por Jorge Furtado
em 18 de outubro de 2012
Li, mas não acreditei: o Supremo Tribunal Federal teria marcado reuniões extras para julgar o “mensalão” e assim poder dar o veredito antes do segundo turno da eleição municipal. O mais alto tribunal do país, julgando um caso de crime, que pode levar pessoas para a cadeia, assume estar agindo de acordo com o calendário eleitoral? É isso mesmo? Há ministros do Supremo que se prestam a este papel, produzir manchetes para campanhas eleitorais? Os aloprados de 2012 vestem toga?
Se for verdade, pode ser mais um tiro a sair pela culatra: com a (cada vez mais) provável vitória do PT em São Paulo acontecendo depois do veredito do Supremo, o assunto do mensalão estará encerrado. O que a direita fará sem ele? * (ver atualização em 24.10.12)
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A campanha de São Paulo já produziu uma de antologia: José Serra afirmou que o PT está aproveitando a eleição para desviar do assunto do mensalão.
Isso, isso. E Dom Pedro aproveitou o sete de setembro para declarar a independência porque era feriado.
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Atualizado em 19.10.12
Outra pérola a ser guardada, da coluna da Eliane Cantanhede na Folha de hoje:
“PS: Confirmadas as pesquisas, Fernando Haddad está eleito. Na ditadura, ninguém segurava esse país. Agora, ninguém segura o Lula.”
Isso, isso. E dois manetas adotam uma criança recém nascida, como é o nome do filme?
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Alguns analistas políticos cansaram de dizer que o Lula estava gagá, mais que insinuaram, afirmaram textualmente que o tratamento contra o câncer teria afetado seu faro político, que a escolha de Haddad (com 3% nas primeiras pesquisas) era a prova de que Lula já era.
Agora que os institutos de pesquisa apontam para a vitória de Haddad sobre Serra, comparam o processo eleitoral brasileiro com a ditadura militar.
Só faltou, talvez ainda venha por aí, alguém para dizer que “pobre não sabe votar”.
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Atualizado em 24.10.12:
Mais um ótimo artigo de Elio Gaspari, na Folha de hoje. Entre outras boas análises, Elio lembra que “eleição não absolve réu”. É fato. E se pretende transformar-se na oposição que o país precisa e merece, a pauta moralista vai ter que dar lugar a propostas sérias. Por exemplo: crescer exportando matérias primas é uma opção de futuro? Outra: já não temos carros demais nas cidades?
As três fatias do bolo eleitoral
Elio Gaspari
Faltam poucos dias para o desfecho da eleição municipal e são fortes os sinais de que o PT terá o que comemorar. Qual a explicação para o desempenho dos companheiros se a economia vai devagar, quase parando, e a cúpula do partido de 2005 está a caminho do cárcere?
Aqui vai uma tentativa: desde 2002, quando Lula assinou a Carta aos Brasileiros e venceu a eleição incorporando pilares da política econômica de Fernando Henrique Cardoso, o PT move-se livremente sobre o campo adversário (quem quiser, pode dizer que ele vai à direita, mas essa imagem é insuficiente).
Já a oposição, petrificada, não consegue sair do lugar. Em alguns momentos, radicaliza-se, incorporando clarinadas do conservadorismo europeu e americano.
O tema do aborto, do “kit gay” e a mobilização do cardeal de São Paulo ao estilo da Liga Eleitoral Católica dos anos 30, exemplificam essa tendência. (Registre-se aqui a falta que faz Ruth Cardoso. Com ela, não haveria hipótese de isso acontecer.)
Admita-se que o eleitorado se divide em três fatias. Uma detesta o PT e tem horror a Lula. Outra, no meio, pode ir para qualquer lado. O terceiro bloco gosta de Nosso Guia e não se incomoda quando ele pede que vote em seus postes. Se um bloco se move e o outro fica parado, sempre que houver eleição, o PT prevalecerá.
Some-se à paralisia da oposição uma ilusão retórica. Desde 2010 suas campanhas eleitorais estruturam-se como pregações aos convertidos. O sujeito tem horror a Lula, ouve os candidatos que o combatem e fica duas vezes com mais raiva. Tudo bem, mas continua tendo apenas um voto. Já o PT segue uma estratégia oposta. Sabe que os votos de esquerda vêm por gravidade e vai buscar apoios alhures.
A crença de que o julgamento do mensalão seria uma bala de prata para a oposição revelou-se falsa. Já as crendices petistas segundo as quais o Supremo se tornou um tribunal de exceção ou que o impacto de suas sentenças seria irrelevante são um sonho maligno.
As condenações podem ter sido eleitoralmente insuficientes para derrotar os companheiros, mas não foram irrelevantes. O PT deve prestar atenção à voz do Supremo, pois a corte não é uma mesa-redonda de comentaristas esportivos. Ela é o cume de um Poder da República.
Eleição não absolve réu, assim como o Supremo não elege prefeito. Se Lula e o PT acreditarem que o eleitorado respondeu ao Supremo, estarão repetindo o erro dos generais que viam nos resultados dos pleitos da década de 70 uma legitimação indireta do que se fazia, com seu pleno conhecimento, nos Doi-Codi.
O comissariado deveria ter a honestidade de admitir que acreditou na impunidade dos mensaleiros. Resta-lhe agora o vexame de reformar o estatuto do partido, que determina a expulsão dos companheiros condenados em última instância.
A oposição tem dois anos para articular uma agenda que lhe permita avançar sobre a plataforma petista. Ela não precisa se preocupar com a turma que detesta Lula, essa virá por gravidade, assim como os adoradores de Nosso Guia continuarão seguindo-o.
Fazendo cara feia para os programas sociais do governo, para as políticas de ação afirmativa nas universidades e para a expansão do crédito popular, ela organizará magníficos seminários. Eleição? É coisa de pobre.