Qual é a notícia?

por Jorge Furtado
em 12 de agosto de 2008

Manchete e lead da Folha de São Paulo deste domingo:

Diferença Alckmin/Kassab cai à metade

Tucano recua 8 pontos, e prefeito, com sua melhor avaliação, oscila para cima; Marta cresce e se isola em 1º.

De passagem por São Paulo vi o jornal sobre a mesa do saguão de um hotel. Perguntei a dois jovens (universitários, participantes do Festival Internacional de Curtas que acontece na cidade, não percam) o que entendiam da manchete. Os dois eram pouco ligados em política e não moravam em São Paulo.

Folha SP, 24/08/08

Um me perguntou quem era Kassab, informei ser o prefeito da cidade, candidato à reeleição. Um disse que achava se tratar de resultados de uma pesquisa, embora a palavra pesquisa não seja legível se o jornal estiver sobre uma mesa, como estava. Para saber se tratar de uma pesquisa era preciso pegar o jornal, coisa que os jovens, que esperavam alguém no lobby do hotel, não estavam dispostos a fazer. Os dois disseram que pouco lêem o que os jornais escrevem fora dos cadernos de cultura e esporte, “e olhe lá”!

Perguntei aos jovens o que deduziam da manchete. Um disse que entendia que Alckmin estava muito na frente de Kassab na pesquisa anterior e, nesta pesquisa, a diferença caíra à metade.

Perguntei quem liderava a pesquisa e os dois concluíram que era Alckmin, já que o nome dele estava na frente.

Pedi que prestassem atenção ao lead, “aquelas letrinhas menores sob o título”. Eles leram, perguntei o que concluíam. Um disse que confirmava o que tinha achado, a diferença entre Alckmin e Kassab caiu à metade. A novidade era o aparecimento de Marta. Que Marta, perguntou o outro? O outro perguntou se aquela vírgula entre “pontos” e “e prefeito” não estava sobrando. Achei que sim, mas deixa pra lá, não é hora para questões gramaticais.

Passei à leitura do texto e do gráfico tentando entender o que realmente a pesquisa afirmava, mas hoje em dia não é tarefa fácil encontrar a notícia nos jornais. O texto na capa está dividido em duas pequenas colunas (15 linhas) e o nome de Marta só aparece no terceiro parágrafo, no fim da primeira coluna, com a informação de que ela subiu 5 pontos e lidera a pesquisa, com 41%. Antes de chegar ao nome de Marta os leitores ainda passam duas vezes pelos nomes de Alckmin e Kassab. Somos informados que “Kassab oscilou três pontos para cima, no limite da margem de erro”, seja lá o que isso signifique.

Sob o texto, um gráfico onde finalmente a notícia se torna visível: a primeira colocada nas pesquisas, Marta Suplicy, subiu 5 pontos (36 para 41%) e o segundo colocado, Geraldo Alckmin caiu 8 pontos (32 para 24%).

Ou seja: a diferença entre a primeira colocada (Marta) e o segundo colocado (Alckmin) era de 4 pontos e agora é de 17. Deu para entender? A diferença entre o primeiro e o segundo colocado mais que quadruplicou. Mas a Folha de São Paulo preferiu destacar em sua manchete da edição de domingo o fato de que a diferença entre o segundo e o terceiro colocado caiu pela metade.

Parece óbvio que o fato - se é que pesquisa é fato - do primeiro colocado ter quadruplicado sua vantagem sobre o segundo colocado é uma notícia mais relevante que o fato da diferença entre o segundo e terceiro colocado ter caído à metade.

Jornais podem ter candidato, mas não podem ter e fingir que não têm sem jogar fora o que resta de sua credibilidade.