Vagalume

por Giba Assis Brasil
em 16 de agosto de 2015

(mensagem para Maria Angélica dos Santos)

Segundo o Houaiss, a forma ‘vaga-lume’ (que ali aparece com hífen) só foi surgir em 1791; mas ‘caga-lume’, bem mais antigo, existe na língua portuguesa desde 1587.

Boa parte dos sinônimos listados no dicionário deixam clara a origem do nome, e o fato de que os portugueses sempre quiseram explicitar a relação entre a luminosidade e a anatomia do inseto: abre-cu, caga-fogo, caga-lume, cudelume, fere-lume, lampíride, lampírio, lampiro, lumeeira, lumeeiro, luzecu, luze-luze, luzica, mosca-de-fogo, muá, noctiluz, pirífora, pirilampo, uauá.

Mas o mais interessante eu encontrei num artigo chamado “Censura linguística e resistência popular: o caso do vagalume”, escrito por dois pesquisadores da Unicamp, Brian Head e Yara Vieira, em 1986.

Brian e Yara acharam um texto do padre Rafael Bluteau publicado em 1727, que mostra quando começou a criação forçada do eufemismo. Em “Prosas portuguezas”, p. 17, Bluteau relata uma conferência que teria acontecido alguns anos antes, entre os eruditos da “Academia dos Generosos”, na livraria do Conde de Ericeira, em 26 de fevereiro de 1696:

“Ao insecto luzente, a que os latinos chamam ‘Cincidela’ e ‘Noctiluca’; os gregos ‘Lamparis’ e ‘Pirilampis’; os italianos ‘Luciola’, os francezes ‘Ver luizant’, e os castelhanos ‘Luciernaga’, chamão os Portuguezes ‘Cagalume’; he nome que nao pode usar-se em papeis serios e deve dar-se-lhe outro. Houve quem defendesse, que todas as lingoas tenhão termos, que tragão maos equivocos; allegou os exemplos de Monarchie, Anarchie, etc. que em francez tem ma terminação. Assentouse dar nome ao insecto; propozse Pirilampo; achou-se affectado; Fuzilete, e Vago lume se não admittirão; so parecerão bem os de Nouteluz, e Bicho luzente, e determinarão, que ambos podião usarse.”

O padre-gramático do século 18 e seus colegas “generosos” não conseguiram interferir nas más terminações da língua francesa, que até hoje segue rimando “monarchie” com “cul”, mas mudaram o rumo dos nossos bichos luzentes, que passaram a ser vagas luzes, saídas sabe-se lá de que parte do corpo.