Linduarte Noronha

por Jorge Furtado
em 30 de janeiro de 2012

Morreu na manhã desta segunda-feira, em João Pessoa, aos 81 anos, o cineasta, crítico, professor e jornalista Linduarte Noronha, autor de uma obra decisiva para a história do cinema brasileiro, o curta-metragem “Aruanda”, de 1960.

Aruanda é um documentário que se utiliza de processos narrativos ficcionais, com personagens reais que aceitam interpretar os seus próprios papéis. O filme se passa em 1960, ano de sua realização, mas fala de acontecimentos de meados do século XIX, embaralhando cronologias e dramatizando a terrível desigualdade brasileira, cristalizada em séculos de imobilidade social: pouca ou nenhuma diferença entre os escravos foragidos dos tempos do Império e os deserdados da miséria do Brasil moderno.

Aruanda conta a história ex-escravo e madeireiro Zé Bento, que partiu com a família à procura de terra e fundou o Quilombo do Olho d’Água da Serra do Talhado, em Santana do Sabugi (PB). Brilhantemente roteirizado, encenado, fotografado e decupado, Aruanda é um valioso registro etnográfico, filme precursor de uma estética cinematográfica brasileira que iria originar o Cinema Novo.

Conheci Linduarte num Festival de Brasília, era uma figura admirável, de grande sabedoria, inteligência e humor, ótima conversa. Ele me mostrou o roteiro de “Aruanda”, um roteiro de documentário escrito e decupado em detalhes, uma lição e tanto para estes tempos digitais, onde muitos pensam que fazer documentário é sair por aí filmando e depois construir o filme na montagem.

Para conhecer as misérias do Brasil - e também o poder transformador do seu melhor cinema - assista “Aruanda”, de Linduarte Noronha (1930-2012).

https://youtu.be/9uATt--ua0Y

xx

Atualizado em 16.02.12:

Aruanda
Texto de Jean-Claude Bernardet, em seu blog:

Ao texto postado por Jorge Furtado no seu blog por ocasião do falecimento de Linduarte Noronha, gostaria de acrescentar duas observações:

  1. a trilha musical de ARUANDA se compõe de musicas gravadas por Linduarte após pesquisa, o que revela uma preocupação com a música inexistente no documentário brasileiro da época. Simplesmente se usava um disco qualquer, e pronto, o filme tava musicado. A gravação sonora não está associada à imagem, o equipamento de som direto só chegaria mais tarde, mas a preocupação musical já é de som direto. Por outro lado, a locução, com timbre e entonações inconfundíveis, é típica dos anos 50. Com essa locução e uma preocupação musical que já é de cinema direto, ARUANDA é um filme de transição na materialidade de sua trilha. Essa transição passará ainda por MAIORIA ABSOLUTA de Leon Hirzman e GARRINCHA ALEGRIA DO POVO de Joaquim Pedro de Andrade, antes de chegar a VIRAMUNDO de Geraldo Sarno.
  2. A repercussão de ARUANDA logo depois de sua produção não se deve apenas ao filme, mas igualmente a uma decisão tomada por Linduarte: viajar para o sul. Linduarte foi primeiro ao Rio mostrar o filme a Glauber, que teve a reação que se sabe. Em seguida ele foi a São Paulo mostrar o filme a Paulo Emilio Salles Gomes na Cinemateca Brasileira. Meu artigo “Dois documentários” sai no Suplemento Literário do Estado de S. Paulo em 18.8.1961. O segundo documentário era APELO de Trigueirinho Neto, que me criticou por não ter consagrado o artigo exclusivamente a ARUANDA. Rudá de Andrade, Maurice Capovilla e eu programamos ARUANDA na Bienal de São Paulo de 1961. Quero destacar que a importante repercussão do filme em 1961 não teria sido a mesma sem a viagem, que faz parte da história do cinema tanto quanto o filme.

Escrito por Jean-Claude Bernardet às 14h12