MEIAS-VERDADES SOBRE OS 100 ANOS DA GRANDE MÁQUINA DE MENTIRAS

por Carlos Gerbase
(dezembro de 1995)

A humanidade comemora os 100 anos do cinema. Eu, de minha parte, prefiro listar meia centena de pequenos e grandes enganos a que foi levada a humanidade nestes 100 anos de existência da máquina de gerar mentiras. Como não tive tempo suficiente (escrevi a lista em 100 minutos, pressionado pelos editores do Rua da Praia) de fazer uma verdadeira pesquisa, as frases não são verdadeiras citações, e sim aproximações, simplificações e, em alguns casos, interpretações altamente discutíveis, de declarações importantes, divertidas ou simplesmente necessárias para completar minha lista. Tá certo, distorci tudo levemente, mas isso não é nada comparado às distorções centenárias do cinema.

  1. As imagens se movem.

(espectadores dos primeiros desenhos-animados)

  1. O trem vai sair da tela.

(espectadores da primeira sessão do Cinematógrafo Lumière)

  1. O cinema não deve contar histórias.

(irmãos Lumière)

  1. Vou morrer rico contando histórias com cinema.

(Méliès, que morreu como indigente)

  1. Os filmes devem ser representações fiéis da realidade.

(Dziga Vértov, defensor do “Cine-Olho”)

  1. Os filmes vão fazer as massas entenderem a Revolução.

(Lênin e Eisenstein)

  1. Este bombeiro vai apagar este incêndio.

(público do primeiro filme de Porter, que misturava imagens reais com encenadas)

  1. Esses rapazes vão se dar mal.

(grandes produtores da costa leste ao presenciarem o início de Hollywood)

  1. Nos livramos dos grandes produtores da costa leste.

(os fundadores de Hollywood)

  1. “O nascimento de uma nação” é longo demais, caro demais e complicado demais.

(todos em Hollywood, menos Griffith)

  1. Agora que descobri a fórmula, vou ganhar mais dinheiro ainda com “Intolerância”.

(Griffith)

  1. Cinema é uma arte.

(os artistas do cinema)

  1. Cinema é uma indústria.

(os trabalhadores do cinema)

  1. Os “talkies” são um retrocesso. Cinema de verdade não precisa de palavras.

(Chaplin e muitos outros diretores de filmes “mudos”)

  1. Agora que os filmes são falados, precisamos apenas de bons atores e diretores de teatro.

(produtores de Hollywood na década de 30)

  1. O roteiro é dispensável.

(Godard e outros diretores revolucionários)

  1. O diretor é o cunhado.

(Gore Vidal e outros roteiristas egocêntricos)

  1. O cinema é o veículo de comunicação do século.

(todos os teóricos da Comunicação, antes de começarem as transmissões de TV)

  1. O cinema morreu.

(quando surgiu a televisão)

  1. A TV tem sua própria linguagem.

(todos os teóricos de vanguarda)

  1. Quanto maior a tela, mais espectadores vamos cativar.

(os inventores dos “grandes formatos” da década de 50)

  1. Ela não serve: tem os olhos grandes demais.

(produtor de elenco de Hollywood, ao dispensar a menina Elizabeth Taylor)

  1. “El Mariachi” custou 7 mil dólares.

(Robert Rodriguez, “esquecendo” que a finalização custou 1 milhão de dólares)

  1. Roberto Rodriguez é o novo gênio do cinema americano.

(muitos críticos, antes de assistirem a “Desperado”)

  1. Esses caras ressuscitaram!.

(alguns espectadores no final de “Pulp Fiction”)

  1. Só faço pela grana, vai ser uma merda.

(Coppolla, ao aceitar a direção de “O Poderoso Chefão”)

  1. A continuação nunca é melhor.

(os espectadores, antes de assistirem a “O Poderoso Chefão II”)

  1. Vai ser o maior western de todos os tempos.

(os produtores de “O Portal do Paraíso”, que quebrou a United Artists)

  1. Quem escreve literatura, escreve roteiro de cinema.

(os produtores de Hollywood que contrataram Scott Fitzgerald)

  1. Você sabe por quem estou apaixonada neste filme?.

(pergunta de Ingrid Bergman para o diretor de “Casablanca”, que não tinha a mínima idéia)

  1. Cinema não se aprende na universidade.

(antes da formatura de Coppolla, George Lucas, Polanski e Scorcese)

  1. Ronald Reagan fazendo papel de presidente dos Estados Unidos? Ninguém vai acreditar nisso!.

(executivo de Hollywood nos anos 40)

  1. Não precisamos de reserva de mercado para nossos filmes.

(vários países europeus que produzem cinema)

  1. As chanchadas da Atlântida são prejudiciais ao cinema brasileiro.

(críticos da década de 50)

  1. Podemos competir com os americanos fazendo filmes iguais aos deles.

(os fundadores da Vera Cruz)

  1. Vamos acertar a distribuição de “O Cangaceiro” com a Columbia e dividir os lucros.

(os donos da Vera Cruz)

  1. “O Pagador de Promessas” não tem chance alguma.

(os críticos brasileiros, antes da Palma de Ouro em Cannes)

  1. Cinema é uma câmara na mão e uma idéia na cabeça.

(diretores brasileiros do Cinema Novo)

  1. “Rio, 40 Graus” é um filme subversivo.

(censores da polícia carioca no final dos anos 50)

  1. O público que se dane.

(os diretores do Cinema Novo brasileiro)

  1. “Dona Flor e seus dois maridos” não me interessa muito.

(Bruno Barreto, logo que ouviu falar do projeto)

  1. O cinema brasileiro será sustentado pelo mercado.

(Ipojuca Pontes, o braço de Collor na cultura)

  1. Esses curtas são todos uma merda.

(o público brasileiro, enganado pelos exibidores na vigência da Lei do Curta)

  1. Os estrangeiros querem ver o Brasil exótico.

(os produtores de “Quilombo” e “Quarup”)

  1. “Gabriela”, com Marcello Mastroiani e Sônia Braga, será o melhor filme brasileiro de todos os tempos. (os produtores de um dos piores filmes brasileiros de todos os tempos)
  2. “Son of a bitch” significa “cafajeste”.

(brasileiros que acreditam nas legendas de filmes americanos)

  1. Esse grosso vai se dar mal.

(os intelectuais gaúchos antes do primeiro filme de Teixeirinha)

  1. Catherine Deneuve vem a Gramado.

(os organizadores do Festival de Gramado)

  1. Acho que não preciso levar pulôver.

(cineastas cariocas congelados durante o Festival de Gramado)

  1. Trata-se de uma obra redundante, demagógica, apelativa e incapaz de permitir a atividade do intelecto alheio.

(crítica publicada em Zero Hora a “Ilha das Flores”, filme gaúcho mais premiado de todos os tempos)

(c) Carlos Gerbase
dezembro de 1995
publicado originalmente no Jornal da Rua da Praia, Porto Alegre