O quadrado mágico é uma utopia palindrômica. O ponto de partida é o clássico “quadrado Sator” - que eu espero que um dia alguém me explique o que quer dizer, e em que língua -, mas que sem dúvida apresenta uma simetria espantosa: 5 palavras, de 5 letras cada, formando uma frase (?) “quadripalindrômica”, ou seja: que pode ser lida em quatro sentidos:
Sei de várias tentativas de quadrados semelhantes, mas, ao menos na língua portuguesa, não lembro de nenhuma que possa ser chamada de FRASE. Só que, há algum tempo, alguém repensou a regra e propôs uma pequena subversão que pode dar resultado: o texto segue tendo 25 caracteres e a leitura quádrupla se mantém, mas (aí o truque) as palavras não precisam ter 5 letras cada. Um quadrado truncado mas, ainda assim, “mágico”.
Ora, podendo “quebrar” as palavras do quadrado, a construção deixa de ser tão difícil assim. Numa única noite de insônia palindrômica consegui compor 8 desses, com qualidades variáveis, um que outro até quem sabe não dê vergonha de mostrar.
A principal preocupação de quem entra nessa viagem de tentar compor um quadrado mágico, truncado ou não, mas com a simetria necessária, é o padrão de repetição das letras. O máximo de letras diferentes que o quadrado de 5x5 permite é 9; as outras 16 necessariamente serão repetidas.
Por que isso? Ora, se a primeira linha é livre (ABCDE), a quinta tem que ser exatamente o inverso (EDCBA), a segunda necessariamente tem que começar com B e terminar com D, a terceira tem que começar e terminar com C, e assim por diante. No fim das contas, qualquer quadrado mágico de 5x5 tem que ter esse formato:
9 letras /ABCDEFGHI/
O “quadrado sator” original consegue empregar 8 letras, quase o máximo. A única repetição não-obrigatória é o “R” de AREPO, que repete a letra final de SATOR.
8 letras /SATOREPN/
Se usássemos ALEPO em vez de AREPO (afinal, até hoje ninguém conseguiu comprovar o que isso significa), teríamos 9 letras diferentes, o máximo possível:
9 letras /SATORLEPN/
Dos que eu consegui compor, só um usou 8 letras diferentes, e não foi o melhor deles:
(1) Rola cones além elas, e no calor.
8 letras /ROLACNSEM/
Com 7 letras, tem o meu favorito e outro nem tanto:
(2) Rata má, fera, teme tarefa: matar.
7 letras /RATMFER/
(3) Iodos o demo deve; do medo, só dói.
7 letras /IODSEMV/
Com 6 letras, o texto já começa a ficar bastante repetitivo, o que às vezes pode resultar em boas aliterações. Mas não me parece ter sido o caso aqui:
(4) É só da saga do gago: dá gás à dose.
6 letras /ESODAG/
(5) O pó ao pó: dia, o dedo aí, do pó ao pó.
6 letras /OPAIED/
(6) Lá na balada, na manada lá, banal.
6 letras /LANBDM/
E teve um até com apenas 5 letras diferentes, que ficou interessante:
(7) Amada moça da cocada com a dama.
5 letras /AMDCO/
Mas, se eu quiser forçar a barra, dá pra fazer com apenas duas letras. No caso, parafraseando o Fábio Aristimunho:
(8) Arara rara. Rara? Rá-rá-rá-rá! Rara…
2 letras /AR/
Palíndromos são assim. Uma forma de escrita constrangida que às vezes faz o mesmo com seus autores.
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