por Carlos Gerbase
(junho de 1998)
publicado originalmente no Não 55
Recebi uma carta do meu amigo Gustavo Spolidoro, depois publicada parcialmente no CAC. Para quem não sabe, sou amigo do Gustavo e de todos os “magríssimos”, ou jamais escreveria sobre eles e muito menos colocaria na roda um rótulo tão legal (o nosso, por muito tempo, foi “a turma do Nadotti”; nada contra o Nelson, mas será que eles gostariam de ser “a turma dos Cristianos”?). Nessa carta, o Gustavo pergunta porque nunca vê “o pessoal da Casa” nos cinemas de arte, nas mostras, nas sessões alternativas, etc. Insinua que somos do tipo que vamos no coquetel, bebemos todo o vinho, conversamos com os amigos e caímos fora antes do filme chato começar. Fiquei pensando na acusação e decidi que era preciso responder, porque:
- a polêmica não pode parar;
- ainda não tinha escrito nada para o NÃO;
- estava a fim de escrever alguma coisa para me distrair, mesmo que fosse respondendo a uma bobagem dessas.
Em primeiro lugar, é preciso confessar que hoje vou muito menos ao cinema do que quando tinha a idade dos magríssimos. Lembro de várias vezes levantar nos intervalos das aulas do IPV (onde tive como professores os ilustres educadores Clóvis Duarte, José Fogaça e Carlos Jorge Appel) e fazer a célebre pergunta: “O que tá passando no São João?”. E saíamos pela Salgado Filho, pastinhas do cursinho em baixo do braço, para ver qualquer merda na sessão das quatro. Também lembro dos ciclos completos do Bristol, sete filmes em sete dias. Também lembro de jamais perder fita do Jerry Lewis no Cine Riograndense, em Capão da Canoa. E vou parar de lembrar, porque essas regressões, parece, às vezes são muito perigosas.
Cinema, para mim, sempre foi a melhor diversão. Era tão divertido que resolvi fazer uns filmezinhos, no início sem qualquer pretensão, depois muito pretensiosamente, depois profissionalmente (e aí a pretensão diminuiu). Mas qual é a relação entre “ir” ao cinema e “fazer” cinema? Não é tão direta quando parece ser. Se a gente aprendesse a fazer filmes bons simplesmente vendo filmes bons, num processo de osmose cultural, a vida seria bem mais fácil. Acho que é mais ou menos a mesma coisa que a literatura: o ato de consumir (ler) é fundamental como estímulo e como formação de um repertório, mas o ato de produzir (escrever) depende basicamente de muito exercício, coragem de se expor e capacidade de aprender com os próprios erros. Não adianta enfileirar livros na estante, nem dormir com o vídeo debaixo do travesseiro.
Aliás, meu amigo Nelson Nadotti, meu primeiro professor de cinema, um dia me ensinou que a melhor maneira de aprender cinema é fazer um filme depois do outro, tendo o cuidado de assisti-los anonimamente no meio de uma platéia pagante. O espectador comum, de qualquer idade, formação intelectual ou classe social, está cagando para quem é o ídolo do diretor, qual é sua escola estética preferida, ou se ele é a favor ou contra o Manifesto Dogma 98. O espectador comum quer se divertir, porque cinema ainda é a melhor diversão.
Dito isso, o que já foi dizer muito, e agora respondendo diretamente à crítica do Gustavo, afirmo que:
- duvido que vocês tenham visto metade dos filmes udigrudi brasileiros que vimos em 16mm, no tempo em que alugar um filme era uma coisa bem mais complicada;
- todos esses filmes velhos que vocês descobriram agora, no Goethe e no Guion, nós vimos quinze anos atrás, na Assembléia Legislativa e no Museu de Comunicação, no tempo em que Wenders era mais importante que Baiestorff;
- também acredito que o novo sempre vem, que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus, contando o vil metal. Mas vocês sabem quanto custa pagar uma babá para ficar com as crianças depois das oito da noite? É uma fortuna, meu irmão. Se os filmes que fazemos rendessem o suficiente para sustentar as horas-babá necessárias, certamente nos encontraríamos mais freqüentemente pelas salas alternativas da vida. Por enquanto, convido a todos para assistir “Os 101 dálmatas” (em desenho; o filme é bem ruim) lá em casa e torcer para que, finalmente, a Malvina Cruela consiga confeccionar aquele casaco de pele tão chique.