Cúmplices e distraídos

por Jorge Furtado
em 05 de abril de 2012

Pessoas medianamente bem informadas (1) sabiam muito bem quem era o senador Demóstenes Torres, o ex-Democrata e ex-moralista de Goiás. Para estas pessoas (2) fica difícil aceitar os panegíricos ao senador, elogios rasgados feitos por seus pares, que se revezaram na tribuna, em loas ao seu caráter ilibado e seu alto espírito público. Isso enquanto Demóstenes, senador da República, recebia, pelo telefone e de maneira bastante ríspida, ordens expressas de criminosos, ordens para aprovar leis ou contratar funcionários fantasmas.

Só os muito distraídos ou seus cúmplices na maracutaia - há dúvidas sobre em qual categoria inclui-se o então presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes - acreditaram no grampo sem áudio (3), a pantomima transformada em crise institucional pelo braço midiático da quadrilha de Carlinhos Cachoeira ou, como gostam de lhe chamar, do empresário Carlos Ramos.

Pois o ramo do Ramos é, segundo a Polícia Federal e seus grampos com áudio, o crime, em várias modalidades. Sobre a turma dos cúmplices, diz a decisão da Justiça, na página 3: “Detectou-se ainda, nas investigações, os estreitos contatos da quadrilha com alguns jornalistas para a divulgação de conteúdo capaz de favorecer os interesses do crime”.

Quando, em 2004, a empresa de Carlos Ramos resolveu tomar seus pontos no butim de Brasília, seu braço na mídia providenciou o vídeo que, estrelado por um corrupto de 3 mil reais, deflagrou a “crise do mensalão”. A palavra é uma brilhante criação de Roberto Jefferson, advogado, tenor e réu confesso, e passou a ser, com a ampla participação da turma dos distraídos, a senha anti-petista, parece haver quem ganhe por citação, em bônus de final de ano, com um panetone.

Com a crise do mensalão (que, como lembra o Mino Carta, ainda está por provar-se), Cachoeira e amigos tomaram conta dos Correios, mas só por algum tempo. Se bem me lembro, levou dois anos para que seus afilhados por lá fossem descobertos e presos. Na época, e eu falo do período e não da revista, o democrata FHC, ao invés de derrubar o governo Lula, preferiu “sangrá-lo até a derrota”.

Só que ela não veio. Veio mais Lula e, agora, Dilma.

Na Veja, e eu falo da revista, uma longa série de factóides, muitos deles criados pela quadrilha de Cachoeira, foram parar na capa. Quem afirma isto é o próprio empresário Carlos Ramos, num dos grampos:

Cachoeira: Porque os grande furos do Policarpo fomos nós que demos, rapaz. Todos eles fomos nós que demos. (…) Ele pediu uma coisa? Você pega uma fita dessa aí e ao invés de entregar pra ele fala: “Tá aqui, ó, ele tá pedindo, como é que a gente faz?”. Entendeu?

Poliocarpo, no caso, é o Júnior, editor-chefe da revista em Brasília, um bom camarada de conversas do empresário Carlos Ramos, trocaram mais de 200 telefonemas. Com as fitas na mão e o acesso à capa da revista de maior circulação do país, a quadrilha tinha alto poder de persuasão.

Desde que os filhos da Casa Grande perderam a chave do palácio do Planalto, há dez anos, os factóides desta quadrilha e seus cúmplices, transformados em eventos midiáticos com a ajuda dos distraídos, converteram a política brasileira num trem fantasma, um desfile de monstrengos moralistas, uma opereta burlesco-udenista onde brilharam Demóstenes Torres, Agripino Maia, Álvaro Dias e ACM Neto.

É bom lembrar que o governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo, tinha como chefe de gabinete uma simpática senhora que, decerto entre entre outras atividades, avisava os bandidos quando e como fugir da polícia. Também é bom lembrar que Perillo era o vice presidente do Senado quando a imprensa e a oposição tentaram derrubar José Sarney. Foram impedidas por Lula. A imprensa - os cúmplices e os distraídos - e a oposição queriam colocar Perillo na presidência do Senado, quem sabe na Presidência da República.

Nos últimos dez anos, pelo menos, a quadrilha de Cachoeira, que inclui senadores, deputados, governadores, prefeitos, promotores, juízes e policiais, pautou a vida política do país, criando ou turbinando escândalos, transformando tapiocas em crises nacionais, inventando dossiês, dinheiros de Cuba e do Tamiflu, rebaixando o debate politico e espantando pessoas decentes da vida pública. Fizeram um mal terrível ao pais, com a cumplicidade criminosa de alguns jornalistas.

Segundo a decisão da justiça que mandou essa turma temporariemante para a cadeia, o braço midiático da quadrilha era responsável pela “divulgação de conteúdo capaz de favorecer os interesses do crime”. Hoje, muitos se dizem chocados com o comportamento de Demóstenes. Resta saber quais os cúmplices e quais os distraídos.

Em qualquer das hipóteses, não parece fazer muito sentido pagar para ler ou ouvir o que dizem.

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Mote: Demóstenes

Não lembrar é uma armadilha
que, ao futuro, bem não traz.
A capital é uma ilha.
Por todo lado, Goiás.

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Notas:

(1) Eu, por exemplo.

(2) Já me citei como exemplo? Adiante, então.

(3) Sem bons jornalistas não há democracia possível. Escute o comentário de Bob Fernandes sobre as relações entre Demóstenes Torres e Gilmar Mendes e descubra porquê.

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Atualizado em 28.04.12:

JORNALISMO E CUMPLICIDADE NÃO SÃO O MESMO
Por Fernando Brito

Não está em pauta, na CPI do Cachoeira, o sigilo de fontes jornalísticas.

Ninguém se interessa em saber qual foi a fonte do senhor Policarpo Júnior, da Veja, para os oito anos de matérias bombásticas, com gravações de diálogos escusos e revelação de supostos negócios ilegais.

Não tem interesse, porque todos já sabem: Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, o “empresário de jogos”.

O que se quer saber é outra coisa: como foi o pacto de interesses políticos firmado entre a revista e o contraventor.

Carlos Cachoeira não forneceu uma ou duas informações à Veja. Teve, sim, uma longa convivência que, em termos biológicos, teria o nome de mutualismo: uma interação entre duas espécies que se beneficiam reciprocamente.

Cachoeira usava a Veja como instrumento de seu esquema de coação, chantagem, propinagem.

Veja usava Cachoeira como fonte de combustível para a fornalha de seu ódio político contra governos de esquerda, Lula e Dilma.

A maior prova é que as ligações de Cachoeira com Demóstenes Torres e Marcone Perillo, dois aliados de Veja no campo político, nunca foram objeto de apuração por parte da revista.

Ao contrário, o tal “grampo” do diálogo entre Demóstenes e o então presidente do STF, Gilmar Mendes, foi apresentado como resultado de arapongagem governista e fez estragos dentro da Polícia Federal.

Repito: não se quer saber quem era a fonte de Veja, porque isso já se sabe, mas quais foram as relações entre a revista e a editora Abril no uso de gravações clandestinas, que eram as ferramentas de chantagem de Cachoeira.

Não existe “sigilo de fonte” na decisão interna de um órgão de imprensa em manter uma longa sistemática relação com um bandido.

Qualquer jornalista sabe a diferença entre receber informações de um bicheiro sobre algum caso e a de, sistematicamente, receber dele material clandestino que incrimine os policiais que lhe criem problemas. Sobretudo, durante anos e sem qualquer menção à luta de submundo que se desenvolvia nestes casos.

No primeiro caso, é jornalismo. É busca da informação e sua apresentação no contexto em que ela se insere.

No segundo, é cumplicidade. É uma associação para delinquir, criminal e jornalisticamente.

No crime, porque viola, de forma deliberada, direitos e garantias constitucionais. No caso Murdoch, o escândalo foi seu jornal ter grampeado telefones por razões políticas. Neste, o de ter utilizado por anos gravações clandestinas fornecidas por um terceiro, um contraventor.

Sob o ponto de vista jornalístico, a pergunta é: se o “grampeador” de Murdoch tivesse trabalhado de graça, o seu jornal, News of the World, teria menos culpa?

Cachoeira trabalhou “de graça” para a revista, mas a revista sabia perfeitamente de seus lucrativos interesses em fornecer-lhe “o material”.

Seria o mesmo que o repórter de polícia, durante anos, saber que a fonte das informações que recebia as transmitia por estar interessado em “tomar” outros pontos de bicho e ampliar seu império zoológico.

É irrelevante se o repórter fazia isso por dinheiro ou por prestígio.

Repórter que agia assim, no meu tempo, chamava-se “cachorrinho”. E tinha o desprezo da redação.

Não se ofenda a profissão confundindo as duas coisas e nem se diga que o sr. Policarpo é mero repórter. É alguém, que pelo seu cargo, tem relações diretas com a administração empresarial da revista.

Não tem sentido falar em “preservação de fontes jornalísticas” quando a fonte e o relacionamento entre ela e um editor - não um simples e inexperiente repórter - já são objeto de registro policial devidamente autorizado pela Justiça.

Sobre o que Veja e Cachoeira conversavam está no processo, não há sigilo a se quebrado aí.

O que se quer saber é como e porque Veja e Cachoeira viveram esta longa relação mútua e que benefícios para uma e outro advieram dela.

Por isso, o senhor Policarpo Júnior deve prestar, como testemunha, declarações à CPI.

Poderá alegar preservação de fontes quando for perguntado se a direção da editora sabia a origem do material que publicava?

Não parece que isso seja sigilo profissional, do contrário Murdoch escaparia ileso.

As gravações hoje pelo jornalista Luis Carlos Azenha,no Viomundo, reveladas a partir dos documentos publicados pelo Brasil 247, são uma pá de cal no tal segredo de justiça que, todos estão vendo, não existe mais.

Dois bandidos assumem que dirigiam as publicações de “escândalos” na Veja.

E isso é um escândalo, que não pode ficar oculto.

Ocultar fatos, sim, é que é um atentado à liberdade de imprensa.