Outros tempos

por Giba Assis Brasil
em 01 de dezembro de 2009

Atenção: ao contrário do que parece, o texto que segue, basicamente uma longa pesquisa em jornais velhos com uns poucos comentários, não é sobre futebol; é sobre História. Como um jogo de futebol, ele tem dois tempos, mas com trinta anos de intervalo entre eles.

PRIMEIRO TEMPO

Ano de 1967. No primeiro Campeonato Brasileiro de Futebol, na época chamado de Robertão, classificaram-se para o quadrangular final dois clubes de São Paulo e dois de Porto Alegre. Antes da última rodada, o Palmeiras tinha 7 pontos, Corinthians e Inter tinham 5, o Grêmio tinha 3. No dia 7 de junho, o Inter jogaria com o Corinthians, em casa. Ou melhor: como o Beira-Rio ainda não estava pronto e o velho estádio dos Eucaliptos não tinha sido aprovado para a competição, o Inter jogava seus jogos em uma casa emprestada, o Olímpico, do Grêmio. Resultado daquela noite: Inter 3 x 0 Corinthians, gols de Claudiomiro, Joaquim e Dorinho.

Manchetes da Zero Hora no dia seguinte, 08/06/1967:

“Timão” agora é o colorado
Somos mesmo a segunda força
Vitória do Grêmio dará título ao Inter

Isso foi 11 anos antes da Copa da Argentina. Portanto, ainda não havia a determinação da Fifa de que jogos decisivos com resultados mutuamente influenciáveis tinham que ser jogados ao mesmo tempo. No dia seguinte, no Pacaembu, o campeonato terminaria com Palmeiras e Grêmio. Se o Grêmio ganhasse, o Inter seria campeão.

Na página 12 da Zero Hora, a análise do jogo do Inter:

É líder, já é vice e pode ser campeão

Com a festa de ontem, no Olímpico, o Internacional já é vice-campeão. Dependendo do resultado de hoje, em São Paulo, poderá chegar ao título máximo do Robertão-67. Uma glória sem igual para o futebol gaúcho. O jogo foi excelente, porque o time de Sérgio Moacir soube esmagar o “timão” de Zezé. E, ao final, justificou-se o côro da torcida colorada: “Um, dois, três, Corinthians não tem vez”.

Na página 14, os preparativos para o jogo do Grêmio contra o Palmeiras:

Para cima do Grêmio, os paulistas resolveram fazer uma “ondinha”. Afinal, ganhar fora de campo é uma tática que os velhos ingleses, já nos primórdios do futebol, gostavam de aplicar. Mas, com o presidente Rudi Armin Petry no comando da delegação, o golpe não está surtindo efeito. Os jogadores do Grêmio têm falado com pouca gente estranha, não dando ouvidos a qualquer declaraçao que os coloque em plano inferior. O programa traçado pelo treinador Froner tem sido rigorosamente cumprido. Ontem, os gremistas foram ao Parque São Jorge, onde realizaram uma sessão de ginástica, seguida de um treino bitoque. Todos se comportaram bem. Mas a dúvida no arco permanece: Alberto ou Arlindo. O doutor Jairo Cruz fará hoje, às 18 horas, o teste final. Na mesma hora, Froner deverá se decidir sobre a posição da meia, entre Beto ou Volmir. Seguindo esta hipótese, aparecerá Loivo na ponta esquerda. No caso do técnico optar por Beto, Volmir ocupará sua posição habitual de ponteiro-esquerdo. O resto da equipe se encontra bem.

No outro dia, 09/06/1967, na capa de trás de Zero Hora, o resultado:

Palmeiras é campeão
Grêmio caiu no Pacaembu

O Palmeiras é o campeão do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, após a derrota que infligiu ao Grêmio, no Pacaembu, ontem à noite, por 2 a 1. Com êsse resutado os paulistas detêm a hegemonia do futebol brasileiro. Os gaúchos ficaram com a segunda e o vice-campeonato conquistado pelo Internacional. O Corinthians ficou em terceiro e o Grêmio, em quarto lugar.

Na página 12, a análise do jogo:

… E nós ficamos mesmo em segundo

Uma estrondosa vaia foi a recepção paulista à equiipe do Grêmio, que não se intimidou, cortando por intermédio de Ortunho a primeira carga palmeirense. Logo aos três minutos, Beto lançou Volmir, que tentou o gol, mas a bola acabou sendo desperdiçada. O time de Froner mostrava disposição e empenho (…)

Apesar disso, o primeiro tempo terminou 2 x 0 para o Palmeiras.

No vestiário, Froner soube tocar no ponto nevrálgico da sua equipe, tirando Áureo e colocando Paíca em seu lugar. Iniciado o 2o tempo, com o Grêmio movimentando a bola, viu-se uma nova equipe, mais agressiva e insistente. Cléo começou a se entender mais com o trabalho de municiamento. Volmir lutava com mais vontade e Joãozinho corria, vindo buscar a bola cá embaixo. (…) Pouco a pouco, o Grêmio começou a vencer os lances individuais e Aimoré Moreira deve ter sentido, na boca do túnel, um peso sobre os ombros. Sobretudo quando a própria torcida “periquita” reclamou de certas jogadas em que os tricolores venciam facilmente. Era mesmo a fase de recuperação do Grêmio, começando a aparecer o verdadeiro futebol gaúcho, que nem chegou a aparecer na primeira fase. Prova disso, foi o fato de ter Arlindo sido chamado a intervir, na segunda etapa, em apenas uma oportunidade. Aos 40 minutos, surgia o tento de honra, através de uma penalidade máxima cobrada por Ari Ercílio, depois que Baldocchi cometeu uma falta sobre Loivo, quando o avante gremista avançava firme para o gol.

Grêmio: Arlindo; Everaldo, Paulo Souza, Arí Ercílio e Ortunho; Áureo (Paíca) e Cléo; Babá (Loivo), Joãozinho, Beto (Vieira) e Volmir. Técnico: Carlos Froner.

Palmeiras: Valdir Peres; Djalma Santos, Baldocchi, Minuca e Ferrari; Dudu e Ademir da Guia; Dario (Zico), Servílio, César e Tupã (Rinaldo). Técnico: Aimoré Moreira.

Local: Pacaembu - Juiz: João Carlos Ferrari - Renda: Cr$ 64.568,50 - Gols: César (P) aos 8 e 24 minutos; Ari Ercílio (G) aos 85.

Na mesma página, o título do comentário “Bola branca”, do Professor Mendes Ribeiro, era “Valeu a lição!”:

Perdeu o Grêmio. Não é novidade. Na fase final do Roberto Gomes Pedrosa, o glorioso tricolor virou Ferroviário. Não ganhou uma sequer. O declínio se tornou ainda mais gritante pela campanha ascensional do Internacional. Não será lícito, porém, esquecer o que se disse e o que se escreveu quando terminou a fase de classificação e, na opinião unânime do mundo esportivo, a dupla grenal já tinha ido alem da mais otimista expectativa. O normal aconteceu com o Grêmio. O ímpar, o magnífico, teve a chancela do Clube do Povo.

Nem antes nem depois do jogo, nenhum comentário de que o resultado pudesse ser arranjado, nenhuma insinuação de corpo mole. Pelo jeito, essa possibilidade simplesmente não existia.

SEGUNDO TEMPO

Ano de 1997. O Campeonato Brasileiro já tinha três décadas e os gaúchos já tinham vários títulos acumulados. Naquele ano, na última rodada da fase classificatória, o Inter tinha um jogo em casa que não decidia nada: ganhando ou perdendo do Bragantino, entraria nas finais em segundo lugar, atrás apenas do Vasco. Já o Grêmio tinha obrigação de ganhar fora, do já rebaixado Fluminense.

A Zero Hora do dia 08/11/1997 trazia, na capa do caderno de esportes, a palavra MEDO em letras enormes, logo acima de uma foto do então presidente do Grêmio com expressão de pavor. E o subtítulo:

Grêmio de Cacalo chega à última rodada ainda ameaçado de rebaixamento.

Na página 2, matéria de Jones Lopes da Silva:

Grêmio quer encontrar a paz, afinal

Nem as pessoas que interpretam estrelas e jogam búzios concordam sobe o futuro do clube. Vestido de branco e ungido dos mistérios do jogo dos búzios, o babalorixá Danilo de Oxum não vê nas entidades consultadas sinais de desolação. “O Grêmio termina o ano com astral supernegativo, mas não será rebaixado à segunda divisão”, vaticina o religioso. “Vai sofrer, sim, por causa dos resultados paralelos, mas supera a fase.”

Na página 3, texto de Alexandre Corrêa:

Torcedores rezam e fazem promessas

Nem só a ajuda de Santa Rita é esperada hoje à noite pelos gremistas. Qualquer tipo de apoio é válido para manter o time na elite do futebol brasileiro. Até do Inter. O time de Celso Roth vai enfrentar o Bragantino, inimigo direto por um lugar na primeira divisão. “Se tiver que escolher entre torcer pelo Inter ou ser rebaixado, acho que torço pros colorados”, diz sem nenhuma convicção o gremista Luiz Carlos Dal Pai.

Na página 17, o comentário de Paulo Roberto Falcão:

O Grêmio precisa apenas de um ponto. Melhor dizendo, o Grêmio precisa muito deste ponto. Pode, inclusive, conforme a combinação de resultados, precisar desesperadamente deste ponto. (…) E do Inter, o que se pode esperar? Certamente o empenho de sempre pela vitória. Já abordei o assunto ontem e volto a afirmar: não acredito nem remotamente na hipótese de facilitação. Profissionais responsáveis não se submetem a este tipo de coisa, que até serve para alimentar a rivalidade, mas seria uma sentença de morte para o próprio futebol. O público só vai a campo porque acredita na seriedade do esporte.

No dia anterior, na página 75, uma matéria com o centroavante do Inter já tinha adiantado o assunto:

Christian convence médico e joga

Uma vitória colorada significa ainda a permanência do Grêmio no grupo de elite do futebol brasileiro. Christian sabe disso e tratou de tranqüilizar os torcedores gremistas. “Se depender do Inter, o Grêmio não corre nenhum risco de cair na segunda divisão”, previu o ídolo colorado.

Os resultados: no Beira-Rio, Inter 7 x 0 Bragantino, com o primeiro gol aos 8 minutos. Depois de um primeiro tempo complicado, o Grêmio também acabou fazendo a sua parte e venceu o Fluminense por 2 x 0.

Assim como no “primeiro tempo”, o episódio terminou sem nenhuma dúvida: não houve corpo mole, favorecimento, resultado arranjado, nada disso. Os times entraram em campo para ganhar, como sempre tinham feito. Mas a especulação já existia, e prenunciava novos tempos.

(Pesquisa feita no acervo de jornais do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, em 01/12/2009)


COMENTÁRIOS

Enviado por nino em 03 de janeiro de 2010.

conta a lenda - prá resguardar a fonte, lei de imprensa - que neste jogo giba, lá de são paulo, gremio e palmeiras em 67, que o gremio entrou em campo e tal, aquela corrida, aquecimento, a torcida periquita, o palmeira então não era porco, era periquito, a torcida periquita ululava, o ortunho chamou os companheiros e lascou: tão vendo esse mar verde? se a gente ganhar vai ter mar vermelho na volta. primeiro tempo 2 a zero palmeira. o ortunho é que pode dizer se é apenas uma lenda.

Enviado por Giba Assis Brasil em 04 de janeiro de 2010.

Pois é, Nino. Depois de ter escrito esse texto aí em cima, fui avisado pelo meu amigo Marcelo Coelho de que existe um compacto do tal jogo no Youtube. Vendo os gols do Palmeiras, dá a impressão de que a defesa do co-irmão, no mínimo, não se esforçou muito. Mas é fato que a Zero Hora não publicou uma única linha sobre a possibilidade de entregar o jogo, nem antes nem depois. Será que a diferença entre os tempos é só essa? Abraço.