por Giba Assis Brasil
(novembro de 1982, abril de 1998)
publicado no Não 54
As pessoas que fazem super-8 em Porto Alegre são um saco. Passam o ano inteiro escondidas dos amigos e depois, quando chega o Festival de Gramado, apresentam dois ou três filmes chatos, pretensiosos, mal realizados, compridíssimos, falando sempre sobre as mesmas inquietações de jovens pequeno-burgueses, recebem elogios de alguns críticos paternalistas e vão pra casa, pensando nos filmes que vão fazer pro ano seguinte. E pro outro. E pro outro. Vocês já viram os nomes deles no Gasparotto? Pois daqui a uns dias vai pintar, podem crer.
Não cumprimentam velhos colegas do ginásio quando os encontram na rua. Dificilmente são vistos em festas de ano novo, a não ser que estejam reclamando da temperatura do chope. Raramente vão ao cinema. Mas estão sempre juntos, planejando novos filmes, absolutamente iguais aos que fizeram no ano passado. Se alguém pergunta sobre o dinheiro que estão ganhando com cinema, respondem sempre a mesma coisa: “Ainda não ficamos ricos.” Revezam-se no trabalho, é verdade: todos querem ser diretores, e nisso se ajudam, sendo assistentes de direção, fotógrafos, produtores executivos, atores principais, etc., uns pros outros. Os superoitistas de Porto Alegre possuem um grande e único ego grupal. Vivem trocando elogios, talvez pra dar a entender a eles mesmos que estão fazendo alguma coisa importante. Uma vez por semana são chamados a dar entrevistas na TVE. Alunas da PUC elaboram monografias a respeito de seu trabalho. Mas o trabalho em si não tem importância nenhuma.
O que pode ser comprovado pela falta de suporte ideológico. Eu, por exemplo, só esta semana recebi dois manifestos de superoitistas: um de João Pessoa e outro de Buenos Aires. Alguém já ouviu falar em algum manifesto de superoitistas portoalegrenses? Adivinho a resposta: os filmes são seus próprios manifestos. Neste caso, maior é a indefinição: vendo-lhes os filmes, quem é capaz de responder a favor de quê são os superoitistas de Porto Alegre? contra o quê? em quem eles votaram em 15 de novembro? aceitam empréstimos do FMI? enviarão representantes para a guerrilha em El Salvador? quem indicariam para a presidência da Embrafilme? batalham pela legalização da maconha? o que significa, para eles, fazer um filme?
O pessoal que faz super-8 em Porto Alegre só não é reacionário porque lhe falta cultura para tanto. As poucas opiniões que (certamente por descuido) deixam escapar são a respeito do chamado “grande cinema”, e aí demonstram ainda mais a sua falta de preparo. Consideram o Cinema Novo um equívoco, a Nouvelle Vague um embuste e a pornochanchada uma esperança. Os modelos são Spielberg e os Monty Python, sem questionamentos.
Some-se a tal manancial de idéias uma câmara tremida, com foco duvidoso, um total desconhecimento do que seja a linguagem cinematográfica, péssimas interpretações e uma dublagem mal feita. Reúna-se meia dúzia de pessoas na platéia e adicione-se uma projeção descuidada, uma imagem sem brilho e sem contraste e um som absolutamente inaudível. Tudo isso a preços mais caros que os do cinema convencional e com muito menos conforto do que ficar em casa assistindo TV. E se terá uma idéia do que significa isso que já foi chamado de “movimento superoitista portoalegrense”.
Giba Assis Brasil
Texto publicado originalmente no jornal “Sem Disfarce” número 1, em novembro de 1982. Ao contrário do NÃO, o “Sem Disfarce” era impresso na gráfica da Zero Hora, e só teve um número.