ALUGA-SE O CINEMA BRASILEIRO

por Carlos Gerbase
(abril de 1995)

Raul Seixas, no seu último disco consciente, fez uma música chamada “Aluga-se”, em que anunciava a solução (ou “grande soluça”, nas suas palavras) para nossos problemas: alugar todo o território nacional para as empresas estrangeiras. Assim, com a entrada definitiva dos gringos, que passariam a administrar nossas riquezas com sua indiscutível competência, em pouco tempo não teríamos que pagar dívida externa, nem eles se preocupariam mais com esse negócio de “remessa de lucro”. A premonição do maluco beleza, bem antes dos tempos neo-liberais de Collor e FHC, parece confirmar-se através de um dos mecanismos da nova Lei do Audio-visual, que começa a sair da teoria e passar para a prática.

Resumindo e simplificando ao máximo: as empresas distribuidoras estrangeiras, que detêm mais de 90% do mercado brasileiro, pagam um imposto elevado ao enviar seus polpudos lucros para as respectivas matrizes nos Estados Unidos. Essas empresas, se assim desejarem, podem deixar de pagar metade desse imposto, bastando para isso que invistam a quantia que deixou de ser recolhida ao Tesouro em filmes brasileiros. É isso mesmo: em vez de pagar imposto, os gringos podem ajudar o cinema tupiniquim. Parece engenhoso, principalmente se considerarmos que essas empresas terão interesse em distribuir decentemente os filmes nacionais de que possuam participação na bilheteria.

É uma saída brilhantemente neo-liberal: menos impostos, nada de reserva de mercado e uma suposta “parceria” com o capital estrangeiro. Aplausos entusiasmados de Paulo Francis e Arnaldo Jabor, apenas para citar dois dos respeitados intelectuais que defendem o novo projeto econômico brasileiro. E que não precisam dele para viver, pois já têm a fama e agora só precisam ficar deitados na cama. Aplausos estrondosos, é claro, dos distribuidores estrangeiros, que se vêem livres de qualquer mecanismo mais restritivo às suas atividades no quintal terceiro-mundista. Aplausos fervorosos até da maioria dos cineastas brasileiros, que sonham em finalmente fazer um filme com orçamento digno. E a placa de “Aluga-se o cinema brasileiro” já pode ser efetivamente pendurada sobre as câmaras.

Exagero? Xenofobia? Reacionarismo de esquerda? Talvez. Talvez seja bom mesmo que o cinema brasileiro renda-se de uma vez ao quase monopólio americano. Para que brigar ao lado de Inglaterra, França, Alemanha e Itália, que teimosamente brigam para continuar a produzir cinema “nacional”, com leis de incentivo, reservas de mercado e outras atitudes “antigas”? Para que oferecer ficção brasileira para o povo através de filmes, se a Globo faz a mesma coisa tão bem através das suas novelas? Para que escrever a respeito, em vez de ir correndo verificar qual é o filme que os americanos querem fazer aqui no quintal?

É nisso que muitos cineastas brasileiros estão pensando agora. Voltaremos à fase “indígeno-afro-americana”, que já nos rendeu coisas como “Quilombo”, “Quarup” e “Natal da Portela”? Ou partiremos para uma suposta pós-modernidade, imitando Tarantino, Hal Hartley e Jim Jarmush? O que querem nossos patrões? Como devemos agradá-los? O que fazer para que os filmes brasileiros finalmente percam esse desconfortável cheiro de Brasil? E se tudo der certo, poderemos fazer como Jonathan Demme, que no final dos créditos de seus filmes escreve “A luta continua”? Acho que não. Demme ainda luta. Nós temos coisas mais importantes para fazer.

(c) Carlos Gerbase 1995