Ontem foi dia de rever VERDES ANOS, filme feito por jovens cheios de vontade de fazer do cinema o seu jeito de gritar. Na plateia, extremamente afetiva, jovens idosos nos seus 60 ou 70 anos se relembravam onde tinham assistido ao filme há 40 anos, e jovens que estavam conhecendo o filme pela primeira vez. Os olhares não eram muito diferentes, o que demonstra que o filme diz muito a quem o assiste em 2024.
Mas não era aquele o meu olhar. Saí reticente daquela sessão do Festival de Gramado há 40 anos. Claro que estava feliz pelo feito: jovens como eu, e muitos deles meus amigos, chegavam à bitola profissional fazendo cinema em Porto Alegre. Mas achava que eles tinham careteado. Fui para a sessão com a expectativa de assistir a um filme tão vigoroso e com o frescor de “Deu pra ti anos 70”. E não era. Na pretensão dos meus 24 anos, achei um filme formalmente careta, com medo de errar. Talvez não tivesse outra forma de fazer já que filmaram um longa com apenas 35 latas de negativo (numa média de 1,5 pra 1).
Ontem meu olhar foi completamente diferente. Formalmente o filme continua, sim, sendo bastante contido, mas tem uma estrutura narrativa ousada e madura, uma estrutura de quem já dominava a arte de contar histórias e não tinha medo de errar. E mais do que isso, Verdes Anos é extremamente arrojado (e atual) em muitas abordagens: no olhar crítico ao machismo daqueles jovens de classe média; na presença do abuso sexual e psicológico existente e na forma cruel como Danilo não acolhe Rosemari, abusada por seus pares; no feminismo da turma da Marieta; nas incoerência de Robertão, o machão que só quer brigar; na professora, que sem dizer nada, retrata o que tá acontecendo naquele país e que não pode ser dito; ou que só pode ser vociferado pelo professor de esquerda que tem as costas quentes; e, principalmente, na sutil virada de Nando, que só faz o seu rito de passagem quando sai daquela bolha, quando conhece Cândida.
VERDES ANOS envelhece muito bem. Meus amigos e companheiros de jornada nesses 40 anos já tinham o que dizer. E que bom que tiveram a coragem de fazer com tão pouco, para que muitos outros viessem atrás e entendessem que era possível fazer cinema no RS.
Nessa sessão de 40 anos, foi lembrado o que Luis Fernando Veríssimo disse na Zero Hora de 22 de maio de 1984: “Você vai ver Verdes Anos pela primeira vez pra dar uma força. Afinal é uma gurizada, gente daqui, pouco dinheiro, essas coisas. Você ri pela primeira vez de boa vontade. A segunda de surpresa. A terceira de entusiasmo. As carências de produção são evidentes, mas com dez minutos de filme você está entregue ao seu charme. Mas você vai gostar mesmo é na segunda vez. Na terceira, então, nem se fala.”
Não sei quantas vezes assisti a Verdes Anos, mas talvez só ontem consegui ver tudo o que ele tinha pra dizer.
- Essa citação de Veríssimo está na introdução no livro “Verdes Anos, memórias de um filme e de uma geração” de Alice Trusz.
- Não deixem de assistir a “Veríssimo”, o documentário de Ângelo Defanti. É muito bom.