O Começo do Não

por Giba Assis Brasil
em 07 de julho de 2008

O Não começou em março de 1975, quando eu tinha recém entrado na Faculdade de Engenharia Química (que eu nunca terminei), e ainda estava cursando as cadeiras do “curso Básico”. O núcleo inicial éramos eu, o (baixista dos Replicantes e consultor de informática) Heron Heinz e o (saxofonista dos Garotos da Rua, Pata de Elefante, etc., hoje mais conhecido como “King Jim”) Ricardo Cordeiro. O Heron tinha entrado na Engenharia Elétrica (que ele nunca terminou) e o Ricardo, teoricamente, faria vestibular no ano seguinte (terminou fazendo uns dois ou três anos depois, e só foi entrar numa faculdade no outro século). Como nós três nascemos em 1957, estávamos recém completando a maioridade.

O passado: o trio era, originalmente, também o núcleo de um “clube” chamado Esporte Clube Apolo, que tinha sido fundado em 1969 (aí a idade era 12, pré-adolescência). Antes ainda, os três tinham sido colegas no primeiro ano primário do Grupo Escolar Professora Leopolda Barnewitz, em 1963 (aí com 6 anos, infância mesmo). O Apolo tinha, claro, um time de futebol, competições de botão e, a partir de 1973, uma invenção nossa chamada Testão, uma espécie de olimpíada de lixo cultural que era disputada todas (eu disse todas) as sextas-feiras de noite, entrando madrugada a dentro. Claro também que, durante muito tempo, foi um “Clube do Bolinha”, mas a fase da latência já tinha terminado e as meninas não apareciam.

Então, em 1975, a Universidade era um mundo novo, e tava claro que a gente ia seguir por caminhos cada vez mais diferentes. O Não, portanto, não era um projeto jornalístico ou político ou coisa que o valha, mas quase que uma tentativa atrasada e fadada ao fracasso de salvar alguma coisa da infância, da amizade masculina, etc. Claro que os primeiros temas eram exatamente isso: as atividades do clube, comentários sobre os jogos de Testão e a descoberta do “mundo exterior”.

O jornal era semanal (e se manteve assim até o número 11) e tinha três nomes diferentes: quando eu editava era IMPRESSÃO, quando o Heron editava era O EX-CALADO, quando o Ricardo editava era BAGAÇO. IMPRESSÃO, claro, era uma paráfrase do OPINIÃO, na época já um clássico da chamada “imprensa alternativa” - como eu não me sentia seguro pra manifestar qualquer opinião, me escondia atrás do fato de que tudo eram apenas “impressões” sobre o mundo, além da dupla falta de sentido para um jornal que não era impresso, nem sequer datilografado, mas escrito a caneta bic. O EX-CALADO era uma piada com a “abertura lenta e gradual” do Geisel, também com duplo sentido: escalado era aquele que se escalava no time de futeobl, que aparecia sem ser convidado na festa, que dava opiniões não solicitadas. BAGAÇO era isso mesmo, sem duplo sentido: aquilo que se joga fora, bagaceirice.

Os textos eram escritos a mão, em folhas de caderno, e passados ao editor até o dia do lançamento (terças-feiras). As funções do editor: fazer uma capa, colocar os textos em alguma ordem, colocar um índice, grampear tudo e distribuir - ou seja, passar de mão em mão; como só havia um exemplar, só dava pra ter um leitor de cada vez.

Seria uma experiência sem nenhuma importância, acho, se não fosse o fato de que algumas pessoas começaram a ler o jornal nas aulas do Básico. Isso ampliou o universo de leitores, e a pretensão do veículo. Os textos começaram a ser mais caprichados, os assuntos se tornaram “mais sérios” enquanto o tom foi ficando cada vez mais humorístico. Os colaboradores (que a princípio eram apenas do círculo de amizades e familiar de nós três) começaram a se diversificar. O jornal passou de semanal a “eventual”, e começou a ficar bem mais elaborado: o tamanho caderno foi mantido, mas eram cada vez mais freqüentes os textos batidos a máquina, as colagens, dobraduras, etc. O nome deixou de ser rotativo, fixando-se em O EX-CALADO, escolhido unanimemente como o mais interessante dos três.

Dois anos depois, o mundo já era outro. O Heron tinha largado a Engenharia e passado pra Educação Física (que ele também não terminaria). Eu continuava na Química, mas estava cursando Jornalismo ao mesmo tempo, e com muito mais interesse. O Ricardo, fora do circuito universitário, ficava cada vez mais afastado. E, principalmente, “as gurias” já começavam a fazer parte da nossa vida. O Não estava passando pela sua primeira grande transformação: ia passar a se chamar NÃO. Mas isso já é outra história.


Pulando pouco mais de 30 anos, pra julho de 2008:

Pra quem pensava que o Não tinha ido embora, “olha ele aqui traveiz”, como diriam o Adoniran e o pessoal da Terreira. Depois de dois anos no limbo do hiperespaço, o Não volta em seu número 83, enxuto e temático (“tecnologia e contracultura” é o nome do jogo), com edição do Cesar Brod e textos de Albert Siedler, Ariela Boaventura, Carlos Gerbase, Eloar Guazzelli Filho, Gaby Benedyct, Giba Assis Brasil, Joice Käfer, Pedro dos Santos de Borba e Roberto Tietzmann.

O endereço, pra quem não lembra mais, é
http://www.nao-til.com.br

Até este momento, o Não já teve 239.770 acessos.

Não 83: tecnologia e contracultura


TEM MAIS:

Mais informações sobre o começo do Não.

Mais sobre Heron Heinz no sítio oficial dos Replicantes.

Entrevista com Ricardo Cordeiro (“King Jim”).