Emily Dickinson é uma das minhas poetas favoritas, de vez em quando saio em busca de novas traduções, quase sempre encontro. Minhas preferidas ainda são as de Primavera da Neves, que estão numa biografia de Dickinson, ela assinou a tradução como Vera Neves Pedroso.
Emily Dickinson (1830 - 1886) publicou alguns poucos poemas, nem todos assinados, em jornais e revistas. Há muitas histórias sobre sua vida reclusa, o fato é que a sua vasta e espantosa produção só foi descoberta após a sua morte: ela deixou cerca de 2500 poemas manuscritos e mais de mil cartas.
Dickinson escreveu muito durante seis anos (1858-1864). Neste período, copiou mais de 800 de seus poemas em 40 pequenos cadernos. Ela não deu título nem datou seus poemas, que foram coletados e organizados por dois estudiosos, T. H. Johnson e R. W. Franklin. Johnson e Franklin fizeram a catalogação de 1750 poemas, mas cada um numerou os textos segundo seus próprios critérios, por isso hoje os poemas de Dickinson são chamados assim, J449-F448, como se fossem senhas de internet.
Você pode ver os manuscritos no site do Museu Emily Dickinson (link nos comentários), mas o melhor a fazer é esquecer as classificações - que ela não fez - e apenas ler os poemas. Descobri novas traduções, muito boas, do poeta Cesar Veneziani, que é mestre em Estudos da Tradução pela FFLCH-USP. Este, o J1263-F1286, é um belo elogio ao livro.
Não há fragata como um livro
Em uma travessia,
E nem um prado como o verso
De brava poesia.
E do mais pobre esta é a viagem
sem uma taxa insana:
como é frugal a carruagem
que ostenta a alma humana!
Emily Dickinson, J1263-F1286, tradução de Cesar Veneziani.
O original:
J1263 - F1286
There is no frigate like a book
To take us lands away,
Nor any courses like a page
Of prancing poetry.
This traverse may the poorest take
Without oppress of toll;
How frugal is the chariot
That bears a human soul!
Este também é muito bom:
NÃO SOU ninguém! Você é quem?
Não é ninguém também?
Então há um par em nós - segredo!
Vão nos banir, por certo.
Que triste ser alguém!
Que fala, feito um sapo
Teu nome todo dia e além
Para um atento lago.
Emily Dickinson, J288-F260, tradução de Cesar Veneziani.
O original.
J288 - F260
I’m nobody! Who are you?
Are you nobody, too?
Then there ‘s a pair of us-don’t tell!
They ‘d banish us, you know.
How dreary to be somebody!
How public, like a frog
To tell your name the livelong Day
To an admiring bog!
No site do Departamento de Letras Modernas da UNESP, descobri que um dos meus poemas preferidos de Emily Dickinson, o J449-F448, tem 21 traduções publicadas em português. Minha favorita continua sendo a de Primavera da Neves. Seguem algumas, escolha a sua.
J449-F448
I died for Beauty - but was scarce
Adjusted in the Tomb
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining Room -
He questioned softly “Why I failed”?
“For Beauty”, I replied -
“And I - for Truth - Themself are One -
We Brethren, are”, He said -
And so, as Kinsmen, met a Night -
We talked between the Rooms -
Until the Moss had reached our lips -
And covered up - our names
Emily Dickinson, J449-F448
Tradução de Primavera das Neves (1965)
Morri pela beleza - mas mal estava
Ajustada no túmulo
Quando alguém que morreu pela verdade foi posto
Numa câmara adjacente.
Perguntou-me suavemente “Por que morreu?”
“Pela Beleza”, repliquei.
“E eu, pela verdade. As duas são a mesma.
Somos irmãos”, disse ele.
E assim, como parentes que se encontram,
Conversamos de túmulo para túmulo
Até que o musgo aos lábios nos chegasse
E tivesse coberto os nossos nomes.
Tradução de Manuel Bandeira (1943)
Morri pela beleza, mas apenas estava
Acomodada em meu túmulo,
Alguém que morrera pela verdade
Era depositado no carneiro contíguo.
Perguntou-me baixinho o que me matara:
– A beleza, respondi.
– A mim, a verdade - é a mesma coisa,
Somos irmãos.
E assim, como parentes que uma noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo,
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
Tradução de Cecília Meireles (1954)
Morri pela beleza, e ainda não estava
Meu corpo à tumba acostumado
Quando alguém que morreu pela verdade
Foi posto do outro lado.
Brandamente indagou: “Por quem morreste?”
“Pela beleza” disse. “Pois
Eu, foi pela verdade. Ambas são o mesmo.
Somos irmãos, os dois.”
E assim, parentes de noite encontrados,
Conversamos entre as paredes,
Até que o musgo nos chegasse aos lábios
Nossos nomes cerrando em suas redes.
Tradução de Jorge Wanderley (1984)
Morri pela beleza e mal chegara
A me ajustar ao meu túmulo
Quando alguém, que morreu pela verdade,
Foi estendido ao meu lado.
Suave perguntou por que eu morrera.
“Pela beleza”, eu lhe disse.
“E eu pela verdade - o que é o mesmo;
Somos irmãos”, respondeu.
E assim, como parentes reunidos,
Conversamos noite a dentro
Até que o musgo alcançou os nossos lábios
E recobriu nossos nomes.
Tradução de Ivo Bender (2002)
Morri pela beleza, mas estava apenas
No sepulcro acomodada
Quando alguém que pela verdade morrera
Foi posto na tumba ao lado.
Perguntou-me, baixinho, o que me matara:
“A beleza,” respondi.
“A mim, a verdade, - são ambas a mesma coisa,
Somos irmãos”.
E assim, como parentes que certa noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
Tradução de Augusto de Campos (2008)
Morri pela Beleza - e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo -
“Por que morreu”? murmurou sua voz.
“Pela Beleza” - retruquei -
“Pois eu - pela Verdade - É o Mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei” -
E assim Parentes pela Noite, sábios -
Conversamos a Sós -
Até que o Musgo encobriu nossos lábios -
E - nomes - logo após-