Moviola pra quê?

por Giba Assis Brasil
em 22 de fevereiro de 2009

Em março de 2006, numa lista de discussão de montadores de que eu faço parte, voltou o assunto moviola x digital. Meu amigo Milton do Prado escreveu com propriedade que “da mesma forma que os melhores roteiros da história foram escritos independentemente da pena de ganso ou de metal ou do Word, a montagem independe MESMO do equipamento a ser utilizado.” Na mosca. Mas, na lista, teve gente que não ficou satisfeito. Então eu entrei no debate. E, como até agora ninguém reclamou da minha prática de requentar textos velhos nesse blogue, copio abaixo.


Já que a pena de ganso não convenceu, vou apelar pra uma comparação mais pesada. As moças que me desculpem.

Uma vez, muuuuitos anos atrás, estava discutindo com algumas pessoas se a circuncisão mudaria o prazer sexual do sujeito. Aí um amigo falou: “Eu, que fiz sexo antes e depois de ser circuncidado, posso garantir: não muda nada.” Como eu não estava a fim de experimentar (a cirurgia, é claro), aceitei o depoimento dele como definitivo.

Pois é. Eu trabalhei 15 anos em moviola antes de passar definitivamente para a montagem digital. Muda muito. Mas a montagem é a mesma.

Nem é tão mais rápido assim: o tempo pra montar a primeira versão de uma cena é praticamente o mesmo; o que muda é que agora é imensamente mais fácil fazer o segundo corte, o terceiro, o quarto, o quinto…

Mas a lógica da montagem é rigorosamente a mesma. Ou melhor: não é a mesma porque entre uma e outra tem 15 anos de filmes sendo feitos e assistidos - e é isso que muda a lógica da montagem, não a tecnologia utilizada.

Aliás, a montagem em moviola também era não-linear. Quem chegou a montar numa velha ilha de vídeo analógico (esta sim, uma montagem linear) sentiu mais mudanças do que quem veio da moviola. Sim, eu montei em ilhas analógicas também. Mas isso já era nos anos 80, imagina quem montou em vídeo antes disso, quando não havia timecode…

Mas é claro que ninguém precisa aceitar a minha opinião. É só ficar alguns meses numa moviola, e sair de lá com as calças cheias de pedacinhos de durex (tem gente que tem saudade, acreditem). Ou então procurar um rabino.

Qual dessas penas pertenceu a Shakespeare? E ao escrivão que registrou o nascimento de Shakespeare?


TEM MAIS

O alemão Gerhard Schumm, graduado em cinema e filosofia, escreveu algumas notas sobre montagem digital (em inglês)

Penas de ganso à venda no Ebay, a partir de 10 dólares

A circinfo.net tem uma página só de piadas sobre circuncisão (também em inglês).


COMENTÁRIOS

Enviado por Alberto em 01 de abril de 2009.

Giba, essa lista de discussao que tu mencionou ainda existe? Se sim, ela é aberta para outras pessoas?

Enviado por Giba Assis Brasil em 31 de maio de 2009.

Já respondi pessoalmente.

Enviado por Cesar em 30 de abril de 2009.

Giba, acho que o assunto é até meio off-topic, mas o que tu achas deste novo fenômeno das pessoas agora, com o poder de edição em suas mãos, estarem editando os clássicos e postando no Youtube, etc, como o The Phantom Edit do StarWars (http://en.wikipedia.org/wiki/The_Phantom_Edit)

Enviado por Giba Assis Brasil em 31 de maio de 2009.

Cesar, desculpe a demora. Com as mudanças do sítio eu terminei perdendo alguns comentários. Acho que você tá falando do que alguns chamam de “fanfic”, ficção criada por fãs, certamente um dos fenômenos audiovisuais do momento. Não tenho tempo nem paciência pra ver tudo que surge no Youtube todos os dias, e certamente a grande maioria é de muito baixa qualidade, mas já vi algumas coisas surpreendentes. Tem a ver com intertextualidade, com um novo conceito de autoria, assuntos que me interessam. Abraço.