A Alma do Cinema, de Federico Fellini

“Acusaram-me de fugir à realidade e de refugiar-me no sonho.

Penso que não se pode considerar a realidade como um panorama de uma superfície única, pois uma paisagem tem várias espessuras e, a mais profunda - aquela que somente a linguagem poética pode revelar - não é a menos real.

Quero ir além da epiderme das coisas.

Chamam a isso o gosto do mistério.

Aceito de bom grado esta expressão, com a condição de escrevê-la com M maiúsculo. Não me refiro a certo mistério, cultuado por alguns, e que não passa de um sucedâneo poético com que querem salpicar a realidade. Para mim, este Mistério é o mistério do homem, as grandes linhas irracionais de sua vida espiritual: o amor, a salvação, a redenção, a encarnação… No centro dessas espessuras sucessivas está Deus que, para mim, é a chave dos mistérios.

Creio que Jesus é não somente o maior personagem da História da Humanidade, mas que ele continua a sobreviver em todo aquele que se sacrifica pelo seu próximo.

Ignoro os dogmas católicos. Sou, talvez, um herege.

Meu cristianismo é bruto.

Não frequento os sacramentos. Mas penso que a oração poderia ser considerada como uma ginástica que nos aproximaria cada vez mais do sobrenatural. Pratiquei-a antigamente. Agora, só sei rezar na hora do medo e da tristeza.

É preciso saber rezar na hora da alegria.

Entrevi o caminho certo da salvação.

Antes, a religião era, para mim, uma simples suspeição da alma. Um dia, encontrei um anjo que me estendeu a mão. Segui-o. Mas, depois de ter dado alguns passos, deixei-o e voltei atrás. Ele, porém, permaneceu em pé, no mesmo lugar, esperando-me. Eu o revejo nos momentos de sofrimento, cada vez um pouco mais envolto em brumas. Eu lhe digo: “aspetta”, “aspetta”, como eu o faço com qualquer um.

Receio que, um dia, eu o chame e não mais o possa encontrar.

Mais do que Jesus, o anjo foi sempre aquele que me desperta do meu torpor espiritual.

Quando eu era criança, ele era a encarnação de um mundo fantástico. Depois, ele se tornou a encarnação de uma urgência moral.”

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do livro “As mais belas orações do mundo”, de Rose Marie Muraro e Frei Raimundo Cintra, Círculo do Livro, São Paulo, 1969.