Lewis Carroll, 180 anos

por Jorge Furtado
em 27 de janeiro de 2012

Charles Lutwidge Dodgson, conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll, nasceu em 27 de janeiro de 1832, em Daresbury, Inglaterra, há exatos 180 anos. Carroll foi um dos maiores gênios da história, autor de obras primas da literatura infantil. Foi também brilhante poeta, matemático e fotógrafo.

Sou co-autor, com Liziane Kugland, das traduções de Alice no país das maravilhas (editora Objetiva, 2008) e Alice através do espelho e o que ela encontrou lá (Editora Alfaguara, 2012), que chega às livrarias na semana que vem.

Em comemoração aos 180 anos de Carroll, aqui vai nossa tradução do poema de abertura de Alice através do espelho (e o que ela encontrou lá).

Criança com sonhos de céu claro
E olhar de um brilho que não gasta
Nosso tempo comum torna-se raro
E quase meia vida nos afasta
Ao futuro, teu sorriso na memória
De presente, o amor passado nessa história
 
Não tenho visto o sol dourar teu rosto
Não mais escuto teu riso de prata
Não me suponho em teu destino posto
Que o velho, para os jovens, é sucata
A mim pareceria uma vitória
Que tu, atenta, ouvisses minha história
 
Era uma vez em dias que não voltam
Nas águas de verão, um sol que brilha
As mãos ao remo o tempo marcam
A melodia que à luz serve de trilha
Da cena que não sai da minha cabeça
Embora o tempo, invejoso, ordene: esqueça
 
Escuta, antes que a voz da vida
Amarga, chame ao sono eterno
E a moça triste, sem outra saída
Feche, para sempre, este caderno
Somos crianças, loucas para brincar
Até que seja a hora de deitar
 
Lá fora, o triste inverno e neve no caminho
O vento louco em fúria se debate
Aqui dentro a infância fez seu ninho
De alegria quente e chocolate
A palavra é mágica, uma amiga
Que nas noites frias nos abriga
 
Atravessa as páginas do conto
A saudade de um dia de verão
Alguns verão que conto e aumento um ponto
Aumento, mas não invento a emoção
Que a palavra não esconda o que é memória
E ali se encontre a delícia de uma história
 
(c) tradução de Jorge Furtado e Liziane Kugland, em “Alice através do espelho (e o que ela encontrou lá)”, Editora Alfaguara, 2012.

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O original:
 
Child of the pure unclouded brow
And dreaming eyes of wonder!
Though time be fleet, and I and thou
Are half a life asunder,
Thy loving smile will surely hail
The love-gift of a fairy-tale.
 
I have not seen thy sunny face,
Nor heard thy silver laughter;
No thought of me shall find a place
In thy young life’s hereafter -
Enough that now thou wilt not fail
 
To listen to my fairy-tale.
A tale begun in other days,
When summer suns were glowing -
A simple chime, that served to time
The rhythm of our rowing -
Whose echoes live in memory yet,
 
Though envious years would say ‘forget’.
Come, hearken then, ere voice of dread,
With bitter tidings laden,
Shall summon to unwelcome bed
A melancholy maiden!
We are but older children, dear,
Who fret to find our bedtime near.
 
Without, the frost, the blinding snow,
The storm-wind’s moody madness -
Within, the firelight’s ruddy glow,
And childhood’s nest of gladness.
The magic words shall hold thee fast:
Thou shalt not heed the raving blast.
 
And though the shadow of a sigh
May tremble through the story,
For ‘happy summer days’ gone by,
And vanish’d summer glory -
It shall not touch with breath of bale
The pleasance of our fairy-tale.

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Os livros podem ser encontrados no site da Editora Objetiva, aqui:

Alice através do espelho (e o que ela encontrou lá)

Aventuras de Alice no País das Maravilhas

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Sobre as traduções de Alice:

No dia 4 de julho de 1862, durante um passeio de barco, Lewis Carroll inventou e contou as aventuras de Alice a pedido de três irmãs: Lorina, de 13 anos, Alice, de 10 anos, e Edith, de 8 anos. Alice gostou tanto que pediu a Carroll que escrevesse a história, o que ele fez durante dois anos, à mão, página por página, incluindo dezenas de ilustrações.

Texto completo aqui.

Muita gente que se depara com versões resumidas ou com traduções ruins de Alice, como é o caso da animação da Disney, experimenta uma sensação desagradável de enfrentar uma narrativa “sem pé nem cabeça”, eventos que se sucedem aleatoriamente, como num sonho, onde tudo pode acontecer, o que não tem graça nenhuma. Não tenho interesse algum em ouvir descrições de sonhos alheios e não suporto cenas de sonhos em filmes, acho que deveriam ser proibidas, como o uso da lente zoom e da grande angular. Tenho parceiros ilustres na minha aversão aos sonhos como narrativa dramática. Freud uma vez recusou-se, através de uma carta, a participar da antologia de sonhos organizada por André Breton, líder do movimento surrealista, afirmando que “uma simples coletânea de sonhos sem as associações do sonhador, sem o conhecimento das circunstâncias em que eles ocorreram, não me diz nada, e mal consigo imaginar o que possa dizer aos outros”.

Texto completo aqui.

Lewis Carroll (1832-1898), escritor, fotógrafo, matemático, é um dos maiores criadores da história da literatura e “As aventuras de Alice no país das maravilhas” (1865) e “Através do espelho e o que Alice encontrou lá” (1872) são suas obras-primas.

Sobre o filme de Tim Burton:

O megalançamento do filme de Tim Burton baseado nas obras-primas de Lewis Carroll, “Aventuras de Alice no país das maravilhas” e “Através do espelho”, é uma ótima desculpa para ler ou reler os livros - os originais ou suas muitas traduções - e descobrir porque Alice fascina o mundo, há tanto tempo. Infelizmente a ocasião também produz uma enxurrada de bobagens sobre os livros e, especialmente, sobre seu autor, o reverendo Charles Lutwidge Dogdson, vulgo Lewis Carroll.

Não sobrou quase nada da Alice de Lewis Carroll, uma menina alegre, curiosa, muito engraçada, que adora a vida, transformada por Burton numa órfã sonsa deprimida e careta. O livro de Lewis Carroll rompeu com os paradigmas das fábulas moralizantes, inventadas por adultos para apontar às crianças o caminho do bem. O filme de Burton transforma Alice numa heroína banal, armada com uma espada e incumbida de uma missão, devolver o poder do País das Maravilhas, usurpado pela rainha má e sanguinária, a uma soberana tola e natureba.

Texto completo aqui.