Movido por um genuíno sentimento de rejeição ao conceito e principalmente à forma como ele tem sido apresentado por toda parte desde o início deste século, procurei no Google: “antônimos de empreendedorismo”. Os dicionários parece que não estavam preparados para a questão. Mas encontrei em vários locais a citação “o contrário de empreendedorismo é conservadorismo”.
Em geral não me considero conservador, mas reconheço que a idade (ou a rabugice) às vezes me leva a tomar posições que, sim, podem ser consideradas conservadoras - algumas das quais me envergonham e procuro corrigir; outras, nem tanto. No caso, não cheguei a me sentir ofendido pela frase, mas a resposta não me pareceu satisfatória.
Voltei ao Google e busquei: “antônimos de empreendedor”. E aí veio a lista que eu procurava: tanjão, sedentário, pachola, bandarra, calaceiro, gandaieiro, mandrana, rascão, vadio, mandrião, indolente, bilhardeiro, inativo, preguiçoso, madraço.
Na ideologia do nosso tempo, o mundo se divide em dois - de um lado, os empreendedores; de outro, esse pessoal todo aí do parágrafo acima. Os empreendedores levam o mundo adiante, os demais atrapalham. “Atlas shrugged” como dizia aquela senhora para quem a maior virtude moral de um ser humano seria o egoísmo.
Adaptando a série de adjetivos para os substantivos correspondentes (quando existem), podemos então considerar que “antônimos de empreendedorismo” são: sedentarismo, pacholice, bandarrice, calaçaria, gandaia, mandranice, vadiagem, indolência, inatividade, preguiça. Será mesmo?
Gandaia, por exemplo, vem do árabe ‘gandûr’, jovem de classe modesta, que afeta elegância, procura agradar as mulheres, vive sem trabalhar, tomando facilmente as armas. Tirando a “classe modesta”, parece uma boa descrição de um herdeiro da Faria Lima.
Bandarra originalmente é adivinho, vidente, antropônimo do poeta português Gonçalo Anes Bandarra, que no século XVI ficou conhecido por suas trovas proféticas. Essa eu dispenso.
Rascão era como se chamava no século XVII o pajem ou aio - segundo Bluteau porque, cheio de piolhos, estava sempre a se coçar (‘rascar’). O que certamente se resolveria via empreendedorismo, privatizando o saneamento básico.
Calaça, de etimologia obscura, era o imposto que se pagava com uma porção de carne. Mas fiquei em dúvida: o calaceiro, avesso ao empreendedorismo, seria quem paga ou quem cobra a calaça? Calaceiro é quem precisa dar a própria carne pra não ser preso, ou quem vive às custas da carne dos outros? De que lado mesmo tá o empreendedor aí?
Bilhardeiro era o praticante de bilharda (do fancês ‘billard’), um jogo medieval que mais tarde gerou o bilhar, a sinuca, etc. Aparentemente, jogar bilharda era considerado uma atividade improdutiva de quem não tinha alguma atividade produtiva, como por exemplo jogar na Bolsa.
Sedentário, do latim ‘sedentarius’, é aquele que trabalha sentado. Como montador de cinema e televisão, é o meu caso. Como professor (que eu também sou), só na hora de preparar aula e corrigir provas - pensando bem, a maior parte do tempo. Aula é apenas o momento em que o sedentário precisa ficar de pé. Mas o EAD vem aí pra corrigir isso.
Mandrana e mandraço são variações de mandrião, e todas elas vêm do italiano ‘mandria’, através do espanhol ‘mandrión’: é preguiçoso mesmo. Às vezes é bom.
Tanjão é uma boa derivação: aquele que só trabalha quando é tangido, empurrado. E quem empurra é o quê?
Indolente era aquele que não sentia dor (do verbo latino ‘dolere’, doer), mas aos poucos foi virando também sinônimo de insensível, indiferente; depois sem vitalidade, lento; por fim preguiçoso, negligente. Ou seja: não mais ‘quem não sofre com a própria dor’, mas ‘quem não percebe a dor dos outros’. Como o administrador público que não vê motivos pra consertar as casas de bombas ou renovar o sistema de proteção contra enchentes.
Pachola pode ser um indivíduo bom, simples, ingênuo, para quem tudo está bem. Quanto será que eu ainda preciso empreender pra chegar lá?
Vadio vem do latim ‘vagativus’, que significa simplesmente: sem preocupação. Quem me dera.
Quanto mais eu conheço os empreendedores, e as palavras com que eles definem o resto do mundo, mais me dá vontade de ser vadio.