelo Segundo Caderno do GLOBO fez com que a diretora de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura (MinC), Márcia Barbosa, admitisse a necessidade de supervisionar o órgão que recolhe e paga os direitos autorais dos músicos de todo o país.
-- Nunca tinha visto uma fraude com essa extensão - disse ela, por telefone, sobre o pagamento indevido de R$ 127,8 mil a Milton Coitinho dos Santos, um desconhecido que, ao longo de dois anos, registrou como suas diversas trilhas sonoras do cinema brasileiro. - Essa denúncia denota claramente a existência de um problema sério na estrutura do escritório de arrecadação.
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Atualizado em 30.04.11:
Mais notícias, na Folha de S. Paulo, sobre o dinheiro arrecadado pelo ECAD para, supostamente, pagar direitos aos autores das trilhas dos filmes (2,5% do bruto do ingresso dos cinemas, segundo lei imoral e absurda vigente no país):
Laranja é utilizado para desviar pagamento de direitos autorais
“Se tivesse recebido esses R$ 130 mil não estava aqui dirigindo ônibus, né?”, diz Milton Coitinho
CPF e RG foram usados para pagamento por trilhas de cinema, mas condutor afirma que não toca instrumento
GRACILIANO ROCHA
ENVIADO ESPECIAL A BAGÉ (RS)
Um homem que nunca compôs uma só canção e não toca nenhum instrumento musical consta como beneficiário de R$ 127,8 mil em direitos autorais de 24 trilhas sonoras do cinema nacional.
Encontrado pela Folha na garagem da empresa de ônibus onde trabalha, em Bagé, o motorista Milton Coitinho dos Santos, 46, demonstrou surpresa ao ser questionado se compusera as trilhas que o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) lhe atribui: “Eu? Não toco violão, viola nem essa gaita aqui [referindo-se ao acordeon usado na região]”.
O CPF e o número de identidade de Coitinho constam como destinatário dos pagamentos feitos em 2009 (R$ 33.364) e 2010 (R$ 94.453), mas seu padrão de vida é humilde: mora em uma casa modesta numa rua de terra na periferia de Bagé com a família e dirige um Gol 1996.
Trabalha há três anos na Kopereck Turismo como motorista, onde recebe salário de R$ 1.030 por oito horas diárias transportando trabalhadores de Bagé à usina termelétrica em Candiota (RS). “Se eu tivesse recebido esses R$ 130 mil não estava aqui dirigindo ônibus, né?
Alguém só pode estar usando meu nome”, afirmou. Em 2009, alguém usou os dados de Coitinho para registrá-lo na União Brasileira dos Compositores, uma das entidades que formam o Ecad, como autor das trilhas sonoras de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) e “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha. Até a trilha de “O Pagador de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte, produzido dois anos antes de o motorista nascer, foi incluída.
Um dos rastros deixados pelos fraudadores foi uma ficha de filiação do falso Coitinho à UBC. No documento, o nome, os números da cédula de identidade e do CPF coincidem com o de Coitinho.
Nada mais confere: o “compositor” diz no documento que nasceu em Porto Alegre em 1940, mas o verdadeiro Coitinho nasceu em Bagé em 1964. A foto mostra um homem de aspecto mais velho que o do motorista. A ficha da UBC e uma procuração em nome da estudante Bárbara de Mello Moreira para que ela recebesse os valores dos direitos autorais contêm assinaturas de Coitinho, mas elas não conferem com as do condutor. Coitinho disse que não conhece Bárbara Moreira e que jamais morou no exterior, como diz o registro do Ecad.
Colaborou AMANDA QUEIRÓS, de São Paulo
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Procuradora diz que “músico” vive nos EUA
Bárbara de Mello Moreira, 24, procuradora de Milton Coitinho dos Santos, diz que ele mora nos EUA, onde se apresenta em bares, e fez contato com ela pela última vez no princípio do ano.
Estudante de direito, ela afirma que só recebeu o dinheiro e o repassou a Coitinho. Disse ainda que tem documentos assinados pelo próprio a isentando de qualquer responsabilidade.
A estudante diz que foi procurada pelo músico por e-mail. Na ocasião, ele explicou ter chegado a ela por sugestão da própria UBC.
A diretora executiva da União Brasileira de Compositores, Marisa Gandelman, nega ter indicado Bárbara ao suposto músico. Gandelman diz que desde outubro, quando começou a investigar o golpe, a entidade investiga a possibilidade de um “laranja” ter usado papeis falsos.
Segundo ela, na documentação consta que Milton Coitinho é tenente-coronel da PM. Ela disse que pretende investigar se alguém na entidade ou no Ecad ajudou no golpe. O Ecad não retornou o pedido de entrevista.
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Por que os ricos odeiam a democracia?
Ótima entrevista de Bresser-Pereira a Ines Nassif, no Valor Econômico, incluindo um tema fundamental: a demonização da política.
Um trecho:
Bresser-Pereira: Nossos políticos não são tão ruins quanto dizem.
Valor: O senhor acha que tem uma demonização aí.
Bresser-Pereira: Ah, tem uma demonização.
Valor: A quem isso serve?
Bresser-Pereira: Isso é muito claro. Eu uso uma frase do Jacques Rancière, sociólogo político francês, de esquerda, sobre o ódio à democracia. A democracia sempre foi uma demanda dos pobres, dos trabalhadores, de classes médias republicanas, nunca foi dos ricos. Os ricos odeiam a democracia, embora digam que defendem. Eles sabem que a democracia não vai expropriá-los, que a ditadura da maioria não vai expropriá-los, mas eles continuam liberais e, se não têm ódio, pelo menos têm medo da democracia. E qual a melhor forma de neutralizar a democracia? São duas. Uma é fazer campanhas eleitorais muito caras. Então, financiamento público de campanha, jamais. Rico não aceita isso em hipótese alguma. A outra estratégia é desmoralizar os políticos.
Valor: A crítica também não é democrática?
Bresser-Pereira: Sim, é claro que pode criticar. A imprensa faz um grande serviço à nação criticando os políticos, e criticando os capitalistas, e criticando tudo em volta, essa é sua função. O ponto é até onde chega a crítica razoável e até onde vira uma crítica violenta, que é um desrespeito às pessoas e é uma forma de limitar o poder dos políticos, e, portanto, o poder do povo – isso é uma dialética também. Uma coisa clara é que a corrupção existe porque o capitalismo é essencialmente um sistema corrupto e os capitalistas estão permanentemente corrompendo o setor público. É fácil verificar quem são os servidores públicos mais corruptos. Quem corrompe professor universitário? Ninguém. E quem corrompe delegado de polícia? É claro que tem um monte de gente interessada em corromper delegado de polícia, fiscal da Receita. Os fiscais da Receita não são intrinsecamente mais desonestos que os professores. Fizeram concursos mais ou menos igualmente, são pessoas igualmente respeitáveis, só que uns são submetidos a processos de corrupção por parte das empresas; outros, não.
Texto integral em:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/bresser-pereira-deixa-o-psdb