O portal Mescla, da Unisinos, fez semana passada uma matéria sobre “comportamento digital”, ou sobre “a relação das pessoas com a tecnologia contemporânea e as redes sociais”. O redator Tynan Barcelos disse que eu teria sido indicado a ele “como uma pessoa que não utiliza redes sociais e prefere utilizar ferramentas menos convencionais”. Me fez quatro perguntas, que eu terminei respondendo num único texto. Abaixo.
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Qual a diferença entre Julian Assange e Mark Zuckerberg? Um rouba informações de governos e grandes empresas e distribui de graça para toda a população. O outro rouba informações de toda a população e vende por muito dinheiro para governos e grandes empresas. A frase não é minha, mas é uma interpretação engraçadinha (e verdadeira) do mundo em que a gente vive hoje. O fato de que um desses caras está preso ou exilado há dez anos e o outro é uma das pessoas mais ricas do planeta é a parte não engraçada, principalmente se a gente prestar atenção em qual é qual.
Pensando bem, por que causa espanto que eu, ou qualquer outra pessoa, não use redes sociais? A verdadeira pergunta, como diria o soldado do passo errado, é: por que tanta gente usa?
Aliás, se é pra me apresentar como um personagem “estranho”, já adianto que eu também não sei cozinhar nem dirigir automóvel. Não acredito em Deus, nem no livre mercado, nem em direito autoral. E não respondo pesquisa: acho que ninguém tem o direito de pegar a minha opinião e transformá-la na média da opinião dos outros, e vice-versa. E o mais estranho de tudo: não sei descascar laranja.
Entrei no Facebook em março de 2010. Todo mundo dizia que era uma grande e divertida perda de tempo, e eu sempre gostei de dedicar meu tempo a coisas inúteis, como assistir futebol, fazer palíndromos, etc. (Por exemplo, esse: É cafona ser presa no Face.)
Mas aos poucos fui descobrindo que, por mais que eu goste dos meus amigos, parentes, colegas de trabalho, conhecidos, etc, eu realmente não faço a menor questão de saber o que eles estão fazendo ou pensando a cada 15 minutos, ou o que eles almoçaram hoje, ou o que o gatinho fofo do vizinho fez de interessante na noite passada. Pior do que isso: eu já tinha ultrapassado a marca de mil “amigos” e senti que aquilo tudo não me deixava mais próximo de nenhum deles, pelo contrário: algumas pessoas de quem eu passei a vida inteira gostando sinceramente estavam se tornando insuportáveis pra mim - e me pareceu que o problema não eram elas, nem eu. Lembrei também como é bom poder escolher as coisas inúteis às quais eu vou dedicar meu tempo, sem que um algoritmo faça isso por mim.
Então, depois de exatamente um ano, em março de 2011, eu resolvi sair do Facebook. Me disseram que seria impossível, mas eu saí, e nunca mais tive vontade de voltar. Quem quiser sabe como me encontrar, por e-mail, por telefone, até por cartão postal.
Ao contrário do que pode parecer, sair do Facebook não é desaparecer no fim do horizonte da terra plana.
Entrei no Whatsapp em novembro de 2017 porque era uma maneira fácil e barata de me comunicar com a minha filha, que estava morando no Rio. Mas muito rapidamente enjoei daquele sinalzinho que soava toda hora por coisa nenhuma, e mais ainda da neurose de quando o sinalzinho ficava muito tempo sem soar. Silenciei o sinalzinho, mas passei boa parte dos meses seguintes pedindo desculpas por ter que sair de grupos em que as pessoas, certamente cheias de boas intenções, me inscreviam todos os dias. Ou tendo que explicar que não, eu não considerava democrático tomar uma decisão a partir de uma centena de mensagens curtas que ninguém leu direito, a não ser o algoritmo.
Por sorte, fui assaltado em junho de 2018, e com isso não completei um ano nessa neurose específica. Tive que comprar outro celular e, antes de apagar o aplicativo, coloquei no meu “status”, bem claro: “Eu não uso essa merda!” Apesar disso, de vez em quando ainda recebo e-mails indignados: “Te mandei um Whatts. Por que não respondeste?”
Talvez minha afirmação sobre o fim do horizonte tenha sido excessivamente otimista.