por Jorge Furtado
em 27 de agosto de 2014
Já ouvi esta frase de mais de um repórter, acho estranha. Deduzo, é claro, que ele precisa de uma declaração minha sobre algum assunto (a morte do Robin Willians, a seleção do Dunga, um vídeo no youtube, meu último filme, nesta ordem) e quer colocá-la entre aspas na sua página do facebook, no blog, site, jornal (nesta ordem). A estranha formulação me sugere que eu seja cuidadoso em minha fala, já que aspas são seres do texto escrito, difícil falar entre aspas.
Em tese, tudo que alguém disse ou escreveu, contado por outra pessoa, vai entre aspas, ou isso mudou na última revisão ortográfica e não me avisaram? (Acho que estou velho demais para abandonar algumas ideias, continuo as tendo, muito esporadicamente, com acento.)
O risco do entrevistado levar um susto ao ver suas falas entre aspas é muito grande. Uma vez, num site, eu escrevi que “a matéria-prima da poesia não é a realidade, é a palavra”. Tentava convencer a alguns jovens escritores de que deveriam ler mais, inclusive (principalmente) boa poesia, onde o uso da palavra, por grandes autores, chega ao seu melhor desempenho, nos poemas as palavras voam em velocidade de cruzeiro, na prosa andam aos trancos. Um crítico amigo (amigo crítico), não aceitou que eu tivesse dito que “a poesia não trata da realidade”, assim mesmo, entre aspas. Isso que era um texto escrito, e não uma declaração, uma fala, onde se gagueja, vacila, tartamudeia, e tudo isso vai virar o texto de outra pessoa, que você mal conhece e mal conhece você, seu humor, seu tom de ironia.
Outro caso, no lançamento de uma revista de amigos, sobre crítica de cinema, uma revista que começou meio às pressas mas virou uma ótima revista, das melhores do país, (não vou dizer o nome mas começa com T e termina com orema). As crianças gravaram (com um gravador bastante precário e num local barulhento) , uma longa entrevista comigo, a conversa foi divertida. No meio do assunto, acho que sobre filmes com mais e com menos história (enredo), citei a defesa que Borges faz das tramas (no prefácio de A Invenção de Morel, de Bioy Casares). Lembrei de alguém que disse que qualquer filme de Billy Wilder tem tramas melhores que qualquer peça de Shakespeare. Concordo, o valor extraordinário de Shakespeare não está nas tramas, há momentos de trama em Hamlet, como o começo do quarto ato e as mortes de Rosenctraz e Guildenstern, que são bobagens completas. A transcrição, na revista: “Hamlet é uma bobagem completa”, Jorge Furtado. Meu lugar no céu está garantido.
O fato de eu estar contando esta história aqui faz com que haja grande possibilidade de que esta minha afirmação brilhante sobre a maior criação do maior gênio que já existiu (“Uma bobagem completa”) volte a frequentar twiters e sites, entre aspas.
(1) Sobre o uso das aspas:
http://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/aspas-como-utilizar-esse-recurso-grafico.htm
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O Mercado de Notícias
Estou acompanhando, em debates, textos, entrevistas e conversas, o lançamento do filme “O Mercado de Notícias”, um documentário sobre jornalismo (que continua em cartaz). O filme, para quem não viu (www.omercadodenoticias.com.br) , mistura entrevistas e pequenos documentários com uma peça de Ben Jonson, que tem o jornalismo como tema.
Interessante, nas reações ao filme, é que Ben Jonson inclui o próprio público em sua peça, no papel das comadres que sentam no palco (“Viemos para ver e ser vistas!”). Na peça, há a Comadre Censura (“o filme não poderia falar disso”), a Comadre Expectativa (“o filme deveria ter falado disso”), a Comadre Tagarela (o importante é falar qualquer coisa e ser curtido ou cutucado), e também, felizmente, a Comadre Prazeres.
“Os autores revelaram duplo intento: ensinar e dar bom divertimento”. O filme é de quem vê.
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Sobre a distância entre a expectativa e a realidade, tem uma fala de um personagem de Shakespeare em Love’s Labor’s Lost que é uma maravilha, a fonte do Groucho Marx, ficaria perfeita num filme dele.
Um homem encontra pela primeira vez uma mulher e diz:
-- A senhora não é tão bonita quanto eu imaginava mas é a mulher mais linda que eu já vi!
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Lista de 10 bons filmes sobre Jornalismo:
- A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder
- A Primeira Página, de Billy Wilder
- Cidadão Kane, de Orson Welles
- Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula
- Ausência de malícia, de Sydney Pollack
- Embriaguez do Sucesso, de Alexander Mackendrick
- O Último Hurrah, de John Ford
- Nos Bastidores da Notícia, James L. Brooks
- O Jornal, de Ron Howard
- Intrigas de Estado, de Kevin Macdonald
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Boas séries de televisão sobre jornalismo:
- The Newsroom, criação de Aaron Sorkin
- Mary Tyler Moore, criação de James L. Brooks
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Aqui, uma lista de 30 grandes filmes sobre jornalismo feita pelo jornal britânico The Independent.
http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/trinta_filmes_sobre_jornalismo
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Aqui, uma boa lista com 50 filmes com o rótulo “jornalismo”.
http://50anosdefilmes.com.br/tag/jornalismo/
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Aqui, uma lista de 116 filmes “sobre jornalismo”, tem de tudo (inclusive “O Mercado de Notícias” e “Nunca fui beijada”, uma comédia romântica com a Drew Barrymore, parece que tem uma cena em que ela lê um jornal).
http://cinema10.com.br/tipos/filmes-sobre-jornalismo
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Atualizado em 27.01.15:
Alô Escorel
Este texto sai com alguns meses de atraso, sempre adiado por conta de muito trabalho. É um comentário ao teu texto publicado na Piauí em 8 de setembro de 2014 , sobre o documentário “O Mercado de Notícias”, que escrevi e dirigi. Uma das muitas coisas que aprendi com o Millôr é que só se responde críticas de quem a gente respeita e admira e este é o caso. Sei que o espaço na revista é curto, não peço nem espero que publique este texto, escrevi para o site de O Mercado de Notícias, onde sigo acompanhando a repercussão do filme, publico o com link para o seu texto. Se quiser, publique em seu blog.
Você escreveu (*) que é de deixar qualquer um pasmo que eu não soubesse de tudo que os treze entrevistados do filme disseram em suas entrevistas. Além de superestimar meus conhecimentos, acho que você demonstra uma visão simplista do que seja um depoimento, nem sempre são as informações trazidas pelos entrevistados que fazem o valor de uma entrevista. Os meus treze entrevistados, todos eles grandes jornalistas, têm opiniões diversas, e por vezes divergentes, sobre os mais variados aspectos da profissão. Não esperava deles revelações e sim opinião e análise sobre o momento de radical transformação que vive a profissão de jornalista, no Brasil e no mundo.
Como diz o Raimundo Pereira, no filme, “novo é aquilo que reorganiza o passado”. Garanto a você que, para mim, há muita novidade no filme. Mas não faço o filme para mim, “arte requer comunhão”. Garanto também que o filme tem muita novidade para muita gente, incluindo adolescentes recém saídos do ensino fundamental, alunos e professores das faculdade de jornalismo, donas de casa, aposentados, jornalistas, gente que eu já encontrei nas muitas sessões, seguidas de debate, de que participei em muitas cidades.
Mas o que me levou a escrever este texto foram as suas afirmações seguintes, estas sim de pasmar.
Você diz que o tema do filme, o jornalismo, é um assunto “divulgado à exaustão”. Em que país? Não no Brasil, certamente, onde a crítica à imprensa é, talvez, a mais interditada das pautas. Nenhum jornal, nenhuma rádio, nenhuma televisão, nenhum veículo da grande imprensa toca neste assunto. Você nunca verá, por aqui, um grande jornal criticando outro grande jornal, ao contrário do que acontece nos demais países democráticos. Por aqui há um silêncio cúmplice, uma conveniente omertà entre os grandes veículos de comunicação. Há apenas dois ombudsman em todo o país (Folha de S. Paulo e O Povo, do Ceará) com pequenas colunas semanais, um único programa de televisão sobre o tema (Observatório da Imprensa) numa tevê pública, em horário alternativo. Onde, fora das academias e dos blogs alternativos, se debate a qualidade da imprensa no Brasil? E os filmes brasileiros sobre jornalismo, onde estão? Há raros documentários, alguns personagens secundários em alguns poucos filmes. Não me parece, nem de longe, que as mazelas do nosso jornalismo, como você afirma, sejam discutidas e divulgadas “à exaustão” por aqui, longe disso.
Ainda mais surpreendente foi você dizer que já conhecia a peça de Ben Jonson (The staple of news). É o que o leitor deve necessariamente deduzir quando você afirma que “isolar pequenos trechos, selecionados aparentemente pelo conteúdo dos diálogos, apenas banaliza a peça. O texto perde sua estrutura dramática, um dos componentes essenciais da sua qualidade literária”. A peça, que raramente é incluída nas antologias da obra de Jonson, é repleta de referências à política daquele exato momento em Londres e, acho que principalmente por isso, nunca foi traduzida para o português, nem para o francês, alemão ou italiano. Jamais foi encenada, em lugar algum (que eu saiba), desde o século XVII. A peça é tão obscura, e sua afirmação de conhecê-la tão surpreendente, que cheguei a pensar que você podia estar querendo dizer que selecionar trechos de qualquer peça e incluir em qualquer filme, banaliza e põe a perder a estrutura dramática de toda e qualquer peça. Conhecendo sua formação e carreira tive que descartar esta hipótese, já que tal ideia é bizarra, não para de pé. Só resta concluir que, como de fato o texto sugere ao leitor, você realmente já conhecia a peça e achou que foi a minha seleção de trechos desta peça específica que fez com que ela perdesse “um dos componentes essenciais da sua qualidade literária”, a sua estrutura dramática.
Pois eu discordo radicalmente de você. Conheço bem a peça, eu e a Liziane Kugland fizemos a primeira tradução para a língua portuguesa (em 3 anos de trabalho) e afirmo que o que a peça tem de pior - e talvez por isso nunca foi montada em lugar algum - é exatamente a sua estrutura dramática, tão elogiada por você. Jonson, em “The staple of news”, enfileirou sobre o palco uma longa série de esquetes cômicos, ligados por um fio de trama, usando o já surrado clichê do homem que se faz de morto e volta para vigiar os vivos (Shakespeare usou trama semelhante em “Medida por medida”) como pretexto para recitar seus brilhantes poemas e suas inspiradas prédicas, encenar boas piadas e diálogos cínicos, debochando de tudo e de todos e especialmente de si mesmo, condição para a comédia. São alguns trechos, especialmente a visão premonitória que o autor revela do poder da recém surgida imprensa, que conferem a “The staple of news” um grande interesse. Ao contrário do que você afirma, a peça, como estrutura dramática, é muito ruim.
A sua defesa da integridade artística de uma peça obscura (que você afirma conhecer), associada à ideia de que o tema do filme (jornalismo, mídia e democracia) é banal ou já foi exaustivamente debatido, dá ao seu texto sobre o meu documentário um irritante tom blasé. Ao refinado leitor da Piauí sobra a sensação de estar flutuando acima das questões exaustivamente divulgadas (a qualidade do jornalismo praticado no Brasil, a relação da grande mídia corporativa com interesses políticos e econômicos, bolinhas de papel jogadas por funcionários na cabeça dos seus patrões, etc.) e a ilusão de estar vendo algum mérito cultural onde, de fato, só há verniz.
A propósito: a peça, na íntegra, as treze entrevistas, na íntegra, assim como toda a pesquisa feita para o filme em oito anos de trabalho, estão no site: www.omercadodenoticias.com.br
um abraço
Jorge Furtado
26.01.15
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O MERCADO DE NOTÍCIAS - DÚVIDAS
Eduardo Escorel
blog “questões cinematográficas”, revista Piauí, 08/09/2014 | 15:23
O mercado de notícias, de Jorge Furtado, participou da mostra competitiva do Festival É Tudo Verdade, no início de abril, foi premiado, no mês seguinte, como melhor filme documentário pelos júris oficial e popular do Cine PE, em Recife, e estreou no Rio há três semanas.
Só tendo assistido ao filme recentemente, se houvesse oportunidade, perguntaria ao Furtado: nos depoimentos dos treze vultos da imprensa incluídos no filme algo é dito por eles que você já não soubesse de antemão?
Estou seguro de que a resposta seria “sim”, seguida da menção aos trechos das entrevistas que foram novidade para ele. Por maior que seja o pasmo que possa provocar, não há razão para duvidar da sinceridade do Furtado.
Mas é difícil imaginar que para ele, assim como para qualquer espectador medianamente informado, haja mesmo em O mercado de notícias alguma revelação que não seja de conhecimento público.
Dessa dificuldade decorre outra pergunta: qual é a justificativa para fazer um filme sem ter algo a acrescentar a respeito de um assunto pesquisado, estudado e divulgado à exaustão?
Uma razão plausível poderia ser a de fazer um filme didático para adolescentes recém saídos do ensino fundamental. Se fosse esse o propósito, não haveria o que discutir. Mas não parece ser o caso de O mercado de notícias. A ambição de Furtado seria maior.
Ao incluir breves trechos da peça homônima, de Ben Johnson (1572 - 1637), fragmentados e disseminados ao longo do filme, a impressão é de uma demão de verniz na tentativa de dar a O mercado de notícias aparência ilustrada e ao espectador a sensação de estar assistindo a um espetáculo de mérito cultural.
Isolar pequenos trechos, selecionados aparentemente pelo conteúdo dos diálogos, apenas banaliza a peça. O texto perde sua estrutura dramática, um dos componentes essenciais da sua qualidade literária.
Finalmente, perguntaria ao Furtado: não lhe parece que indo e vindo da encenação da peça para os depoimentos durante todo o filme, O mercado de notícias se torna repetitivo e perde progressivamente interesse?