A Prévia do Óscar

por Giba Assis Brasil
em 28 de setembro de 2008

Num blogue as pessoas falam sobre o seu dia-a-dia: Hoje eu acordei com dor na omoplata. O cobrador do ônibus Vila Jardim tinha uma verruga na ponta do queixo. Muitos processos pra catalogar. Será que eu termino de ler “O Vencedor está só” até o final da semana?

Num blogue as pessoas dizem o que pensam, ou o que elas acham que se espera que elas pensem: O Lula e o Bush deveriam se encontrar pra resolver o problema da gripe aviária. Os japoneses são todos iguais e gostam de bater fotos. O amor é um sentimento muito poderoso, tanto que cura até dor de corno. Acho que Jesus Cristo deve ter dito alguma coisa parecida.

Num blogue as pessoas especulam sobre o que se deve ou não se deve escrever num blogue. Semana passada participei da comissão que escolheu o filme brasileiro a ser indicado para concorrer ao Óscar. Muita gente fez perguntas sobre isso, algumas pra mim, outras não; algumas extremamente mal-educadas, outras simplesmente mal-informadas. Algumas dessas perguntas eu respondi, outras eu respondo agora. Por exemplo:

  • Por que é o Ministério da Cultura quem indica o filme brasileiro para o Óscar? A produção de cinema não é uma atividade privada? Será que nós estamos em Cuba ou na China?

Todo ano, a “Academia de Artes e Ciências Cinematográficas”, que organiza o Óscar, pede a cada país produtor a indicação de um filme - este ano foram 83 países convidados. Esse processo facilita o trabalho de seleção, oficializa as indicações e mobiliza os produtores. No caso brasileiro, o pedido é feito ao MinC (não sei quais são os órgãos contatados pela Academia em Cuba e na China). Mas o MinC, todo ano, organiza uma comissão independente, formada por profissionais da área e críticos, e indica o filme escolhido pela comissão. Este ano a comissão foi formada por mim, Cléber Eduardo (crítico), Paulo Sérgio Almeida (cineasta, diretor da revista Filme B), Alfredo Bertini (produtor cultural, diretor do Festival de Recife), Dora Mourão (montadora, professora da USP), Sílvia Rabello (presidente do laboratório Labocine), mais o Secretário do Audiovisual Sílvio Da-Rin (cineasta e técnico de som).

  • Por que, DE NOVO, deixaram de indicar o filme “Tropa de elite”? O governo Lula tem alguma coisa contra esse filme?

“Tropa de elite” concorreu ano passado e não foi indicado - a comissão brasileira (que também não tinha nada a ver com o governo) escolheu “O Ano em que meus pais saíram de férias”. Pelas regras da Academia, os filmes que vão concorrer ao Óscar de filme estrangeiro 2009 devem ter estreado em seu país de origem entre 01/10/2007 e 30/09/2008. “Tropa de elite” estreou em setembro de 2007, justamente para poder concorrer à indicação do ano passado. Mas, como o filme foi lançado comercialmente no Estados Unidos em 19/09/2008, ele pode concorrer aos Óscars normais (melhor filme, direção, fotografia, ator, etc.) - só depende da Academia.

  • Por que “Linha de passe” não foi pré-selecionado? Só porque ele não foi distribuído pela Globo Filmes?

Não houve pré-seleção: todos os 14 filmes inscritos foram analisados pela comissão. “Linha de passe” não foi inscrito por decisão de seus realizadores. Dia 15/09 Walter Salles enviou uma carta à imprensa dizendo que nem ele nem Daniela Thomas poderiam se dedicar à divulgação do filme junto aos membros da Academia no período de outubro-novembro, e que por isso o filme, caso indicado, teria chances muito reduzidas de integrar a lista final.

  • Por que o regulamento do Ministério da Cultura permite que seja indicado um filme que não foi lançado nas maiores cidades brasileiras? O filme escolhido, “Última parada 174”, não deveria ser eliminado por este motivo?

O regulamento não é do MinC, e sim da Academia. A Paramount, distribuidora do filme, optou por fazer um lançamento parcial (apenas na cidade de Jundiaí), a fim de qualificá-lo para a disputa do Óscar mas preservar a data escolhida para o grande lançamento nacional, 24 de outubro. A comissão entendeu que o filme cumpriu o regulamento. Em anos anteriores, outros filmes adotaram o mesmo expediente (lembro de “Tropa de elite” ano passado e “Central do Brasil” em 1998) e também não foram eliminados por isso.

  • A comissão sofreu alguma forma de pressão ou lobby, antes ou durante a reunião?

A reunião da comissão aconteceu no dia 16/09, das 10h às 12h30, no segundo andar do Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, e foi totalmente tranqüila. Alguns dias antes, eu recebi uma carta do diretor de um dos filmes concorrentes. Não gosto desse tipo de atitude, mas não a chamaria de pressão: eram apenas alguns argumentos em favor de seu filme. Na reunião, fiquei sabendo que o mesmo diretor mandara o mesmo texto para outros dois membros da comissão. O filme dele não foi o escolhido. Até onde eu sei, esta foi a única tentativa de contato entre os concorrentes e o júri.

  • “Última parada 174” foi escolhido por suas qualidades ou porque, no julgamento da comissão, “teria mais chances de ganhar o Óscar”?

A comissão não tentou adivinhar o que os membros da Academia de Hollywood poderiam pensar sobre os filmes. Discutimos apenas as qualidades e eventuais problemas de cada filme inscrito.

  • Mas a escolha do ano passado não usou o critério do “filme com mais cara de Óscar”? Por que a mudança este ano?

Desconheço os critérios da comissão do ano passado, que tinha os cineastas Bruno Barreto e Hector Babenco, o diretor da Mostra de São Paulo Leon Cakoff, os jornalistas Ana Paula Sousa e Pedro Butcher, o crítico Rubens Ewald Filho e o então secretário do audiovisual, Orlando Senna. Ou seja, nenhum membro do ano passado foi reconvidado para a comissão deste ano. Aliás, lendo a nominata das comissões desde 1999, pode-se constatar que apenas 5 pessoas participaram duas vezes, e ninguém mais de duas vezes em dez anos.

  • A decisão foi unânime? Se não, que filme ficou em segundo lugar?

A decisão não foi unânime, mas foi consensual. Discutimos todos os filmes, cada um de nós indicou os seus três favoritos, rediscutimos os mais votados nessa primeira rodada, fechamos a discussão em torno de três filmes e, afinal, quando ficou claro que a maioria escolheria “Última parada 174”, estabaleceu-se o consenso. Não houve propriamente uma votação final. Na prática, ficaram em segundo lugar os outros 13 filmes inscritos, ou seja (em ordem alfabética): “A casa de Alice”, “Chega de saudade”, “Os desafinados”, “Era uma vez”, “Estômago”, “Meu nome não é Johnny”, “Mutum”, “Nossa vida não cabe num Opala”, “Olho de boi”, “Onde andará Dulce Veiga?”, “O passado”, “O signo da cidade” e “A Via Láctea”.

  • Quanto vocês ganharam por isso?

A participação na comissão do Óscar não é remunerada. O MinC pagou a minha passagem ao Rio e forneceu um lanche após a reunião. Até o final de outubro deve ser depositada na minha conta bancária o equivalente a “meia diária” - que eu não sei quanto vale, mas espero que pague minhas despesas de táxi. Aceitei o convite do Sílvio Da-Rin porque achei que poderia contribuir com a minha subjetividade num processo de seleção que eu entendo que deva ser conduzido com seriedade, justiça e espírito público, e principalmente porque isso me obrigaria a ver alguns dos melhores filmes brasileiros do ano, muitos dos quais eu já havia perdido no cinema.

Então? É pra isso que serve um blogue?

“Última parada 174” estréia dia 24/10 em todo o Brasil, menos em Jundiaí, que assistirá Corinthians x Grêmio pela série B.


TEM MAIS:

A carta de Walter Salles justificando a não inscrição de “Linha de passe” foi publicada no Globo.

Sítio oficial do excelente filme “O Ano em que meus pais saíram de férias”.

Este Oscar fará 101 anos em dezembro e não gosta de filme americano


Enviado por Maia em 01 de outubro de 2008.

E é pra isso que serve os comentários: dizer que o post é esclarecedor e merece parabéns! Abraço,

Enviado por giba em 01 de outubro de 2008.

Obrigado, Maia. Volte sempre.