Em Brasília, 19 horas

Imperdível o novo livro do Eugênio Bucci, “Em Brasília, 19 horas”.

Em primeiro lugar, pelo factual: é a história de um mandato, o de Bucci como presidente da Radiobrás, entre janeiro de 2003 e abril de 2007, todo o primeiro governo Lula e ainda um pedacinho do segundo. Está lá, portanto, tudo aquilo que os resenhistas têm destacado, as intrigas palacianas, os bastidores do poder, etc. O subtítulo do livro, “a guerra entre a chapa-branca e o direito à informação no primeiro governo Lula”, já indica que tipo de cultura Bucci encontrou na Radiobrás, que projeto ele tentou implantar e inclusive o fato de que a luta continua. Os acontecimentos narrados ao longo das 290 páginas ajudam a entender quem estava de que lado em cada momento, quem trocou de lado, quem saiu ganhando ou perdendo.

Em segundo lugar, pela fundamentação dessa luta. Bucci é autor de vários livros de crítica cultural e crítica da mídia (“O Peixe morre pela boca”, 1993; “Brasil em tempo de TV”, 1996; “Videologias”, em parceria com Maria Rita Kehl, 2004) e de uma tentativa de sistematização, “Sobre ética e imprensa”, 2001. Ainda durante a formação do governo, o convite de Luiz Gushiken para que Bucci assumisse a Radiobrás certamente soou como um desafio: como ser ao mesmo tempo jornalista e ético numa empresa estatal de informação? A resposta de Bucci começou pelo seu discurso de posse: “A ética da informação e a ética do jornalismo são inseparáveis da ética republicana. (…) Há com freqüência um equívoco, de achar que nós pomos no ar as informações que nos interessam e ponto. Isso é um equívoco, porque quando as informações que nos interessam não correspondem às necessidades do cidadão a credibilidade começa a ser ferida. Portanto as informações que nos interessam veicular são as informações a que o cidadão tem direito.” Simples, quase banal, mas contrário a toda a história da Radiobrás, e não só dela.

Em terceiro lugar, o livro revela (ou melhor, expõe deliberadamente) muitas das interessantes contradições de Eugênio Bucci, em sua dupla trajetória de jornalista e militante, do estudante fundador de um núcleo do PT ao professor de Ética Jornalística, do editor (não remunerado, por 5 anos) da revista Teoria e Debate ao profissional diretor de várias publicações da Editora Abril. O ponto nevrálgico: se ele estava determinado a fazer apenas jornalismo na Radiobrás, por que insistiu em produzir, pessoalmente e com sua equipe, o programa de rádio “Café com o Presidente”, que ele sabia que nunca deixaria de ser propaganda? E ainda: se ele, como muitos, se sentiu traído com as revelações de 2005 sobre a forma de financiamento das campanhas do seu partido e do seu governo, por que não pediu pra sair? O texto de Bucci passa por todas essas questões, e mesmo quem não concorda com as suas respostas (o que não é o meu caso) é obrigado a reconhecer a coerência com que ele as resolve.

Mas há ainda um quarto motivo para não deixar de ler “Em Brasília, 19 horas”, e que talvez devesse ter sido mencionado antes dos demais: o livro é muito bem escrito. Uma amostra pode ser o trecho abaixo, que faz parte do capítulo 1 (“o direito que se entende errado”), em que Bucci disseca as relações políticas das imprensas brasileiras, a pública e a privada.

“A mentalidade que autoriza o aparelhamento dos meios de comunicação públicos aflorou como um espelho da mentalidade que já triunfou no setor privado - não raro em benefício de políticos no exercício de cargos no Estado. Dentro dessa cultura, o que se deu foi um desdobramento mais ou menos lógico, uma repartição de territórios: já que as emissoras privadas estavam aí para dar curso aos desígnios de seus donos em associação com grupos políticos, ficou tacitamente combinado que aquelas ligadas aos governos deveriam agradar aos mandatários, sem outras mediações. Desse modo, na comunicação social feita por empresas ou instituições públicas, vicejou o desvio de finalidade como se fosse a regra, como se fosse a própria natureza, como se fosse uma conseqüência biológica da vida pública. Tudo em casa: uma mão suja a outra.” (p. 29)

A percepção de Bucci e sua clareza de raciocínio ajudam a entender por que alguns se sentiram tão incomodados com a publicação do livro.


Capa do livro de Eugênio Bucci (editora Record, 2008)

TEM MAIS

O Observatório da Imprensa publicou os prólogos e a apresentação do livro “Em Brasília, 19 horas”.

Entrevista de Eugênio Bucci para o Estadão de 05/04/2008, quando do lançamento do livro.

Contraditório: o diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel não gosta do livro nem do seu autor.