Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado no "Real virtual"

CASA DE CINEMA DE PORTO ALEGRE NA REAL_VIRTUAL
Rodrigo Fonseca
Estadão, 07/11/2020 | 11h41

Parceiros de longa data, colegas nos curtas seminais “Barbosa” (1988) e “O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda” (1986), fora outros experimentos da Casa de Cinema de Porto Alegre, Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado deram ao seminário online Na Real_Virtual um tempero de poesia ao falarem do papel libertador da palavra para a linguagem audiovisual. Ana tem um filmaço em cartaz, “Aos Olhos de Ernesto”, que segue na rede Espaço Itaú, tendo Jorge nos créditos de roteiro. E ele tem a série “Amor e Sorte”, ligada à pandemia, no ar no Globoplay. A troca entre os dois trouxe um perfume de encanto e de companheirismo ao simpósio produzido por Márcio Blanco e sua Imaginário Digital, a partir de uma curadoria feita pelo cineasta Bebeto Abrantes e pelo crítico Carlos Alberto Mattos. Para ficar por dentro dos colóquios montados por eles, basta acessar o link https://imaginariodigital.org.br/real-virtual/parte-2. Lá tem mais infos sobre Ana Luiza e Jorge.

“Existe um sabor na palavra que é muito delicioso. Eu fiz dois longas epistolares, sobre cartas. Não há nada menos cinematográfico do que uma carta. E, nos diálogos de um roteiro, é preciso se chegar à palavra exata, pela prosódia”, disse Ana Luiza.

“Quando eu fiz ‘Ilha das Flores’ (o mais aclamado dos curtas nacionais, laureado com um Urso da Berlinale), percebi que tinha um filme que podia passar no rádio”, disse Furtado. “Não concordo que uma imagem vale mais do que mil palavras. Uma palavra é que vale por mil imagens. A palavra é poderosa e não tem por que não ser usada. Uma voz em off ou um voice over no cinema nunca deixará de ser reinventado porque tem a força da palavra e a reinvenção é da natureza da literatura. Lembro de um filme do Arthur Omar, ‘O Inspetor’, em que ouvimos um off incrível, em um contraste com a imagem de um homem muito forte sendo pego pela sunga por um policial. Vemos a cena e Omar diz: ‘A sensação que ele tinha era de não estar em Paris’. Nada mais inventivo para a palavra”.

Ao longo de duas horas de papo, o debate com Mattos e Abrantes teve como eixo o longa “Quem É Primavera das Neves”, de 2017, que Ana pilotou em parceria com Furtado, inspirada pela beleza do nome de sua personagem. O que vemos é um perfil da tradutora de origem portuguesa Primavera Ácrata Saiz das Neves (1933-1981). No longa, Ana e Furtado revisitam o legado de traduções dela, relendo seus poemas e suas cartas (a partir de uma lúdica intervenção da atriz Mariana Lima), reconstituindo sua trajetória por meio de depoimentos do ex-marido de Primavera, Manuel Pedroso Marques, e de duas grandes amigas delas, a artista plástica Anna Bella Geiger e a bibliotecária Eulalie Ligneul.

“O envolvimento do Jorge era muito forte com essa história. E eu aceitei dirigir o filme com ele para tê-lo como personagem”, diz Ana. Algumas vezes, a ficção nos leva a entender melhor uma situação real, talvez por tentar traduzir o que tem por trás do gesto. Bourdieu diz que ‘Roma, cidade aberta’ retrata melhor a guerra do que qualquer documentário”.

Nesta segunda-feira, o Na Real_Virtual vai para o terreno das narrativas indígenas, num papo com Vincent Carelli e Alberto Alvares Guarani, às 19h. A trupe de talentos convidados para as próximas conversas inclui Adirley Queirós, Ana Luiza Azevedo, Claudia Priscilla, Eryk Rocha, Evaldo Mocarzel, Joel Zito Araújo, Kiko Goifman, Lúcia Murat, Roberto Berliner, Sandra Werneck, Silvio Da-Rin, Susanna Lira e Walter Salles.