A POLÊMICA DA RECOMPRA

por Giba Assis Brasil
(12/04/1998)
publicado originalmente no Não 54

INTRODUÇÃO

Em outubro do ano passado, por indicação do Rogério Ferrari, entrei na lista de discussão Cinema Brasil. Lendo as mensagens, percebi que algumas pessoas procuravam falar sobre os novos mecanismos de captação de recursos para produção, sobre as dificuldades de se adequar às novas regras, etc. - mas ninguém chegava a questionar diretamente a Lei do Audiovisual. Então resolvi entrar no debate, chamando a atenção para um assunto que ainda não havia sido tratado: a recompra. Gerou uma polêmica interessante, com alguns desdobramentos até agora não totalmente resolvidos.

O Não não é uma lista de discussão. Tentar reproduzir aqui a polêmica original é evidentemente redutor: torna-se linear o que era múltiplo, petrificado o que era vivo. Mas a linearidade forçada também nos ajuda a seguir melhor as conseqüências de cada mensagem, de cada frase.

Tomei a liberdade de editar as mensagens, cortando frases de apresentação, repetições, desvios de assunto e mesmo alguns didatismos aqui tornados desnecessários. Mesmo assim, ficou imenso. Salve o texto em seu disco rígido e leia mais tarde, desconectado - ou, pelo menos, não tente me mandar a conta telefônica depois.

Giba Assis Brasil 12/04/98


ÍNDICE DAS MENSAGENS

  1. RECOMPRA (Giba Assis Brasil)
  2. CASCAS DE BANANA (Roberto Farias)
  3. CPI DO CINEMA (Daniel Santos)
  4. JUSTO E CORRETO (Marcos Manhães)
  5. TENTANDO ENTENDER (Giba Assis Brasil)
  6. NO CAPITALISMO É ASSIM (Roberto Farias)
  7. EM DEFESA DA LEI (Marcos Manhães)
  8. COMISSÕES DE ÉTICA (Guilherme de A.Prado)
  9. AS VAQUINHAS DE SAMPA (Cláudia Siqueira)
  10. ISSO TEM QUE ACABAR (Daniel Santos)
  11. TEMPO DO COLLOR (Guilherme de A.Prado)
  12. ADEUS, CLÁUDIA! (Marcos Manhães)
  13. E AS ACUSAÇÕES? (Roberto Duarte)
  14. DEIXAR O LEÃO RUGIR (Roberto Farias)
  15. DEPOIS DA BOMBA (Marcos Manhães)
  16. A FAVOR DA RECOMPRA (Roberto Farias)
  17. FÓRUM ESPECÍFICO (Marcos Manhães)
  18. PENSAMENTOS (Vera Zaverucha)


Não trabalho em cinema, não entendi o que significa “recompra”, não sei o que é essa tal lei do audiovisual, só entrei nessa página porque me disseram que tinha mulher pelada.


(1) Minha primeira mensagem para a lista foi dia 14 de outubro. Aí começou o assunto RECOMPRA:

(…) Resolvi meter minha colher nesse assunto, só pra citar algumas historinhas que eu tenho ouvido por aí. Antes de mais nada, como disse o personagem do Marlon Brando no Último Tango em Paris: “sem nomes, por favor”. Número 1: Um corretor chega em Porto Alegre, dizendo-se com experiência em venda de filmes na CVM no Rio e São Paulo. Oferece-se para vender o projeto da minha produtora. Minha sócia, que está sofrendo pra vender as tais cotas, aceita, alegre, envaidecida, entusiasmada. Em seguida o sujeito pergunta: “Qual é a taxa de recompra com que vocês estão trabalhando?” E ela, séria, caindo na real: “Nós não trabalhamos com recompra”. O sujeito olha pra ela como quem encara um fóssil pré diluviano, dá uma desculpa rápida e vai embora. Dois dias depois, comenta com um jornalista local, meu amigo: “Eu não entendo, no Rio e São Paulo isso é tão comum, mas aqui em Porto Alegre eu só encontrei UM produtor que trabalha com recompra…”

Pra quem não sabe: RECOMPRA é o novo nome do velho RECIBO FRIO. O empresário te dá 100 pra aplicar no teu filme, desconta os mesmos 100 do Imposto de Renda, mas você tem o compromisso de, mais tarde, recomprar as cotas dele por 50. No fim das contas, o governo anuncia que deu 100 de incentivos fiscais pro cinema brasileiro, o empresário deixou de pagar 100 de imposto e ainda embolsou 50 de dinheiro público, e você é obrigado a fazer um filme de 50 e divulgar que o orçamento é 100.

Número 2: Outro jornalista amigo meu, este paulista, me conta que em São Paulo “todo mundo sabe” por que um determinado filme atrasou as filmagens: já em pré produção, o diretor viu que tinha na mão menos da metade do orçamento acertado, divulgado e teoricamente vendido na CVM; então percebeu que estava sendo enganado e caiu fora do projeto. Agora, produtor procura diretor, “boa aparência, idade entre 25 e 85 anos, que seja sincero e esteja disposto a compromisso sério, foto na primeira carta, por favor”.

Número 3: Dois produtores, um deles meu conhecido, se encontram no Rio de Janeiro, num evento qualquer de cinema. Conversa vai, conversa vem e: “Então? Você está produzindo alguma coisa? “ “Sim. Vou começar a produzir um filme baratíssimo. “ “Ah, barato? Quanto?” “Olha, acho que dá pra fazer com 300 mil, mas vou tentar captar 2 milhões”. Pano rápido.

Nada de udenismo. Não estou aqui para pregar contra a dissolução dos costumes. Ao contrário do que possa parecer, a questão que está em jogo não é sequer ética. Não se trata mesmo de saber quem é honesto e quem não é no cinema brasileiro. É, neste momento, uma questão estratégica.

Eu colocaria desta forma:

(a) É realmente assim tão fácil burlar a lei? Como eu não tentei, nem pretendo tentar, só posso falar por hipóteses e pelas histórias que me contam. Mas, se for isso, ou apenas perto disso, quanto por cento dos empresários vão investir nos projetos que lhes pareçam melhores, e quantos vão simplesmente fazer “leilão de recompra”? Quanto por cento do dinheiro PÚBLICO investido em cinema vai realmente para a produção de filmes?

(b) Até quando esse tipo de informação vai ser mantido longe da “opinião pública”? (principalmente considerando que TODO MUNDO SABE histórias como essas que eu acabei de contar) Até 2003, como querem os mais otimistas? ou só até as eleições do ano que vem?

(c) Quando isso tudo vier à tona, quem vai pagar? os que recompraram, os que revenderam, os que intermediaram? os que apenas perderam a oportunidade? ou todos, indiscriminadamente, como no (recente, não esqueçam) episódio Collor?

Por enquanto, por via das dúvidas: me incluam fora disso.

Giba Assis Brasil 14/10/97


(2) No mesmo dia, o grande cineasta Roberto Farias fez um rápido comentário sobre as CASCAS DE BANANA:

Giba, que bomba! Estou no início da captação do meu filme e dos projetos da RF Farias. Espero não escorregar em cascas de bananas como as que você está denunciando. Não daria para denunciar um caso concreto, já que “todo mundo sabe”? Roberto Farias 14/10/97


(3) No dia seguinte, Daniel Santos respondeu à minha mensagem com fúria, pedindo uma CPI DO CINEMA BRASILEIRO:

(…) Você falou da Recompra, que eu nem sabia que estava tão bem cotada. Isso é crime de lesa patrimônio, sei lá, como se chama este raio, crime contra a economia popular, ROUBO DO DINHEIRO DO POVO. E o Ministério da Cultura, não vê isso não? Ou faz vista grossa, como se dizia que na EMBRAFILME se fazia, para não ter que desmontar o cinema brasileiro? Era assim, Roberto?

Essa espantou, cara. É caso para CPI. Nisso que dá tirar o controle do dinheiro do POVO das mãos das comissões autênticas formadas por cineastas, gente da culturas, associações, sindicatos, para colocar nas duas mãos, ou melhor na única mão faminta do diretor de marketing.

(…) Acho que não quero mais fazer cinema. Como vou poder falar das injustiças do mundo, se eu serei o primeiro a promovê la roubando um ou dois milhões do dinheiro de um povo esfomeado para dar a um mauricinho, dando a estas pessoas do povo um filme inferior ao que merecem, e pelo que estas pessoas pagaram. Cara… Dá pra balançar.

Daniel Santos 15/10/97


(4) Mais de uma semana depois, o organizador da lista Marcos Manhães Marins entrou na discussão, tentando separar o que é JUSTO E CORRETO do que não é:

(…) É justa e correta A RECOMPRA. Nao há nada na lei que proiba que o proprio produtor de um filme compre no mercado financeiro os certificados audiovisuais que um dia vendeu ao investidor. O produtor pode investir no seu proprio filme, inclusive comprando os certificados direto na CVM, se faltar pouco para chegar aos 60% do teto e permitir a liberação dos recursos. E quanto aos certificados que vendeu a um investidor, se este quiser vender por 1% ou por 100% do valor, isso é uma questao de mercado financeiro. Nao há tabelamento para isso. Pode ser do interesse do produtor se tornar dono único do seu filme. Ele vai ao investidor e oferece 10% do valor dos certificados e os compra de volta. Isto é perfeitamente legal. O produtor não irá se beneficiar de incentivo fiscal, e ainda pagará 15% de imposto sobre esta operação. É injusta e incorreta a recompra feita com recursos captados para cobrir o orçamento do proprio filme. Neste caso, o filme seria sacrificado em algum item para “gerar” verba para a recompra. Ou o orçamento seria superfaturado para “prever” esta recompra. Daí que quando se fala em 5 ou 10% de recompra, por exemplo, pode-se até supor que um produtor cinematográfico brasileiro tenha como comprovar a origem deste valor. 50 mil num orçamento de 1 milhão. Mas quando se fala em recompra a 50%, isto significa que o produtor “arrumou” 500 mil num orçamento de 1 milhão. Não deve ter mais de um produtor brasileiro que possui “em caixa” 500 mil reais para fazer uma recompra sem mexer no 1 milhão do orçamento do filme. E este grande produtor que poderia fazer isso, NÃO PRECISA fazer isso, porque seu atrativo não é estar aberto para a recompra, mas um passado/presente de sucessos de bilheteria.

(…) Aqueles de nós que vão transitar pelo mercado audiovisual como produtores, como agentes ativos deste processo de captação de recursos, autorizando ou não as operações, os “negócios” audiovisuais, teremos que abandonar a ingenuidade idealista e ineficaz, sem cortar a corda da âncora que nos mantém conscientes dos valores humanos mais profundos, entre eles “evitar ao maximo sofrimento e prejuízos (de qualquer ordem) às pessoas, incluindo aí você”. Os que não vão se envolver nisso, melhor nem se aprofundar. Mas de qualquer forma fiquem alertas. O que o futuro espera de nos é que Cinema se transforme num NEGÓCIO. Mas não podemos confundir NEGÓCIO com NEGOCIATA.

(…) Quis responder, para que os jornalistas que estão aqui, e os iniciantes, não levem a impressão de que o mercado é uma sujeira só. Nao é. Tem falhas, tem brechas, que devem ser resolvidas. Mas acredito que a maioria esteja, no minimo, tentando fazer negócios e nao negociatas.

O fim das negociatas vai se dar na medida em que passe a funcionar a COMISSÃO DE ÉTICA, formada por cineastas e produtores, fiscalizando a LISURA (não ideal, mas real) e a TRANSPARÊNCIA das operações financeiras e de patrocínio. Tipo: Verba de representação do captador: x reais, comissão do captador y%. Produtor compra os certificados de volta com z reais de sua caderneta. (…) Hoje existe uma Comissão de Ética, cuja presidente é a Sra. Lucy Barreto e da qual faz parte tambem Neville de Almeida e alguns diretores do SNIC. (…)

Marcos Manhães Marins 24/10/97


(5) Bom, aí eu vi que a coisa podia esquentar. No dia 26/10, mandei uma nova mensagem, TENTANDO ENTENDER A RECOMPRA:

É uma coisa espantosa. Eu, que sempre me considerei um bom aluno de matemática, sou uma nulidade confessa em economia. Talvez por mecanismo de defesa, cada vez mais me convenço que economia não tem nada a ver com matemática. Mas não entendi tua justificativa da recompra.

Matematicamente:

-- O empresário compra ações do filme no valor de 100. Esses 100 eram integralmente imposto de renda que o empresário deixou de pagar ou seja, dinheiro público.

-- O produtor, de repente, se lembra que não precisava de 100, mas de 90, porque ele tinha 10 num cofrinho guardado embaixo da cama. Ou: o produtor acha 10 na rua. Ou ainda: o produtor ganha 10 de bilheteria do seu filme anterior, vá lá.

-- Aí o produtor recompra por 10 as ações do seu filme, que ele tinha vendido por 100 pro empresário ou melhor, pro erário público, como tínhamos concordado lá em cima; a única coisa que o empresário fez foi decidir onde ele iria colocar o dinheiro que não era dele.

-- Você me esclareceu que o produtor paga 15% de imposto sobre a operação ou seja, 15% de 10: 1,5. Digamos que a bilheteria do filme anterior do produtor tinha sido 11,5 pra ele poder arcar com mais essa despesinha.

-- Como o produtor, no caso, não superorçou o seu filme (porque isso sim seria uma NEGOCIATA), ele realmente faz o filme com 100.

No fim das contas:

-- O erário público investiu 98,5 num filme que custou 100.

-- O produtor gastou apenas 11,5 e é dono de 100% do seu filme (que, como já dissemos, custou 100).

-- O empresário não investiu nada, não pagou imposto de renda e ainda saiu lucrando 10, mais o nome dele como patrocinador do filme. Belo patrocínio!

Isso é justo e correto? Então eu não entendi nada. Não há nada na lei que impeça? Desculpe, mas não deveria haver?

Vamos imaginar o raciocínio do empresário que entrou nesse negócio. Na próxima vez, ele vai investir no filme que ele considera de “maior valor cultural” ou “com mais possibilidades comerciais”? Ou simplesmente no que oferecer o “maior valor de recompra”?

Esse tipo de negócio é bom pro cinema brasileiro? A longo prazo? Ah, é verdade, não adianta pensar “a longo prazo”, porque a Lei do Audiovisual só vale até 2002. Mas, usada dessa forma, ela agüenta até lá?

Por outro lado, isso é realmente uma questão de “limite de tolerância”, como você disse?

Faria diferença se o produtor recomprasse, digamos, só a metade das ações do filme? Nesse caso, o empresário, além de não pagar nada, ganhar 5 e o título de “patrocinador”, ainda seria dono de 50% do filme. Isso seria justo e correto?

Faria diferença se o produtor recomprasse todas as suas ações, mas não por 10 e sim por 90? Nesse caso, o empresário não seria dono do filme, mas apenas “patrocinador”, e sairia da transação sem ter pago imposto e com um lucro de 90! Isso seria justo e coreto?

Faria diferença se o produtor tivesse os 10 pra recompra desde o começo, mas tivesse “escondido” esse dinheiro embaixo da cama, ou em algum fundo de investimento mais rentável que um filme brasileiro? Nesse caso, ele poderia ter captado só 90, mas aí teria perdido a possibilidade da recompra. É justo e correto esconder dinheiro próprio e substituí lo por incentivo fiscal?

Ou só faria diferença se o produtor tivesse usado, pra recomprar as suas ações, dinheiro “da própria lei do audiovisual”? Ou seja, superorçado o filme pra que sobrasse dinheiro pra fazer a recompra? Mas e se o produtor jurar de pés juntos que não fez isso, que realmente gastou 100 no filme, e que o dinheiro da recompra ele ganhou, honestamente, em algum momento depois da colocação das ações na CVM? Nesse caso, existe alguma forma de auditar isso? Ou o justo e correto seria simplesmente acreditar na palavra do produtor?

Claro que todas essas minhas dúvidas são apenas matemáticas. Tenho certeza que a economia pode explicar tudo direitinho. E tenho certeza que eu só vou entender isso tudo “economicamente” depois que a Lei do Audiovisual já for letra morta.

Por enquanto, repito, me incluam fora disso!

Giba Assis Brasil 26/10/97


(6) No mesmo dia, Roberto Farias entrou de vez no debate, tentando me explicar que NO CAPITALISMO É ASSIM:

Giba. Tentando contribuir para aplacar sua indignacao: “É justo e correto esconder dinheiro próprio e substituí-lo por incentivo fiscal?”

Infelizmente, Giba, no capitalismo é assim. As fábricas de automóvel, os investimentos estrangeiros no Brasil de um modo geral têm dinheiro no bolso e se aproveitam dos incentivos fiscais. Quem tem dinheiro, seja banco, seja agiota, seja comerciante, quem for, não emprega seu próprio dinheiro em negócio que não tenha possibilidades de retorno nem garantia de uma competitividade pelo menos justa. E este é o caso. O incentivo fiscal visa contrabalançar as dificuldades de retorno do investimento, permitir o desenvolvimento do setor, até que este possa andar com as próprias pernas. Na minha opinião não é suficiente. Se não tomarmos as medidas para corrigir as distorções, a Lei acaba e o setor morre. Quando o produtor compra de volta do investidor parte ou toda a parte que colocou no seu filme, corrige apenas o erro de o incentivo ter sido oferecido ao “empresário” e nao ao cineasta. O mecanismo da renúncia fiscal, certamente, não poderia ser oferecido a nós, porque não temos imposto a pagar. Por isso, imaginei o Banco de Fomento, onde, mesmo não tendo o incentivo de 100% ora oferecido ao empresário, nós pudéssemos ter algum, nem que fosse só a metade do que foi dado ao atuais investidores.

Esclarecendo. Não me incluo nessa porque nem entrei, mas se eu tiver dinheiro para comprar ações dos meus filmes de quem as comprou, comprarei. Isso porque denuncio há anos as distorções que não me permitiram capitalizar-me mesmo quando fiz enormes sucessos de bilheteria, batendo recordes e mais recordes, o dumping não deixou.

Roberto Farias 26/10/97


(7) E, ainda no mesmo dia, Marcos Manhães voltou a escrever sobre o assunto, saindo EM DEFESA DA LEI DO AUDIOVISUAL:

A Lei do Audiovisual foi feita assim. Isto é permitido pela LEI. Partindo-se do princípio que todos nós gostamos mais desta Lei do Audiovisual do que qualquer outra anterior de incentivo ao cinema, poderemos continuar a avaliação. Se acharmos que o erro está na Lei, realmente toda a sua aplicação vai estar incorreta. (…) “Isso é justo e correto? Então eu não entendi nada. Não há nada na lei que impeça? Desculpe, mas não deveria haver?”

Justo COM O POVO, que deu o dinheiro, porque a RECOMPRA que é feita seja pelo próprio produtor, ou por qualquer outra empresa que o deseje fazer no mercado financeiro, faz parte do espírito da lei, e NÃO USA dinheiro do povo para finalidade diversa de fazer o filme. Ações de um negócio podem ser negociadas. Nao há como impedir, a não ser retirando a lei do âmbito do mercado financeiro. Injusto com o Povo seria comprar com dinheiro retirado do orçamento do filme, incorrendo em das duas uma: Ou prejudicando a qualidade do filme; ou superfaturando o orçamento para acomodar o dinheiro da recompra.

“Vamos imaginar o raciocínio do empresário que entrou nesse negócio. Na próxima vez, ele vai investir no filme que ele considera de ‘maior valor cultural’ ou ‘com mais possibilidades comerciais’? Ou simplesmente no que oferecer o ‘maior valor de recompra’?”

AÍ está uma falha que tem que ser corrigida na Lei do Audiovisual. Ela deu poder absoluto aos empresarios (que não tendo tempo pra se preocupar com estas coisas, delegam aos seus diretores de marketing) para DECIDIR em que filme devem investir.

“Esse tipo de negócio é bom pro cinema brasileiro?”

Não. Tem que ser melhorado. Hoje é o que temos. É a Lei. E todos gostam da Lei. Sem ela, o cinema brasileiro paralisa-se de novo. Acho que ninguém tem dúvida disso.

Para não me estender de novo nas contas que você vai fazer a seguir, eu esclareço que existem várias abordagens a serem feitas de uma questão: A INGÊNUA (“ah, tem essa conseqüência social toda, é?”), A HIPÓCRITA (“sou radicalmente contra, mas vamos conversar mais em private”) A SOCRÁTICA (discutida abaixo) A VIL (“todo mundo faz, por que eu não iria fazer”) A CÍNICA (“eu lavo minhas mãos, quem trata disso é meu agente”), etc.

Como tudo na vida, temos que ter tolerância. Ou vamos ter que colocarmo-nos uns aos outros na cadeia, visto que todos já cometemos um ou outro “criminho”. (…) Na sociedade de hoje (como em outros tempos) ocorre a seguinte hipocrisia: publicamente ser íntegro, perfeito, totalmente rígido diante da menor irregularidade. Na vida privada, o cara compra o guardinha de trânsito, sonega imposto na sua declaração, não faz nota do serviço que sua empresa presta, trai o seu melhor amigo saindo com a mulher dele, coisas assim.

A solução SOCRÁTICA é a do meio: tolerância. Desde que isso não avilte os valores e princípios humanos básicos, de justiça sobretudo, com o povo, com você, com os que lhe são próximos.

Mais justo que a recompra com dinheiro do próprio produtor seria se não houvesse a Lei do Audiovisual, e que o nosso mercado fosse já um negócio (em 100 anos nao conseguimos!!!) e estivesse em pé de igualdade com o mercado externo. Agora ESTA EXCEÇÃO torna-se justa na medida em que será MUITO MAIS INJUSTO nada fazermos e ficarmos à mercê de uma dominação estrangeira.

Foi criada uma Lei de Mercado Financeiro para o Cinema, e dentro do espírito e da aplicação desta Lei, é perfeitamente CORRETA a negociação dos certificados audiovisuais, papéis como outro qualquer do mercado financeiro. Foi só isso que eu quis dizer. E somente fiz isso, não por defender a recompra, mas para apagar uma impressão de que Recompra seria ilegal a partir da sua mensagem/denúncia. Muito bem feita por sinal, mas que precisava deste meu esclarecimento para que o assunto fosse analisado na sua plenitude.

Se ainda não lhe disse isso, aproveito para dizer. Parabéns por sua coragem. Ou: ainda bem, para nós dois que estamos fuçando este assunto, que não estamos na Italia…

Não é só no Cinema que há distorções. Na universidade onde você leciona certamente tem distorções. Em tudo na vida tem distorções, precisamos encarar DE FRENTE e combatê-las, e sem “parar a casa”. Este é o nosso desafio. Pra tudo tem jeito.

Marcos Manhães Marins 26/10/97


(8) Aqui, do meu ponto de vista, o assunto terminou. Porém, em dezembro, o Guilherme de Almeida Prado entrou na lista e falou alguma coisa sobre “recompra” (infelizmente, essa mensagem eu perdi). Então o Marcos Manhães republicou a minha mensagem de 14/10 e também a dele (Marcos) de 24/10. E, no dia 2 de janeiro deste ano, o Guilherme mandou uma nova mensagem, reacendendo a polêmica em torno das COMISSÕES DE ÉTICA:

Giba, as histórias que você conta eu estou cansado de ouvir. Acho apenas que, se nós continuarmos com “sem nomes, por favor”, vamos acabar mesmo como o Marlon Brando: dançando o Último Tango. E onde será?

Comissões de Ética tendem a ficar no discurso. Discursos não assustam ninguém e servem como cortina de fumaça. Se não for instaurada uma Comissão de Prestação de Contas, o crime continuará a crescer. Dois anos atrás a recompra estava em 25%, o ano passado estava a 35% e este ano eu não ouvi falar em nada menor que 50%. Quanto será o ano que vem? Onde estão os filmes que captaram dessa maneira? Alguém viu?

Se os cineastas vão ficar fadados a captar apenas de Estatais (as únicas que não fazem propostas indecentes), não seria melhor dar logo o dinheiro direto aos cineastas como antigamente e pronto?

Até quando o Ministério da Cultura vai ficar apenas assistindo isso? Será que eles não tem nenhuma responsabilidade no processo? O ladrão só tem medo da cadeia. Se o Governo não analisar com precisão o que está sendo feito com o dinheiro que ele está deixando de arrecadar, a Lei do Audivisual logo vai estar na boca do povo. E o resto desse filme eu já vi.

Guilherme de Almeida Prado 02/01/98


(9) Pelo jeito o Guilherme mexeu no lodo. No mesmo dia, chegou à lista uma mensagem assinada por Cláudia Siqueira - que em seguida descobriu-se ser um nome falso, em um endereço eletrônico anônimo. Apesar disso, e dado o devido desconto, vale a pena ler AS VAQUINHAS DE SAMPA. Mas repito: trata-se de um texto anônimo publicado na lista Cinema Brasil. Até hoje, ninguém assumiu responsabilidade sobre ele.

Que isso, Guizinho? Aqui em Sampa tu estás sabendo que é tudo safadeza mesmo. No Rio mesma coisa. Mas aqui é onde têm os melhores negociadores do mundo! Tu já deves ter ouvido falar de mim, Cláudia, e das outras, a Karla, a Maggda, a Georgette, a Aryadine, a Cylene, a Suely, a Velanny, a Thelma, a Lucy, um monte, nego, quem transa recompra, conhece esta turma toda. Teu filme novo já andou nas nossas mãos, não me lembro mais por quê. Também, o que passa de pastinha de projeto de #gente fina# nas mãos das vaquinhas de Sampa não dá nem para contar, meu. Pode nos chamar de vaquinhas ou até de vaquettes, que não fico ofendida não, foi um nome carinhoso das noitadas de dezembro. Tu trabalha para o carinha e pronto. É passado agora.

Para que tu queres nomes, se é caso perdido? É tudo legal, meu, aprovado pelas autoridades. Mas se tu queres, procures na CVM, aquilo apesar de tudo é um órgão público, tem que te dar a informação. Minha dica é que tu comeces com os projetos que correram para passar os orçamentos na CVM de 900 mil para #3 milhões# de reais, usando #todo o limite máximo# permitido por uma MP lá de 96. São filmes muitas vezes que não custam metade disto. Os nomes das empresas que investiram nestes projetos inchados, o nome dos produtores, estão todos lá, nas operações autorizadas por eles. É mistério porque os produtores querem que permaneça um mistério.

Nem penses em vir atrás de mim, porque sou como as outras vaquinhas de Sampa, não tenho endereço nem telefone de casa, nem nome registrado em lugar nenhum. Trabalhei assim em Paris na década de 80. Era um esquema bem parecido. Foi ótimo ganhar aqui este dinheiro de cineastas famosos, dinheiro fácil de trouxas apaixonados, realmente não foi muito diferente. E nós vaquinhas, como sempre, desaparecemos do presépio logo após o Natal, mas no final de 98, início de dezembro, eles contratam outro grupo de #putas estudadas# para explorar o mercado. Não fiques triste não. Tu vai conseguir rodar teu filme.

Mas se tu és herói e se tu queres, mas queres mesmo alguns bois para te abrir o apetite, não me custa te dizer, porque eu pulei fora desta, e cá onde eu estou, eles não me pegam mais. Sem rastro, ô meu, sabes como é? Tu escreves filme, sabes sim. Para não falar que os investidores que se envolvem nisso são merdinhas, comece fuçando a notória SHELL e o professor João Madeira, o BANCO REAL, a NESTLÉ, a BRAHMA, a IPIRANGA, várias. De produtoras, a SKY LIGHT é a cliente campeã da máfia da recompra, mas tem outras conhecidas, NB Produções, a VITÓRIA Produções, a SAGRES Produções, a LAGOA Cultural, a FLY produções, uma porção delas. E as corretoras são quase todas, AÇÃO DTVM, SUPRA CCVM, SAGRES DTVM, BANCO DESTAK, CITY DTVM do professor Carlos Guimarães, não tem uma que não balance diante da recompra a 50%. Estão todas preparadas, de alguma forma. Muitas vinham propor descaradamente.

Se fosse um país sério, como o meu Portugal, tu e mais todos pegavam estas indicações e faziam um levantamento, e não permitiam que o cinema do teu país caísse nesta armadilha meticulosamente plantada. Tirava o ministro, prendia o chefe da máfia, mas salvava o teu cinema e o teu povo. Mas gente fina não quer saber disso. Tu queres o dinheiro para fazer rodar teu brinquedo, e o esquema tem #o dinheiro#. É um esquema especializado em quem quer porque quer fazer o filme, como tu, coelhinho. Em resumo, é isso que rola. Ninguém está preocupado com social ou com povo. Dane-se o povo, meu. Este é o teu país.

De cineastas que autorizaram recompra de 50% em 1998, vai aí o Helvécio Ratton, o Antônio Carlos Fontoura, o Ruy Guerra, o Zelito Viana, o Sylvio Back e o professor de todos, Hector Babenco. Aprendi muito com eles, e com muitos outros, principalmente como ser #hipócrita#, falar bonito no roteiro do filme e fazer parte do esquema sujo nos bastidores.

São centenas, não adianta perdermos tempo aqui sem levantar provas. O que tu sugeristes, uma #Comissão de Prestação de Contas#, CPC ou CPI, melhor ainda hein, vai descobrir as safadezas todas na contabilidade de muitos filmes que completaram captação #nos últimos dias de 1998#. Tu sabes que não estou contando nenhuma novidade, nem sensacionalismo. Precisa é alguém peitar esta máfia. E, meu, é muito dinheiro. Pode haver morte para quem mexer com isso. Interpol e Polícia Federal do Brasil são escudos de vidro. Não te fie nisso não. Nem nos ministros, nem nos juízes. Aceita o conselho desta tua colega que esteve bem lá dentro da festa.

Tu imagina só o que não fazem para enganar o Ministério da Cultura (?!) para prestar contas de 3 milhões tendo só gasto 1,5 milhão.

Se tu és fogo de palha, Gui, apaga esta mensagem. Não tem valor legal nenhum. E de mais a mais, quando ela estiver chegando para ti, eu já estarei bem afastada deste país, no exterior, com outra identidade, outro rosto. Adoro aventura e grana. Quando eu era puta de Paris, eu apanhava muito na cara. Felizmente, hoje eu tenho um protetor, um cara só, sabes como é? E este protetor italiano, eles nem desconfiaram, é rival do chefe da mafiazinha de merda deste país. Deixo então minha contribuição, para desencargo de minha consciência. Faz partir dos cineastas a CPI e impede que a denúncia venha de fora, porque senão, eles vão conseguir o que planejaram, destruir teu cinema.

Tu não vais querer que eu te dê o nome do patrão, vais, fofinho? Eu mesma não tenho certeza. Foi um bico de fim de ano. O meu patrão mesmo é a quem devo fidelidade. Posso te dizer que o chefão no Brasil comanda bicheiro, fazendeiro, ministro, juiz, tudo. Não sei te dizer se está a serviço dos americanos, mas já vi americano na jogada, em papo íntimo com o ministro. Não é dificil de chegar no chefão, meu. Abre as operações na CVM, e entra na contabilidade dos filmes. A merda voa toda, na hora. Nada que um bom #bidet# não possa limpar. O futuro tem que ser de esperança. Um dia quero assentar minha vida, casar, ter filhos. Pode parecer “naïf”, mas continuo crédula, acreditando muito.

Antes da minha despedida, recordo me que tu falaste que as estatais não fazem propostas indecentes? Tu deves estar fora da realidade mesmo, meu filho. Quanto tu pensas que custou à PETROBRÁS o Navalha na Carne? Tenta adivinhar por que ela financiou uma porcaria daquelas, que nem soube contar a nossa vida, a vida que eu conheço por dentro. Percebestes que as estatais e ex estatais (BNDES, LIGHT, CSN, etc.) gostam de colocar dinheiro nos projetos #hiperfaturados#, aqueles de 15 milhões de reais, os projetos chamados de filmes #outdoor# pelo Capitao Luiz Carlos Barreto num jantar lá no Rio, que ele pagou do bolso para o Ministro Weffort e mais duas dúzias de amigos do príncipe? Rola grana, meu, muita mesmo. E assinatura de ministro libera dinheiros inimagináveis das estatais.

Para quem continua, ciao, au revoir. Se tu puderes, Gui, agarra te a teu protetor, faz como eu. Vida de puta é dura demais para levar sozinha. Vai e filma, ou faz #teu filme#. Gente, beijinhos na bundinha. Bom 98 para todos.

Cláudia Siqueira 02/01/98


(10) Ainda no mesmo dia, o Daniel Santos voltou a atacar, indignado, em tom de ISSO TEM QUE ACABAR:

(…) Será que isto tudo é verdade, pessoall? A lama, mesmo anônima, deveria ser apurada pelos órgãos também acusados de omissão, CVM e Ministério da Cultura. Na minha opinião ainda estarrecida isto é o mínimo que se pode exigir. É caso de polícia e não somente de indignação. Quando disse isto no ano passado, eu nem fazia idéia do tamanho dessa nojeira. Achei que era um escândalo, caso para CPI, indignado com as declarações do Giba. Hoje, entretanto, se a »>imprensa«< publicar ou resolver entrevistar os citados por esta tal de Cláudia e gravar as reações contraditórias dos culpados, o cinema brasileiro está morto. (…)

Daniel Santos 02/01/98


(11) Já no dia 3, o Guilherme lamentou a mensagem da “Cláudia” e lembrou o TEMPO DO COLLOR.

Marcos, eu não acho que nós devamos sair por aí dedurando à torto e à direito, mesmo porque duvido que alguém tenha provas concretas para tal.

Me desculpe, se fui mal compreendido. Acho apenas que temos o dever de cobrar das autoridades a Prestação de Contas, para que no futuro o POVO não venha a nos pedir. Eu não pretendo passar novamente pela vergonha e humilhação que era ser cineasta brasileiro no tempo do Collor. Hoje até parece que apenas o Ipojuca era a favor de fechar a Embrafilme.

Mas também não posso assistir calado ao baixo nível chegar até o cinismo descarado dessa Claudia Siqueira, que é um perfeito retrato da grande maioria dos “captadores” que eu conheci. (…)

Guilherme de Almeida Prado 03/01/98


(12) Finalmente, no mesmo dia, o administrador da lista se pronunciou, dando ADEUS, CLÁUDIA!

Antes de mais nada, acredito que este não é o fórum para este tipo de denúncia, ainda mais desta forma. (…) Uma mulher anônima (hotmail.com é um servidor de e mails anônimos) vem e faz acusações pessoais. Ficamos todos estupefatos. Será que é verdade, que estes companheiros estão realmente metidos nisso? Será que o esquema funciona daquela forma? Será que todos aqueles nomes e empresas estão envolvidos, ou no meio tem pessoas inocentes, caluniadas?

Fico com a sugestão do Guilherme de Almeida Prado, de se abrir uma Comissão de Inquérito, ou de Prestação de Contas, para apurar o destino deste dinheiro que deixou de ser revertido para o cidadão contribuinte, que dedicou uma parte do seu imposto para que fosse feito um bem cultural, social, e certamente não sabe que em alguns filmes, 50%, como denunciaram Giba e Guilherme, estão indo para o esquema de intermediação.

(…) Gostaria de comunicar que estou fazendo o Unsubscribe manualmente do e mail anônimo claudiasiqueira@hotmail.com para evitar risco de continuidade destas acusações sem provas. Foi realmente bastante desconfortável. Se alguém tiver alguma coisa contra esta decisão, pode escrever para a lista.

(…) De qualquer forma, todos estes sinais, do Giba, do Guilherme, etc. (identificados, mas sem fornecer nomes) e mesmo o da Claudia (fornecendo nomes, mas sem se identificar corretamente), devem servir de alerta. Não podemos simplesmente ignorá los. Alguma coisa está acontecendo. E parafraseando o dramaturgo inglês: “há muito mais coisas entre Rio e São Paulo que nossa vã filosofia pode supor”.

Marcos Manhães Marins 03/01/98


(13) A maioria absoluta da lista concordou, ou silenciou (inclusive eu, que já tinha optado pelo silêncio há mais de 40 dias). O único a reclamar foi o Roberto Duarte, que perguntou: E AS ACUSAÇÕES?

Anônimas ou nao, li acusações gravíssimas feitas aqui aos sistemas de captação de recursos vigentes. Conhecedor deste meu Brasil há 47 anos, acho que é muito PROVÁVEL que sejam, na maior parte, verdadeiras. E que deveriam ser APURADAS. A acao imediata de cancelar o e mail da “moça” talvez pareça certas ações do tempo da ditadura militar que, quando alguém acusava um coronel qualquer de corrupção, o acusador era, por princípio, exemplarmente punido, sob a acusação de comportamento subversivo.

A minha sugestão é que deixem vir as acusações e encaminhem-se as denúncias, seja contra quem for. Isto aqui não é assembléia geral de nada (…), é apenas um grupo de discussão e a discussão, desculpem o trocadilho infame, vale o quanto PESA.

Roberto Duarte 04/01/98


(14) Quando o assunto parecia esgotado, Roberto Farias voltou a escrever, diretamente para o Marcos, sugerindo DEIXAR O LEÃO RUGIR:

Se bem me lembro, Marcos, você foi bastante didático na ocasião em que o Giba tocou no assunto da recompra. Recompra é legal, faz parte do jogo, quando os recursos utilizados são do próprio produtor e não provenientes da captação. Entendo que aquele que utiliza os recursos captados para fazer recompra terá sérios problemas com o fisco e cabe ao fisco examinar a contabilidade dos produtores que fizeram captação para identificar qualquer mutreta. Se utilizarem notas frias, a Receita com certeza irá descobrir, como tem descoberto empresas que se propõem a fazer isso. Será que não está havendo aí uma certa paranóia, ou um desejozinho de entornar o caldo? Uma vontade de punir quem tem conseguido captar? Desde quando cineasta é polícia? Seria isso para proclamar honestidade? Sou honesto por isso não consigo captar?

(…) Acho que qualquer escândalo na nossa área só pode prejudicar a todos. Mas se a Receita pegar um produtor ou vários isso deverá deixá lo (s) desmoralizados, mas não ao cinema como um todo. Na ocasião, quando isso acontecer, certamente os jornais procurarão cineastas sérios, entre os que conseguiram ou nao conseguiram captar, para tomar depoimentos. Nessa hora cada um dará a sua opinião a respeito.

(…) Não seria o caso de deixar o Leão rugir sozinho, sem que o cineasta faça coro? O papel de dedo-duro é difícil de engolir.

Roberto Farias 04/01/98


(15) No mesmo dia, o Marcos respondeu, lembrando que, DEPOIS DA BOMBA (a mensagem da Cláudia Siqueira), as coisas tinham mudado:

Roberto, é verdade. Foi isso mesmo. Repeti há pouco, para o Guilherme, que uma recompra da ordem de 5% num orcamento de 3 milhões, pode até se admitir que o produtor tenha para dar do bolso (cerca de R$150 mil), ou tirar da taxa de administração da produtora, receber um pouco menos para administrar o projeto, não sei se isso é possível. Falei mais ou menos isso, quando recebemos a bomba. Enquanto era o Giba e o Guilherme denunciando o esquema, mas sem dar nomes aos bois, estava tudo bem, tudo sob controle. Mas a bomba foi lançada e a gente agora tem que tentar dormir com ela embaixo do travesseiro.

Algumas pessoas da lista pediram para levar o caso adiante, mas eu mesmo aconselhei cautela. (…) Deixa isso para a Polícia. Somos cineastas. Somos todos culpados, de uma forma ou de outra.

(…) O Guilherme falou que a recompra (a níveis mais altos do que um produtor pode pagar sem tirar dinheiro do próprio orçamento, a 25, 35, 50%) vem de 1995. Se nada se fez até agora, com tantos orçamentos já tendo prestado contas à CVM, ao MinC, à Receita Federal, não vai ser agora que alguém vai mexer com isso. Acho que ninguém de cinema também quer mexer com isso, e me incluo aí entre vocês. (…)

Marcos Manhães Marins 05/01/98


(16) Mas o Roberto não ficou satisfeito, e insistiu em que o Marcos se manifestasse A FAVOR DA RECOMPRA:

Marcos, (…) não concordo com você quando diz que num percentual pequeno é legítimo. Acho que é legítimo em qualquer percentual, se o produtor tiver bala para isso. Faça as contas. Se um investidor, ou vários, quiser dez por cento de recompra, ou mesmo vinte e o produtor puder comprar, fica com 100% do filme por vinte por cento do custo. Quem tem dinheiro para isso e acredita no seu filme, por que não comprar? Isso decorre do defeito da Lei, que incentiva o “empresário” e não o cineasta. Se os recursos são 100% oferecidos ao empresário de mão beijada, por que não podem ser vendidos? Essa seria uma forma de o cineasta reparar o defeito da Lei, passando para si os benefícios que ela oferece. É legítimo, legal, tanto para quem compra como para quem vende.

Marcos, acho que você não tem direito de pular fora agora. Você fez uma excelente exposição quando o Giba tocou nesse assunto algum tempo atrás.

Roberto Farias 06/01/98


(17) Enfim, respondendo mais uma vez ao Roberto, o Marcos deu a última mão sobre o assunto, sugerindo a criação de um FÓRUM ESPECÍFICO para discutir a recompra:

Como assim, “pular fora”, Roberto? O que é isso? Estou aqui. O que quis dizer é que não me cabe ficar depondo a favor ou contra algo que não conheço profundamente. Tem outras pessoas mais abalizadas para falar sobre isso. (…) Quando, no ano passado, fiz a “exposição” defendendo a recompra em níveis percentuais baixos e com dinheiro do próprio produtor, o Giba levantou uma questão seríssima, Roberto, que é o VICIAMENTO DO MERCADO. Mesmo que o produtor tenha o dinheiro do bolso, isso cria na cabeça do empresário a idéia de no próximo filme só investir em quem oferecer mais dinheiro pela recompra. E isso vira corrupção. Já deve ter virado, a tomar pelo tempo e pela evolução dos percentuais cobrados, conforme relatado neste ano pelo Guilherme, e no ano passado pelo Giba, quando a lista tomou conhecimento do fato.

(…) Ao reler recentemente a mensagem do Giba, entendi que pode até ser que no primeiro filme, o cineasta tenha o dinheiro para fazer a recompra “legítima”, mas no segundo filme, o dinheiro que usará certamente será fruto dos incentivos fiscais, pois das duas uma: ou o dinheiro particular do produtor é inesgotável, ou ele vai usar a renda da bilheteria do filme anterior financiado por esta Lei de incentivo. Mas também é uma verba que poderia ser considerada agora como “dinheiro dele”. Entende? É muito complexo este tema.

(…) Não entendo é como em cerca de 3 anos de vigência da Lei e de observação desta prática, que segundo o Guilherme, vem sendo feita desde 1995, nenhum órgão competente (o Sindicato da Indústria Cinematográfica, o MinC, a Associação de Cineastas) tenha se pronunciado sobre esta questão. Se alguém levar isso adiante, parabéns pela coragem.

(…) Sinceramente acredito que estas discussões mais específicas não devem ser discutidas num fórum informal como esta lista. Eu sempre tenho dito para as pessoas procurarem o STIC, procurarem o SNIC. E vamos deixar a lista CINEMABRASIL continuar a ser o fórum divertido e prazeroso que tem sido nestes mais de 2 anos. Vamos falar um pouco mais dos FILMES, como se faz em toda lista de discussão de cinema pelo mundo afora.

Marcos Manhães Marins 06/01/98


(18) Este retrospecto poderia terminar aqui. Na verdade, essa foi a última vez que se falou em recompra na lista Cinema Brasil (pelo menos até hoje). Mas eu prefiro terminar com os PENSAMENTOS de Vera Zaverucha, que pela primeira vez levou a discussão para além dos limites da economia de mercado.

(…) Quando Collor acabou com a Embra e Concine e FCB, (com aplausos de grande parte dos que faziam cinema) me senti extremamente deprimida. Eram os controles da Indústria que se iam, era o acervo de filmes que se espalhava, eram os recursos que pertenciam ao cinema que se perdia…

Na epoca diziam que a Embra privilegiava alguns. Verdade? talvez… Mas não havia corrupção. Todos entregavam seus filmes. 20% dos recursos eram destinados à DONAC, utilizados para fazer curtas. Havia uma participação efetiva do Cinema Brasileiro nos Festivais Internacionais. Estávamos de alguma forma no Mundo.

Um dia, em 1992, participei de uma reunião no Festival de Brasília, onde fomos lançados à atual realidade: A LEI DO AUDIOVISUAL. Ainda naquele momento perguntei: vamos deixar a 862 na mão dos estrangeiros? Não é louco isso? Hoje a 862 já era…. É verdade que o Estado não mais privilegia um ou outro, quem o faz são os investidores privados… Tudo bem. É a lei do Mercado. Mas e os nossos Glaubers, onde ficam com a Lei do Audiovisual? Será que não falta uma perna neste sistema? Aliás, será que não faltam várias pernas?

(…) As pernas dos controles.. que só podem ser exercidos de forma isenta pelo ESTADO, não pelo GOVERNO (me entendam…) As pernas da Difusão (também incumbência do ESTADO). As pernas da produção daquilo que o empresário censura (pelos seus interesses outros). Faltam outras pernas e braços… Por enquanto só quero mandar abracos…

Desculpem o desabafo. Mas vejo essas discussões e acho que estamos esquecendo de discutir alternativas outras que não passam pela economia de mercado… Coisas do COLLOR!!!! Será que ficamos impregnados para todo o sempre?

Vera Zaverucha 06/01/98