A imagem é da primeira anotação para o roteiro de “O Homem que copiava”. Foi feita em novembro de 1995, num caderno que parece muito velho, mas na verdade é um objeto de cena, envelhecido para fazer parte de algum cenário. O texto eu recuperei hoje, é de setembro de 1997, é o mais antigo que eu achei. Só terminei o roteiro em 2002.
Arquivo criado em 15 de setembro de 1997 08:47
Pré-roteiro e escaleta.
(Não Revisado!)
O HOMEM QUE COPIAVA
A CIDADE E O BAIRRO
Apresentar a cidade e o bairro, o Quarto Distrito. Documentário sobre a associação e os bailes. Documentário sobre o hotel.
A LOJA E A MÁQUINA
Aqui você liga e desliga a máquina. Está vendo? Liga. Desliga. Liga. Desliga. Liga, desliga. Não é bom ficar fazendo isto muitas vezes, pode queimar. Liga. Desliga. É melhor não forçar muito a barra, senão o Bolha acaba me vendo pelo espelho bolha dele. Ele diz que o espelho é para a segurança da loja. O Bolha pensa que eu sou otário. Considerando o meu salário, ele não deixa de ter uma certa razão. O nome do bolha é seu Gomide. A dona bolha se chama Maria Rivelina. Ele me contou que a mulher nasceu no dia em que o Rivelino fez um gol sei lá em que jogo e que o pai dela esperava um guri e a dona bolha acabou com esse nome ridículo. O Rivelino era um jogador de bigode. Dona bolha só aparece aqui na loja para ver revista de televisão e pegar dinheiro. O nome do bolhinha é Rodrigo. Ou Diogo. Eles chamam o bolhinha de Guigo, acho que é Rodrigo. Ele fica abrindo o armário do papel, por causa da luz. Isso é outra coisa que você deve saber. O papel da máquina deve ser bem seco e por isso fica guardado num armário com uma luz dentro que o bolhinha adora ficar abrindo. Não mexe aí, bolhinha.
Não pode…
Deixa ele, André.
É que depois o papel gruda e o seu Gomide reclama de mim, Dona Maria.
Tira esse guri daí, Maria.
Vem Guigo, vem, não mexe. Eu já vou.
Isso, dona Bolha, vá em frente. Adeus, bolhinha. Quando o papel acaba, você abaixa este troço, tira esta gaveta e põe o papel. Primeiro você solta bem o papel, para não grudar. É só segurar, dobrar, soltar. Segurar, dobrar, soltar. Mais uma. Aí você arruma o papel e põe na gaveta. Põe a gaveta na máquina e levanta o troço. Aqui você controla a cópia, mais escura ou mais clara.
É melhor deixar sempre no meio.
Certo bolha. Sempre no meio. Aqui você diz para ela quantas cópias você quer. Aí você levanta esta tampa e põe o papel que você quer copiar, o original, aqui. Você tem que por no limite desta marca no vidro. Aí você fecha a tampa, devagar para não tirar o papel do lugar. Apertando este botão aqui você está dizendo: vá em frente, minha filha, está tudo certo. E ela vai.
Essa luz é a melhor parte. Acho que é só por causa desta luz que eu ainda estou neste emprego. E o salário, claro.
Pronto. Você já sabe que é preciso saber para fazer o que eu faço. Operador de fotocopiadora. Grande merda. É o que eu digo para as gurias se elas me perguntam. Só se elas me perguntam.
GURIAS
O que é que você faz?
Eu? Eu sou operador de fotocopiadora.
Que que é isso?
Eu opero uma máquina de fotocópias.
Tipo assim, xerox?
É. Só que é de outra marca.
Você trabalha no xerox de uma firma?
Não, não. Numa loja.
Ah. Legal.
Muito legal. Liga, desliga, o papel com a luz, a gaveta, o botão sempre no meio, quantas cópias e vai minha filha. Quantos neurônios um sujeito precisa para fazer esta merda?
É uma merda.
Bom…
É só pra ganhar uma grana para um material que eu estou levantando. Eu trabalho com ilustrações.
CASA
Ilustrações. Quando eu não estou trabalhando eu fico em casa vendo bobagem na tv e desenhando. Nem mesmo eu acho que aquelas coisas que eu desenho prestam para porra nenhuma, é só uma coisa para dizer para as gurias. Não tem dado muito certo. Gurias são espertas, elas reconhecem um operador de fotocopiadora em poucos segundos. Gurias não sonham em passar a vida ao lado de operadores de fotocopiadoras, viajar pelo mundo com operadores de fotocopiadoras, ter filhos de operadores de fotocopiadoras. Pelo menos eu, até agora, não encontrei nenhuma guria que sonhasse isso.
ORÇAMENTO
Eu ganho dois salários mínimos, são duzentos e quarenta reais por mês, duzentos e quinze com os descontos. Não gasto em transporte, vou a pé para a loja e não saio nunca. Minha mãe paga o supermercado com a pensão dela, eu pago o aluguel, dois quartos com dependência de empregada, se a gente tivesse empregada e ela conseguisse dormir de pé, sala, vista para o prédio em frente, tudo isso por apenas cento e sessenta reais. Sobram cinquenta e cinco. Pago metade da prestação da tv, quatorze polegadas, controle remoto, sessenta e quatro reais, trinta e dois a minha parte, sobram vinte e dois, uma merda. Gasto com bobagens: uma revista, uma cerveja, uma caneta, o meu binóculo. Para o binóculo em precisei economizar seis meses: pentax, doze por cinquenta cpf, seja lá o que isso significa. Eu sei que é bom para caralho, muito melhor que o do Cardoso, um ricoh 60, que ele diz que aumenta muito mais que o meu. Eu nem discuto se aumenta mais ou menos. Só que a nitidez do meu pentax é infinitamente superior, não dá nem para comparar.
Pelo menos sobra tempo para ler na loja. As vezes eu leio gibi, quando eu não quero pensar em nada, só viajar. As vezes eu compro um livro num sebo. Mas a maior parte do tempo eu fico lendo as coisas que as pessoas trazem para copiar. Enquanto eu estou tirando as cópias, só consigo ler as primeiras linhas de cada folha. Já é alguma coisa.
Etimologia é a parte da gramática que estuda a origem das palavras. Eu li isso numa cópia. Achei legal saber que tem alguém que se preocupa com isso, a origem das palavras.
Também li que Shakespeare, que escreveu Romeu e Julieta, eu vi o filme, e Cervantes, que escreveu o Dom Quixote que eu li e é do caralho, morreram os dois no mesmo dia, pobres e fudidos: vinte e três de abril de mil seiscentos e dezesseis. Dia de merda. Cervantes foi enterrado numa vala comum, porque, eu não sei. Nem sei bem o que significa vala comum. Existem valas incomuns? Que diferença faz? Uma outra folha chegou. O que eu mais gosto de ler são os trabalhos de escola e as teses de faculdade. As vezes, documentos também são engraçados. O mais chato são as coisas de empresa.
Eu não falei da Marinês? A Marinês também trabalha na loja, nas revistas e nas coisas do balcão. Lápis, borrachas, cola. Ela tinha ido no centro, pagar uma conta. Gostosa. O pior é que ela sabe que é gostosa, fica usando aquela calça bem justa. Ela me disse uma vez que só consegue vestir a calça deitada, com as pernas para cima.
Não dá nem para usar calcinha, senão fica marca.
Fiquei imaginando aquela cena, ela deitada, de pernas para cima, sem calcinha, tentando entrar naquela calça justa. É melhor nem imaginar muito, não é para a minha bolinha.
Ela namorou um alemão e o cara escreveu para ela, duas vezes. O cara é alemão mas mora em Der Haagen, na Holanda.
Der Haagen quer dizer “A Haia”.
A-aia?
Haia. O nome da cidade, a capital da Holanda, onde ele mora. É como se fosse “a Brasilia”, entendeu? A Haia. Der Hageen.
Ah.
Ah, eu disse. Não quis estender aquela conversa.
Pai pobre é destino, marido pobre é burrice.
Pois é.
INFÂNCIA (QUADRINHOS)
Destino e burrice. Um pouco dos dois. Meu pai foi embora quando eu tinha quatro anos. Essa é a parte do destino. Eu estava vendo um programa de televisão, a Família Trapo.
Guarda a correspondência para mim?
A-hã.
Ele não recebia muita carta, era mais cobrança e anúncio de um monte de coisas. Eu guardava tudo numa caixa de camisa. Depois a caixa ficou pequena e eu passei tudo para uma caixa de sapato. Depois para três caixas, dividindo as cobranças, os anúncios e uma ou outra carta mesmo. Tinha muita correspondência que chegava para os antigos moradores. Estas eu devolvia para o carteiro ou botava fora. Depois eu peguei uma caixa de sabão, para botar os anúncios, que eram em maior quantidade. Usei a caixa de sapato dos anúncios para botar as cobranças, que também eram muitas. Um dia a mãe me perguntou para que eu estava guardando aquilo. Eu disse que era para quando o pai voltasse. Ela riu, mas não muito, foi só um meio sorriso. Aquela noite eu fiquei um tempão acordado pensando por que ela riu. No outro dia, na escola, eu disse para o Airoldi, um gordinho que tinha uma mancha vermelha na cara, que eu achava que o meu pai não ia mais voltar. Ele me perguntou onde o meu pai estava.
Ele foi trabalhar.
Ele viajou?
É.
Quando ele saiu?
Faz sete anos.
Ele começou a rir, a rir muito. Então eu peguei uma garrafa e quebrei na cabeça dele. O resto da garrafa eu enterrei no rosto dele. Ele ficou cego de um olho. Essa foi a parte da burrice.
Foi meu último dia na escola. Eles me expulsaram, e eu também não queria mais ir. Naquela noite eu queimei todas as cartas no tanque, fez uma fumaceira, a vizinha de cima reclamou.
CASA E JANELA
Enquanto minha mãe vê novela eu fico no quarto, lendo ou desenhando. Não agüento mais novela. Antes eu via.
Minha mãe arrasta o chinelo do banheiro para a cozinha. Schlac, schlac, schlac, schlac. Abre o armário, pega um copo, põe o copo na pia, fecha o armário, abre a geladeira, pega a garrafa d’água, fecha a geladeira, enche o copo, não todo, a metade, abre a geladeira, guarda a garrafa, pega o copo, abre o filtro, enche o copo, fecha o filtro, arrasta o chinelo da cozinha para o quarto e diz; boa noite, meu filho, eu vou deitar. Televisão me dá um sono…
Boa noite, filho, eu vou me deitar. Me deu sono.
Me deu sono, esta é a variante curta, usada, talvez, vinte por cento das vezes.
Boa noite, mãe, cem por cento das vezes.
Aí eu vou na cozinha, pego alguma coisa na geladeira e vou para a sala. Ligo a tevê e fico zapeando, vendo bem pouco de tudo. Quase só tem merda. Vejo futebol, uns filmes, nada que eu me lembre depois. Lembro muito mais das cópias que eu leio. Tevê a gente esquece logo.
Tiro o som, busco minha prancheta e fico desenhando, com aquela tevê ligada. É como se fosse uma lareira, ou um aquário iluminado. Só aquela luz e movimento. Todo mundo precisa de luz e movimento.
Onze e pouco eu desligo, vou para o quarto e pego o binóculo. Uma coisa que eu descobri, olhando os vizinhos, é que gordos dormem tarde. Não sei porque, é só uma estatística. Entre os últimos caras a dormir, pelas duas da manhã, sempre tem pelo menos um gordo. Tem um gordão no Montes Claros que não dorme antes da uma da manhã. Ele fica de pé, balançando de um lado para o outro, ouvindo música. Queria saber que tipo de música ele ouve.
Silvia ainda não chegou. O cursinho termina as onze. Ela chega em casa onze meia. Um dia ela atrasou, fiquei preocupado, ela chegou quase meia noite. Deve ter ido comer alguma coisa. Ela ganha bem, na loja. Mais que eu certamente. Ela tem comissão.
Ela chegou. Linda. Ela mora com o pai, um sujeito estranho. Ela vai direto para o quarto, acho que janta na rua. As vezes ela pega alguma coisa na cozinha. Só as vezes, quase nunca. Outra coisa importante que eu descobri, além do fato dos gordos dormirem tarde, é que, se você quer ver alguma coisa de binóculo, não adianta ficar pulando de uma janela para a outra, atrás da ação. Você tem que se fixar numa janela e esperar a ação acontecer. É quase como pescar. Claro que depois que você já conhece os apartamentos todos você já sabe mais ou menos o que esperar, e a que horas esperar. A Silvia chega sempre depois das onze e vai direto para o quarto. Eu não fiquei sabendo que o nome dela é Silvia olhando de binóculo, é lógico. Eu fiquei sabendo depois, na loja. A loja dela, não a minha.
Quase sempre ela deixa uma fresta na janela do quarto, mais no verão. O vidro é coberto com um papel decorado. Ela tinha uma veneziana, mas apodreceu e eles tiraram, nunca mais colocaram. Deve ser caro, uma veneziana. Pelos móveis, eles não devem ter grana, são tão duros quanto eu. Só que o pai dela trabalha, tem um uniforme, parece um policial civil, ou agente sanitário, estes que matam mosquito. Nunca vi ele trazendo para casa aquela máquina de matar mosquito, mas acho que eles não levam mesmo para casa, aquilo é veneno. Talvez ele seja agente sanitário.
*Além da fresta, o papel descolou um pouco, num canto. Dá para ver só um pedaço do armário, mas as vezes ela deixa a porta do armário aberta e na porta tem um espelho. Dependendo do jeito que a porta fica aberta dá para ver um pedaço diferente do quarto. (** montagem do quarto, num quebra cabeças ) A cama tem um edredon de florzinha. Tem um abajour numa mesinha ao lado da cama. Tem uma televisão no quarto, ela fica vendo filme até tarde. Uma escova, cabo de madeira redondo. Uma latinha. O máximo que eu já vi foi um pedaço da perna dela, de calcinha. Ela só passou. Eu estava esperando há mais de uma hora e ela passou. Acho que durou uns… meio segundo. Valeu a pena. Me apaixonei. É bom estar apaixonado.
Quando a gente faz alguma coisa como ser operador de fotocopiadora, ou ver televisão, que não precisa pensar muito, a gente acaba usando o tempo para pensar outras coisas. Comigo, pelo menos, é assim.
SUPERMERCADO
Teve uma época, isso foi antes da loja, quando eu trabalhava de empacotador no supermercado, que é outra coisa que não precisa pensar muito, em que eu só pensava em ser famoso. Normalmente eu pensava em ser famoso jogando futebol. Ficava imaginando mil gols maravilhosos que eu fazia, um mais decisivo que o outro.
FUTEBOL
Um gol em que eu driblava quatro caras e encobria o goleiro era um dos meus preferidos. Outro era um gol de cabeça, bem no finzinho do jogo. Também gostava muito de um sem-pulo, o cara cruzava e eu dava um chutão, de peito de pé, de primeira, bem no ângulo, sem chances para o goleiro. A bola batia no alto da rede. A rede estufava e a bola caia, lá no fundo. Aí eu corria, de braços abertos, quarenta e quatro do segundo tempo, a torcida delirando. Acho legal correr de braços abertos, dá um desequilíbrio, a gente quase cai, ao mesmo tempo que parece que você quer abraçar todo mundo.
ARQUIVO
Aquele pulinho com um soco no ar do Pelé eu nunca imaginei. Só dava certo com o Pelé, se outro cara vai fazer parece uma bichice. Eu gostava também do jeito que o Romário e o Reinaldo, um que jogava no Atlético, comemoravam os gols: parados, com o braço erguido, dentro da área do adversário. Legal.
SUPERMERCADO
Você podia tirar o azeite de cima das frutas?
Como?
A lata de azeite. É pesada, você colocou em cima das frutas. Põe o azeite junto com as caixas.
Desculpe.
Depois as frutas chegam todas amassadas.
Eu já pedi desculpas.
Eu já pedi desculpas, já troquei o saco do azeite, o que mais a senhora quer que eu faça?
Qual é o problema?
Este menino colocou o azeite encima das minhas frutas, eu reclamei e ele ficou irritado.
Eu já pedi desculpas.
A senhora desculpe, ele é assim meio irritadinho. Não se preocupe, não vai acontecer outra vez.
A fase de ser jogador imaginário de futebol passou. As vezes volta, só como passatempo, quando eu estou caminhando pela rua. Só as vezes. Agora eu penso muito mais em ganhar dinheiro, muito dinheiro. Também nem quero mais ser famoso. Não tem nada mais idiota do que estes ricos que ficam mostrando suas casas nas revistas para todo mundo ficar babando. Sempre que eu vejo estes ricos de revista eu penso que os ricos mesmo não iam se mostrar em merda de revista nenhuma. E eu sonho em ser rico mesmo, não estes de revista.
Eu li que um cara que desenhava uns bonecos que eu até faço parecido vendeu os desenhos dele por um monte de dinheiro. Só que o cara já morreu, de Aids, aí também não adianta nada. Ele devia ser veado ou então se picar. Eu tinha um amigo veado no supermercado, trabalhava na panificadora. Ele me disse que nunca trepava sem camisinha. Não sei como é que alguém consegue pegar uma injeção e cravar no próprio corpo para se encher de merda. Só sendo muito otário. Mais otário, só o cara que fica rico e famoso depois de morto. O cara se fode trabalhando a vida inteira para deixar toda a grana para sei lá quem, que nem filho o sujeito teve tempo para ter. O negócio é ficar rico logo, o mais rápido possível, e se mandar. O problema é: como?
Mandei umas coisas que eu desenhei para uma revista, acho que eu até já contei isso. Eles nunca responderam. Mandei mais uma vez, com uma carta dizendo para eles me responderem ou então me devolverem logo, que tinha outras revistas interessadas. Até agora, nada. Esses caras que desenham quadrinhos as vezes ganham uma puta grana, principalmente nos Estados Unidos.
Já pensei em ir para os Estados Unidos. Tem um cara, o Dirceu, que era porteiro aqui no prédio, que foi, lavar prato, varrer chão. Isso eu prefiro fazer aqui, em português. Ele escrevia para a minha mãe. Conheceu uma mexicana, se deu bem, acabou trabalhando num posto do correio em El Paso, no Texas. Ele contou que os mexicanos só podiam sair dos Estados Unidos e voltar com um aviso de problemas de saúde com a família. O aviso tinha que vir do México, por telegrama, e falar da saúde de algum parente. Óbvio que todo mundo inventava o tal telegrama pra poder visitar a família. Pra economizar, os caras mandavam pro posto do correio de El Paso sempre o mesmo texto, mais barato, tarifa econômica até dez letras: MAMA GRAVE. O Dirceu tinha que arquivar e catalogar todos os telegramas com aquele texto: MAMA GRAVE. Os americanos achavam aquilo muito estranho, por que “greiv” em inglês é “túmulo”. O Dirceu acabou se separando da mexicana. Ele guardou uma pilha de telegramas e algum dinheiro, voltou ao Brasil e abriu um bar com esse nome, “MAMA GRAVE”, não muito longe daqui. Ele forrou uma parede do bar com os telegramas.
Eu desisti de pensar em ir para os Estados Unidos, por enquanto. Eu não tenho grana para a passagem e, sem grana, solteiro, com a minha idade, nunca que eu vou conseguir o visto. Acho que eles não estão precisando de operadores de fotocopiadoras nos Estados Unidos.
Depois que eu acabar de pagar as prestações da televisão, faltam duas, vão me sobrar cinquenta e cinco reais por mês. Se eu não gastar nada, em um ano eu tenho seiscentos e sessenta. Em dez anos eu tenho seis mil e sessenta, já dá para comprar um carro usado, daqui a dez anos, se eu não gastar nada. Mais fácil é comprar uma arma.
O Feitosa disse que me consegue uma arma por quatrocentos e cinquenta reais. Setecentos, se eu quiser uma pistola, mais fácil de atirar. Com uma arma eu podia assaltar alguém e conseguir uma grana. Só que isso não resolve o problema, a não ser que eu assaltasse alguém com muita grana, para poder assaltar uma vez só. Porque a merda é quando você começa a assaltar todo dia, é óbvio que uma hora dessas você dança. O negócio é fazer um grande assalto só e cair fora, como aquele inglês do trem, que mora no Rio. O bom mesmo é roubar um banco.
Da minha janela, eu vejo os fundos de um banco. Antes de trabalhar na loja, depois que eu saí do supermercado, eu passava um tempão em casa. Sabia todos os horários do banco, a hora e os dias em que o carro forte chegava, os guardas, tudo. Os guardas ficavam parados do lado do carro vigiando, cada um com uma escopeta. Sem dúvida que ia ser perigoso, mas um cara armado, esperando no estacionamento, podia fugir com um saco daqueles. Ou dois. Quanto será que tem de grana num saco daqueles? Talvez um dia eu descubra.
Eu me desinteressei pelos horários do banco quando descobri a Sílvia. Eu vi ela de manhã, num domingo, de pijama de flanela, comendo bolacha maria e tomando café com leite. Ela molhava a bolacha maria no café e comia. O pijama estava um pouco aberto e dava para ver o sutiã. Acho que foi ali que eu me apaixonei.
Eu passei a olhar para a casa da Silvia todos os dias. Sabia a hora em que ela acordava e chegava.
O HOMEM QUE COPIAVA
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Resumo da história / escaleta:
Mateus é operador de uma máquina fotocopiadora numa pequena loja na periferia de Porto Alegre, uma cidade de 2 milhões de habitantes no sul do Brasil.(Apresentar local e bairro. Documentário sobre a associação e os bailes. Documentário sobre o hotel). Ele tem 26 anos e mora com a mãe num apartamento de fundos com vista para os fundos de outros prédios. Seu único amigo é Cardoso, vendedor de um brique.
Mateus consome seus dias apertando os dois ou três botões da fotocopiadora e lendo tudo que consegue daquilo que lhe entregam para copiar. Ele desenvolveu um sofisticado método de leitura dinâmica que lhe permite ler as cópias enquanto elas estão sendo feitas. Mateus só consegue ler a primeira metade da página no tempo em que a cópia é feita. Em virtude deste estranho método de aprendizado, seus conhecimentos não tem nenhum critério e são inteiramente fragmentados.
O espaço de trabalho de Mateus é dividido com o patrão, seu Gomide, a quem Mateus chama de “O Bolha”, e Marinês, a vendedora de revistas da loja. O pequeno salário, que garante o aluguel e o tratamento de saúde da mãe, e a possibilidade de ler durante o serviço é que mantém Mateus aprisionado àquela fotocopiadora.
Mateus consome suas noites vendo televisão e bisbilhotando a vida dos vizinhos pela janela, com a ajuda de um binóculo. Ele demonstra especial interesse pela vida de uma vizinha, Silvia, vendedora de uma loja de lingerie do bairro e sua paixão secreta. Tão secreta que eles nem se conhecem.
Eu me desinteressei pelos horários do banco quando descobri a Sílvia. Eu vi ela de manhã, num domingo, de pijama de flanela, comendo bolacha maria e tomando café com leite. Ela molhava a bolacha maria no café e comia. O pijama estava um pouco aberto e dava para ver o sutiã. Acho que foi ali que eu me apaixonei.
Eu passei a olhar para a casa da Silvia todos os dias. Sabia a hora em que ela acordava e chegava. Ela não vinha para o almoço. O pai e a mãe almoçavam vendo televisão. O banheiro ficava na frente da porta do quarto dela. Um dia o pai e a mãe tinham saído e ela deixou a porta do banheiro aberta. Pelo ângulo que eu estava, só dava para ver os pés, mas já foi demais. No dia seguinte que eu resolvi segui-la.
Mateus sonha em ganhar muito dinheiro e mudar de vida levando Silvia com ele. Sonha também em comprar livros para poder lê-los inteiros. Este sonho se torna uma obsessão. Mateus faria qualquer coisa para ganhar dinheiro. Qualquer coisa.
Mateus, Cardoso e Marinês vão ao Mama´s Grave. Cardoso se interessa por Marinês.
Esse aqui é o Marco, da loja, que me arrumou o convite. Esse é o Cardoso.
Prazer, Marco. Cardoso.
E aí?
Eu vou gastar a minha primeira cerveja. Com licença.
Interessante aqui. Um pouco abafado. E esse nome? Mama Grave?
É “greiv”. “Mama greiv”. O túmulo de mamãe, em inglês.
Túmulo de mamãe?
É.
Não devia ser “Mama’S Grave”?
É um trocadilho. Grave, greiv.
Ah. O pessoal tem mania de botar nome em inglês em bar. Você faz o quê?
Eu? Eu sou operador de fotocopiadora.
Como é?
Xerox. Trabalho no xerox.
Da loja?
Da loja.
Ah. Legal.
E você?
Eu? Eu trabalho com antiguidades. Peças de mobiliário, porcelana, estas coisas. Pena que aqui não tenha uma mesinhas na calçada.
É que passa ônibus, muita fumaça. Você tem que trabalhar de gravata?
Não, não.
E você e a Marinês…
Gostosa, não é?
Nossa senhora! Vocês…
Não, não. A gente trabalha na loja, só isso.
Sei.
Oi. Trouxe três copos. Essa primeira é minha, a próxima é de vocês.
Eu já tomei uma, antes de vocês chegarem. Só tenho mais uma.
A próxima é minha. Saúde.
Saúde.
Saúde.
Mateus conhece Sílvia na loja em que ela trabalha. Começam um namoro.
Eu esperei na frente do prédio dela, o nome do edifício é Saint Michele, imagine. Achei melhor ficar do outro lado da rua, perto de uma banca de revistas. Ela saiu na hora de sempre, comendo alguma coisa e correndo. Tive que correr também para pegar o mesmo ônibus, o 172. Ela passou a roleta. Eu sentei atrás, para não dar muita bandeira. Ela nem me viu, ficou lendo uma coisa, acho que do cursinho. Quando ela parou de ler eu passei a roleta. Ela levantou e tocou a campainha. Eu passei na frente dela, vi isto uma vez num filme. Desci antes dela e fiquei me fazendo de perdido, com um papel na mão. Ela saiu caminhando, apressada. Eu fui atrás. Ela entrou numa loja que ainda não estava aberta ao público. Loja Silvia. Eu ainda não sabia que era uma coincidência.
Esperei num bar. Tomei só um cafezinho. A loja abriu, paguei o cafezinho, cinquenta centavos. Entrei.
Pois não?
Eu… estou só dando uma olhada.
Se precisar de ajuda…
Obrigado.
Talvez ela trabalhe no estoque, escritório, estas coisas. Só se o dono da loja for muito idiota para deixar ela no estoque e essa outra atendendo.
O senhor já foi atendido?
Eu? Não, eu não. Pode me chamar de você.
Certo.Posso lhe ajudar?
É. Pode ser.
É um presente para a namorada?
Não é para mim…
Mateus olha em torno. É uma loja de lingerie e artigos femininos.
… nha mãe.
Talvez uma camisola, um chambre. Aniversário?
É. Pode ser.
Esse chambre está com um preço ótimo, dezoito reais. Olha que bonito.
É, bonito. Como é o seu nome?
O meu? Silvia.
Silvia?
Não, eu não sou a dona da loja. Quando eu vim trabalhar aqui a loja já se chamava Silvia.
Certo. Olha, obrigado, mas eu vou dar mais uma volta, dependendo… eu volto aqui. Achei bonito este chambre.
Você não quer ver as camisolas?
Não, obrigado. Vou ver se eu não encontro assim, uma coisa para a casa.
Você pode me dar dois pré-datados pelo chambre.
É? Hmm, legal. De repente… eu volto. Silvia, não é?
Isso.
Tá bom. Obrigado, hein?
Obrigado a você.
Obrigado a você. Ela já disse aquilo dobrando o chambre, foi uma coisa assim, automática. Obrigado a você. Caminhei pela calçada, sem saber para onde estava indo. Dezoito reais, ela deve ganhar dez por cento, um e oitenta. Digamos que ela venda dez coisas por dia, mais ou menos neste preço. Dezoito reais. Por mês, dezoito vezes trinta, se fosse vinte era seiscentos, menos dois vezes trinta, sessenta, quinhentos e quarenta, só em comissão. Se bem que não é vezes trinta, que ela não trabalha domingo. Vamos deixar por quinhentos. Talvez ela não venda dez coisas por dia, e talvez as coisas que ela venda não sejam tão caras como este chambre. Calcinha, camiseta, estas coisas, devem ser bem mais baratas. Quatrocentos. Fora o salário , que deve ser no mínimo igual ao meu, duzentos e pouco. Seiscentos e pouco, por mês. Razoável. Foi nesta hora que eu passei na frente do bric. Voltei e olhei bem, para ver se eu não tinha me enganado. Eu não tinha me enganado. Entrei.
Cardoso?
Sim?
Tá lembrando de mim?
Não.
Eu sou amigo da Marinês. Ela nos apresentou, lá no Mama Grave.
Ah, sim. Lembrei. Você trabalha na loja com ela, não é?
Trabalho. E você…
Só um momento.
Você me disse que trabalhava… como era mesmo?
Ô… como é mesmo o seu nome?
Marco.
Marco, você podia me dar um minutinho para eu terminar de atender a freguesa?
Tudo bem.
… era muito pior que ser operador de fotocopiadora. Sem dúvida.
Você quer o quê?
Você disse que trabalhava com…
E você quer que eu diga para uma mina gostosa daquelas que eu trabalho aqui? Não foi você que veio com um papo de operador de sei-lá-que-porra?
Fotocopiadora.
Ela me disse que você tira xerox.
É isso aí. Mas é melhor do que ficar …
Já sei. Você está a fim dela. É isso?
Eu? Eu não.
Então porque é que você tá botando areia?
Não estou botando areia nenhuma. Você é que quis dar uma de bacana, de terno e gravata, falando merda.
Tudo bem, tudo bem. Mas se você não tá a fim dela, podia me ajudar. Qual é o problema? Vai dizer que você nunca aplicou aquela de operador de fotocopiadora para cima de nenhuma garota.
Até já tentei.
Pois então. Fica na tua. Se você quiser, te apresento uma garota, a gente pode até sair os quatro juntos.
Não, obrigado. Eu já tenho namorada.
É? E o que é que ela faz?
Ela? Ela tem uma loja.
TEM uma loja? É dona da loja?
Exatamente.
Que loja?
Problema meu. Não se preocupe, eu não vou entregar você para a Marinês.
Como é o nome da loja?
Tchau.
O Bolha, patrão de Mateus, compra uma fotocopiadora colorida. Mateus aproveita a oportunidade e tenta fazer dinheiro falso. Depois de algumas tentativas frustradas, Mateus consegue fazer algumas notas de cem reais bastante parecidas com as verdadeiras. Ele passa as notas numa loja de decoração comprando uma cortina japonesa. Com medo de ser apanhado, Mateus troca o resto do dinheiro falso fazendo apostas em casas lotéricas.
Documentário sobre o método de escolha da lotérica: bancos, supermercados. ***
Mateus dá de presente a Silvia uma cortina japonesa que, por suas observações de binóculo, ele sabe ser quase inteiramente translúcida à noite.
*** Silvia não instala a persiana. Mateus paga a instalação.
Ela instala a cortina e agora Mateus pode observar todos os detalhes do quart. Tão melhor a ponto de descobrir que o pai de Sílvia, um gordo e suado agente de segurança, espia pela fechadura do banheiro quando ela entra no banho.
Mateus quer avisar Sílvia, mas não sabe como.
Mateus então decide apressar sua independência. Os trocados do dinheiro falso não vão tirá-lo daquela vida. Além disso, seu Gomide está desconfiado que Mateus usa a fotocopiadora fora do serviço e começa a controlá-lo. Mateus resolve então usar o dinheiro para comprar uma arma e assaltar o banco.
O banco pode ser visto de sua janela e Mateus sabe tudo sobre os horários dos guardas e da entrega de dinheiro. Incapaz de levar o plano de assalto adiante sem ajuda, Mateus conta tudo à Cardoso. Planejam muito cuidadosamente o assalto. Mateus, com o dinheiro que guardou e algum que fabricou, compra uma arma de Feitosa, traficante da região.
Chega o dia do assalto, que não sai exatamente como o planejado. Mateus usa uma meia para não ser reconhecido mas é surpreendido pelo segurança do banco que, para o azar de Mateus, é o padrasto de Silvia, que vê o seu rosto. Mateus, antes de fugir com dois sacos de dinheiro, acaba acertando um tiro na perna de Antunes.
*(no meio da fuga encontrar o gordo da janela na rua e perguntar que música ele ouve **)
Mateus chega em casa tempo de ver Antunes na televisão dizendo que viu muito o bem o rosto do assaltante e que vai fazer um retrato falado. Mateus se apavora e prepara sua fuga. Despede-se de Silvia, explica a situação para Cardoso e passa na loja, onde ele vê os números sorteados na loteria e descobre que ganhou cinco milhões de reais.
Mateus não fala a ninguém sobre o prêmio. Se esconde em casa e fica esperando os jornais do dia seguinte que trarão a reportagem sobre o assalto ao banco. Conta o dinheiro do assalto. Têm mais de um milhão.
O jornal chega estampando o retrato falado do assaltante na primeira página. O retrato não é nem de perto parecido com Mateus. Lembra o Michael Jakson. A reportagem diz que a polícia não tem pistas do assaltante mas conhece a numeração das notas roubadas. Junto com o jornal chega uma correspondência com um cheque, pagamento por uma ilustração que ele mandou para uma revista. O editor elogia o trabalho dele e pede mais ilustrações.
Mateus, antes de ir trabalhar, passa num salão de beleza e muda radicalmente o corte e a cor do cabelo. Na loja os assuntos do dia são o assalto ao banco e o ganhador da loteria que, já se sabe, fez a aposta numa agência lotérica do bairro.
Mateus tem medo de aparecer para receber o prêmio e ser reconhecido por Antunes. Resolve então entregar o talão da loteria para Cardoso.
Cardoso se apresenta e recebe o prêmio. Dá muitas entrevistas e acaba seduzindo Marinês.
Mateus tem agora dois problemas: como se livrar do dinheiro roubado e como procurar Silvia sem ser reconhecido pelo seu padrasto?
Cardoso e Marinês não tem mais problema algum. Gastam muito, comem nos melhores restaurantes, vestem-se com as melhores grifes. Mateus compra um carrão. Marinês reclama da cor. Transformados em seus próprios sonhos de consumo, transam pela primeira vez.
Mateus procura Silvia na loja, diz que ganhou algum dinheiro e que vai se mudar, diz que a ama mas não pode lhe dar o endereço por enquanto. Durante a conversa, Mateus quase é surpreendido por Antunes.
Mateus fica sabendo que Guedes, o traficante que lhe vendeu a arma, foi preso por passar dinheiro falso e que Feitosa, seu sócio, está atrás de dele.
Mateus muda-se para o hotel, mais perto do apartamento de Sílvia. Comprou uma luneta. Mateus observa Silvia em seu quarto. Ela mostra um cartaz: eu sei tudo.
Se encontram na loja. Ele a convida para jantar, com o pai. Ela conta que Antunes não é seu pai, mas padrasto.
Encontram-se num restaurante muito caro. Antunes, que ficou manco graças ao tiro que levou, pensa ter reconhecido Mateus, mas não sabe de onde. Mateus age como se fosse um velho frequentador do restaurante. Mateus fala sobre vinhos como um grande conhecedor mas só sabe as primeiras linhas de um artigo sobre vinhos que copiou. Mesmo assim, Antunes fica maravilhado com o futuro genro milionário.
Feitosa já descobriu que Mateus saiu da loja e que Silvia é sua namorada.
Mateus e Silvia no hotel. Transam. Ela confessa ter sempre sonhado em viver com um operador de fotocopiadoras. Mateus convence Silvia a fugir. Ela não entende porque e ele não pode contar a ela nem sobre Feitosa, nem sobre o assalto.
Mateus resolve procurar Antunes. Diz que vai embora com Silvia. Antunes revela que sabe que Mateus é o assaltante do banco e que não vai deixar que ele leve Silvia. Pelo menos não de graça.
Mateus, com o binóculo, vê Feitosa seguindo Silvia até a porta de seu prédio.
Mateus, Silvia, Cardoso e Marinês armam o plano final para se livrar de Antunes e Feitosa.
Silvia escreve uma carta. Cardoso põe a carta num envelope, fecha o envelope, escreve um bilhete e põe tudo dentro de um outro envelope. Mateus põe o envelope no correio.
Mateus, pelo telefone da loja de revistas, marca um encontro com Feitosa no apartamento de Silvia.
Mateus fabrica mais algum dinheiro falso. Mistura o dinheiro falso ao dinheiro roubado do banco que ainda resta e põe tudo numa sacola. Pega a arma.
Cardoso põe fotos pornográficas, algemas, maconha, cocaína e outras drogas, tudo numa maleta. Pega uma galinha.
Marinês veste uma roupa ultra sexy.
Feitosa chega no apartamento. Marinês o recebe. Com um tiro.
Marinês e Sílvia enrolam o cadáver num plástico e põe no freezer. Cardoso põe a arma de Feitosa na maleta com as drogas e o dinheiro. Marinês limpa a própria arma e põe na geladeira
Silvia, na cozinha de sua casa, esvazia a geladeira. Experienta o botão que, quando aberta a porta, acende a luz da geladeira. Liga e desliga a luz. Desliga a geladeira da tomada e quebra a lâmpada. Silvia então vai até o fogão, desliga o registro do botijão de gás e corta o cano plástico que liga o botijão ao fogão.
Cardoso e Mateus pegam o botijão e põe dentro da geladeira. Silvia abre o registro do botijão, fecha bem a geladeira. Mateus, com cuidado, liga a geladeira na tomada.
Silvia esconde todo o conteúdo da geladeira na máquina de lavar roupas, menos uma lata de cerveja que ela coloca no chão, bem em frente à porta. Cardoso põe a galinha dentro do armário da sala.
Antunes chega em casa, entra na cozinha e sente o cheiro de gás. Vai até o fogão, mas todos os registros parecem fechados.
Na frente do prédio, Cardoso, num telefone e público, comunica um fortíssimo cheiro de gás no prédio aos bombeiros.
Antunes vê a lata de cerveja no chão. Estranha e examina a lata. Abre a geladeira. A luz quebrada se acende.
Na frente do prédio, dentro do carro, Mateus, Silvia, Cardoso e Marinês vêem a grande explosão que destrói o apartamento.
O carro se afasta, cruzando com os bombeiros que se aproximam.
Dia. O inspetor Cecílio verifica a cena do crime. O sargento Torero descreve a cena: fala do cadáver no freezer, das duas armas, do assalto ao banco onde o dono da casa era o vigia, da fuga de Feitosa da cadeia, das drogas, do dinheiro falso e do dinheiro do banco, do material pornográfico, da comida na máquina de lavar roupa, do butijão de gás na geladeira. Há uma carta da enteada, do Rio de Janeiro. O carimbo no selo é de três dias atrás. Na carta, Silvia manda lembranças, diz que chegou bem ao Rio e que o embarque para a Europa será na manhã seguinte. Torero supõe que o dono da casa tenha matado o cúmplice do assalto e caído numa armadilha. Fala da galinha no armário da sala. A galinha sobreviveu. O inspetor Cecílio diz que detesta segundas feiras.
No Corcovado, os quatro observam a paisagem.
Fim.
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