por Giba Assis Brasi
(agosto de 1999)
publicado originalmente no Não 66
O Gerbase é testemunha: Esta era a minha primeira e entusiasmada proposta pra título do nosso primeiro (e, felizmente, meu único) longa-metragem em 35 mm, já lá se vão 16 anos. A idéia era simples: nossa “turma”, que faz super-8 há algum tempo, e que, segundo alguns críticos e comentaristas e exegetas e segundo nós mesmos, se especializou em crônicas juvenis auto-referenciadas, estréia no cinema “profissional” fazendo exatamente o que se pode chamar de uma crônica juvenil auto-referenciada. Antecipando os comentários maldosos feitos na frente do espelho (“vocês vão continuar fazendo isso?”), eu mesmo tentei me responder: “a gente ainda nem começou”.
Claro que tinha também uma referência que eu julgava pertinente aos personagens do filme, especialmente às transformações que eu, o ator e o assistente de direção estávamos tentando fazer no protagonista, com a resistência do meu co-diretor e contra a vontade expressa do roteirista: em plena filmagem, eu liderava uma conspiração (equivocada, é claro) para fazer com que o filme se tornasse o túmulo das crônicas juvenis auto-referenciadas. Pra quem se deu ao trabalho, e ainda se lembra: na manhã seguinte, saindo da prisão, Nando, ao negar as brincadeiras de Dudu e as inconseqüências de Teco e sair em busca da Cândida encontrada já no fim da noite, estaria dizendo ao mundo apenas isso: “a gente ainda nem começou”.
Mas a minha proposta caiu por terra quando eu imaginei, não lembro se provocado por algum opositor da idéia, o título do filme na fachada do cinema. Parecia uma declaração de princípios barata, um anti-dogma numa época tão cheia de heresias, o baixo orçamento guindado à condição de peça de marketing muito antes dos “mariachis” e “blair witch projects” da vida: se a gente conseguiu fazer este filme sem nenhum centavo de dinheiro público, com 23 dias de filmagem, 35 latas de negativo e APENAS 15 mil dólares, imagina só depois que tomarmos a Embrafilme. Em cinco palavras: “a gente ainda nem começou”.
Voltei atrás. Passei a defender “Volta na quadra”, título de um belo poema do roteirista Alvaro Teixeira, que àquela altura já estava puto comigo por causa das alterações feitas no roteiro. Um termo gaúcho, urbano, juvenil e que representava a limitação de horizontes daqueles personagens todos, antes do que eu julgava ser a “libertação” final do protagonista. Não deu certo: minha súbita conversão terminou provocando uma até então insuspeitada aliança entre o roteirista, o diretor de produção e o produtor executivo em torno da manutenção do título do conto original: “Verdes anos”. O único que se manteve coerente até o final foi o Gerbase, que, por motivos provavelmente diferentes dos meus, até hoje acha que o filme deveria se chamar “a gente ainda nem começou”.
Logo depois da queda do muro de Berlim, este título voltou a me bater com força: achei que ele podia significar, naquele momento, a defesa do socialismo contra as novas e velhas barbáries, incluindo-se aí até mesmo o recém sepultado “socialismo real”. Cheguei a propor que ele fosse usado como slogan de nossa primeira campanha política como profissionais, em 1992: a de Tarso Genro para prefeito de Porto Alegre. Claro que não fui levado a sério, nem pelo Jorge, nem pelo Gerbase, e muito menos pela coordenação de comunicação da campanha. Mas em 1994, na segunda campanha do Lula para Presidente, a frase completa chegou a ser usada, e eu nunca fiquei sabendo por quem. Lembro que a Folha de São Paulo deu meia página explicando a origem da frase e considerando ridícula a associação - o que me deixou ainda mais satisfeito: era uma garantia de que eu estava certo. Eu e o membro da equipe de Lula que, num dia de entrevista coletiva, colocara no quadro do QG da campanha, escrita a giz, a citação ao mestre Raul Seixas:
“Todo jornal que eu leio
me diz que a gente já era,
que já não é mais primavera.
Mas baby, oh baby,
a gente ainda nem começou.”
[Raul Seixas e] Giba Assis Brasil