Soneto freudiano

por Giba Assis Brasil
em 06 de agosto de 2009

Novembro de 2005. Eu tinha acabado de ler o magnífico sonetário do Glauco Mattoso, “Panacéia” (que hoje já não teria mais acento). E achei que eu também podia fazer. Um, pelo menos. Viciei: em menos de quatro anos, já fiz mais dois. Glauco já passou de três mil. Será que eu chego lá?

SONETO FREUDIANO

a bunda agrada porque lembra o seio
o seio é belo porque a bunda imita
e toda parte que o prazer excita
é sempre a sombra de um outro anseio

sexualidade tem que ser profunda
sempre entre adultos, nunca entre iguais
prazeres que não sejam genitais
são só reflexo de uma coisa imunda

freud, eu aposto que foi mal chupado
e mal comido e pior masturbado
ou não achava tudo assim tão feio

pois até hoje o que o freudiano aplica
a cada vez que um caso se complica
é a regra de botar a mãe no meio

Giba Assis Brasil, 21/11/2005

Tem avô que é cego: “Naked girl asleep” (1968), de Lucien Freud.


TEM MAIS

Os primeiros 3036 sonetos de Glauco Mattoso.

Freud nunca escreveu que o medo das armas era um sinal de imaturidade sexual. Mas escreveu que a América era um erro, um grande erro.

O texto em inglês dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de Freud, escritos em 1905, numa tradução de 1920.


COMENTÁRIOS

Enviado por Helene em 10 de agosto de 2009.

Olá! Aqui é a Helene, ex-aluna do Crav, turma de 2005. Escrevi um e-mail pro giba@portoweb.com.br e queria saber se esse é ainda o endereço que usas, pois como não obtive resposta (e sei que tu costumas responder rápido, pelo menos no Crav!), resolvi aparecer aqui e perguntar. Muito bacana o blog! E o e-mail que te mandei é realmente importante pra mim, resumindo, é uma dúvida cruel: posso ser feliz editando em Porto Alegre? E tenho ainda muito que aprender… Até mais e desculpe a invasão :) Ah, sim, só falam do Freud assim, “blá blá foder blá blá mãe blá blá Freud explica!” pra baixo. E eu acho que o Freud não achava tudo tão feio não, tinha um complexo e só. hehe… Mas depois que passa um tempo as coisas parecem incrivelmente confiáveis e dignas de referências! Morrer já é meio caminho andado.

Enviado por Giba Assis Brasil em 11 de agosto de 2009.

Já respondi por e-mail.

Enviado por Armando em 11 de agosto de 2009.

Lembro de um episódio real, um dado bem conhecido da biografia do Freud, que ilustra o fato de que uma coisa é o que os caras disseram, outra é a leitura primária, as interpretações rasas, dos seus escritos: viajando num trem de Viena para Zurique foi interpelado, numa provocação, por um gaiato que capciosamente pergunta: “E daí, Doutor, e um charuto, qual o significado de se fumar um charuto… ?” Ao que Freud plácidamente responde: “Um charuto pode ser apenas um charuto, meu filho … “ No mesmo sentido, é como alguém já disse: até os paranóicos também podem ter inimigos. Todo mundo é livre para dizer e escrever o que quiser. Assim como para ler o que quiser - inclusive Mein Kampf, do Hitler - desde que o faça com senso crítico. O problema não está em Freud, mas nos freudianos. Da parte de muita gente há a clara compreensão de que o verdadeiro significado do Mito de Édipo é bem diferente daquele que Freud lhe atribui - muito mais como um recurso literário, próprio da sua escrita, do que uma formulação científica. Aqueles que ainda se apegam a uma visão edipiana, superestimando o conceito de Inconsciente, estão apenas tentando dar um verniz de profundidade à sua própria estreiteza mental. Outro exemplo é o de Marx : já em seu leito de morte, é avisado de que um grupo de ‘marxistas’ pede para ser recebido. Ao que responde: “ … marxistas … ? O que é marxista … ? Só sei que marxista EU não sou … “ Ou seja: não há dogmáticos, os únicos dogmas que eu conheço são os da Igreja Católica, que os afirmam como doutrina e de forma explícita. Dogmáticos são os pretensos seguidores que, pela leitura mecânica que fazem, erigem como dogma os enunciados desses pensadores. Na maioria das vêzes, são os mesmos que procuram nas suas leituras apenas aquilo que querem ouvir, para aplacar as suas (más) consciências.*

*contido em Marxismo, de André Piettre, Ed. Zahar.

Enviado por Giba Assis Brasil em 11 de agosto de 2009.

Perfeito, Armando. Acho que era mais ou menos isso que eu queria dizer. Obrigado pelo rigor.

Enviado por Armando em 13 de agosto de 2009.

Giba: No afã de me policiar pra não me estender demais, sempre esqueço algum detalhe, não menos importante. O soneto é muito bom, segue a tradição de erotismo dos sonetistas desde Petrarca, nas suas origens. Ao ler imediatamente me veio à lembrança aquela que eu chamo de ‘a confraria dos desbocados’: Boccacio, Bocage, o Boca do Inferno (Gregório de Mattos) e o nosso atualíssimo Glauco Mattoso (entre outros). Abstraindo a licença poética contida no soneto e algum excesso na argumentação do meu comentário, penso que estamos dizendo a mesma coisa sim, na essência. Citei a fonte da história sobre o Marx por se tratar de um fato da vida pessoal do personagem; a do Freud já é bem conhecida. Não tinha tanta pretensão ao rigor. Um abraço.

Enviado por Armando em 14 de agosto de 2009.

Só para acrescentar, a título de curiosidade: como prova de talento, criatividade e domínio do idioma, o pseudônimo Glauco Mattoso tem um ‘triplo’ sentido. Além de uma referência irônica ao fato de estar cego por sofrer de glaucoma, os dois ‘tês’ remetem à clara influência de Gregório de ‘Mattos’ …

P. S. - Para uma pequena ‘revisão’ ao meu comentário inicial:

- O advérbio de modo ‘placidamente’ não tem acento agudo (plácido sim).

- onde se lê “ … que os afirmam como doutrina … “, leia-se “ … que os afirma … “. O verbo, no caso, concorda com Igreja Católica, no singular.\

Desde de que reli, ao postar, fiquei em dúvida se valia a pena corrigir. Mas no momento em que o rigor passa a ser um valor, achei importante fazê-lo. Os demais erros podem ser tributados às minhas próprias limitações, mesmo.

Enviado por Giba Assis Brasil em 15 de agosto de 2009.

Isso é o que eu chamo de rigor, Armando. Saudações.

Enviado por Armando em 17 de agosto de 2009.

(rindo muito) … vá se roçar nas ostras, Giba … se rigor fosse só isso, não precisaria mais haver cinema, nem literatura, nem poesia, nem política, e tu estaria totalmente desempregado … e eu não estaria me divertindo assim no teu blog … (risos) …

Enviado por Emilio em 24 de agosto de 2009.

Fala Dr. Giba, tudo bem? Eu não sei o quê que é melhor, o soneto ou os comentários… rsrs Emilio (de São Paulo).