Não fui eu!

por Jorge Furtado
em 05 de dezembro de 2009

Encontrei no twitter duas frases equivocadamente atribuídas a mim.

// rafaelaanela: “Liberdade é uma palavra que o sonho humana alimenta, que não há quem explique e ninguém que não entenda” Jorge Furtado //

Esta belíssima frase é de Cecília Meireles, em Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência. Terminei o roteiro do “Ilha das Flores” com ela, está nos créditos.

Para quem não conhece o poema, aqui vai:

xxx

Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.
 
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
 
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
 
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio…”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam…”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
 
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
 ”Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?”
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade - essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.

Cecília Meireles, em “Romanceiro da Inconfidência”, Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro, 1965.

xxx

A outra frase equivocadamente atribuída a mim é esta:

// jorgefurtado: No Brasil todos os políticos são desonestos, existem alguns recicláveis. Nada mais do que isso. Jorge Furtado //

Esta bobagem está assinada por um Jorge Furtado que, se existir, não sou eu.

Acredito que a imensa maioria dos políticos brasileiros são honestos. Muitos trabalham muito e alguns ganham menos do que merecem.

Não acredito que os desonestos sejam “recicláveis”, ver Arruda/painel/panetone.

Os políticos e a política são vitais para a democracia.

Falar mal dos “políticos” é uma burrice de direita, assim como falar mal da “imprensa” é uma burrice de esquerda.


COMENTÁRIOS

Enviado por Lucas em 05 de dezembro de 2009.

“Falar mal dos “políticos” é uma burrice de direita, assim como falar mal da “imprensa” é uma burrice de esquerda.” Se eu usasse twitter colocaria essa frase lá assinada por um Jorge Furtado de verdade! Huahauhaua! Jorge, por favor, se puderes, entre na minha página e me dê um alô de seu email pessoal. Tenho algumas dúvidas mas precisa ser direto com você. (o email não fica publicado no site) Abraço. Lucas.

Enviado por Alejo em 06 de dezembro de 2009.

Registre-se que o próprio blogueiro, para a minha alegria, tem falado um bocado mal da imprensa… O problema não é uma imprensa abstrata. É aquela realmente existente, num quadro de monopólio corporativo. Liberdade de imprensa é um troço bom à beça, mas isso realmente existe por aqui (ou nos Estados Unidos)? Você tem liberdade de imprimir ou difundir o que quiser, desde que tenha dinheiro e/ou concessão pública para fazê-lo. Quem tem? E é um devaneio do Paulo Henrique Amorim achar que a tal “blogosfera” compete em condições de igualdade com as organizações platinadas do Jardim Botânico.

Enviado por Luciano Prado em 06 de dezembro de 2009.

“… assim como falar mal da “imprensa” é uma burrice de esquerda”. Tai, o Jorge poderia desenvolver um texto sobre esse tema. Porque, sinceramente, não dá para falar bem da imprensa brasileira, muito menos não falar dela. As críticas crescentes dizem respeito ao mau jornalismo que não raro vem associado a interesses que não dizem respeito aos da sociedade. Os exemplos abundam porque as práticas estão se tornando bandidas. Por outro lado, é fato que tanto os políticos quanto a imprensa são essenciais, indispensáveis.

Enviado por Jorge Furtado em 07 de dezembro de 2009.

Acho que o mais urgente dos debates é o que estabelece as normas do próprio debate, o que se pode e não se pode publicar, qual a diferença entre opinião e notícia, como a manchete, o destaque, a frase pinçada numa conversa vira bordão repetido ad nauseam.

Um bom artigo sobre o assunto, de Luiz Gonzaga Belluzzo, publicado em Carta Capital:

Assassinato de reputação
Luiz Gonzaga Belluzzo

O artigo de Cesar Benjamim sobre o filme Lula, o Filho do Brasil, publicado na Folha de S. Paulo em 27 de novembro, caiu na armadilha de transformar a crítica política em character assassination.

O leitor há de concordar que a prática não escasseia nas mídias contemporâneas. Seja como for, o artigo de Benjamim suscitou uma controvérsia que envolveu o “grande jornalismo” e seus “inimigos” abrigados nos blogs da internet. Com exceções honrosas, graças aos céus não tão raras, o debate foi dominado por argumentos ad hominem, num jogo de espelhos em que os defensores do bom jornalismo começam por violar as regras recomendadas ao adversário ou “inimigo”. Em alguns cantos e tantos recantos, Benjamim foi massacrado impiedosamente, numa retorsão que só abastarda o padrão já miserável em que se desenvolveu a contenda.

Talvez Paul Virilio, importante pensador francês da atualidade, tenha exagerado ao observar que, na moderna sociedade capitalista de massas, a mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Digo talvez, porque essa convicção tornou-se ainda mais agressiva e generalizada com o desenvolvimento das novas mídias, espaço em que o anonimato e a inexistência de regras criaram uma “sociedade” hobbesiana. Nela, a loucura do sonho iluminista da liberdade guiada pela razão é superada pela realidade do pesadelo da liberdade da loucura, uma aventura da desrazão.

A defesa da liberdade de opinião e de informação se debilita quando é confundida com o exercício do poder econômico e político das grandes empresas de comunicação. Mesmo numa sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da escolha do indivíduo-consumidor, não escapa ao cidadão comum que a “construção” da notícia, a censura da opinião alheia e a intimidação do opositor ou dissidente disputam o laurel de inimigas das liberdades. Essa tirania exercida sobre o indivíduo em nome da liberdade, não justifica a barbárie da liberdade exercida sob inspiração da tirania individualista. Este, diga-se, é o sentido profundo da pretensão apontada por Virilio, de não só se alçar acima da lei, mas de fazer e executar as suas próprias leis.

Ao tratar do assunto, Pierre Bourdieu lança uma pergunta incômoda: quem é o sujeito do discurso midiático, dos grandes e dos pequenos? Ele responde: os jornalistas não são entidades abstratas, mas cidadãos de carne e osso, com formações e níveis de instrução diferentes, opiniões distintas e gostos peculiares. Ainda assim, na mídia contemporânea, as produções jornalísticas são cada vez mais homogêneas tangidas pela concorrência e pela busca incessante de publicar diariamente o que “não é cotidiano”. A contradição torna-se aguda: de um lado, a liberdade de expressão exige um sistema legal de garantias, cuidadoso em seus procedimentos, de outra parte, a concorrência desenfreada pelo controle da informação estimula a formação de correntes de opinião que propugnam por formas primitivas de punição e de vingança.

Bourdieu cuidou de analisar os arroubos moralistas de âncoras, comentaristas e outros bichos de menor porte. “Gide dizia que com bons sentimentos se faz má literatura. Mas com bons sentimentos se faz audiência. É preciso refletir sobre o moralismo das gentes midiáticas: frequentemente cínicos, eles propugnam por um conformismo moral absolutamente prodigioso. Os apresentadores de jornal televisivo, os animadores de debate, os comentaristas esportivos se transformaram em pequenos diretores de consciência, porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno burguesa. Dizem o que é preciso pensar sobre os problemas da sociedade.”

Hoje, com a internet e seus blogueiros, há uma inflação de diretores de consciência, fenômeno provavelmente mais perigoso do que a inflação de ativos tóxicos alimentada pelos créditos subprime. Quase sempre é em nome do bem que se faz o pior, diz o filósofo Comte-Sponville. “Se Bush e Bin Laden não estivessem convencidos de representar o Bem, ou a própria vontade de Deus, suas decisões políticas não teriam sido tão trágicas.”

É tragicamente curioso que os valores mais caros ao projeto do Iluminismo, as liberdade de expressão e de opinião, tenham se transformado em instrumentos destinados a conter e cercear o avanço da autonomia e da liberdade dos indivíduos. O uso e o abuso do assassinato de caráter colocam em risco o sistema de garantias destinado a proteger o cidadão das arbitrariedades do poder, seja ele público ou privado.

Enviado por Luciano Prado em 10 de dezembro de 2009.

Ontem, o combalido STF decidiu, aos trancos e barrancos que a liberdade de imprensa não é absoluta. Há que se respeitar direitos e garantias individuais já assentados na constituição federal. Parece que ainda assim a imprensa brasileira tentará orientar-se por suas próprias leis.

Enviado por Paulo Renato em 04 de janeiro de 2010.

Jorge Furtado: esse é o cara!

Enviado por Gustavo Colombo em 24 de janeiro de 2010.

“Falar mal dos ‘políticos’ é uma burrice de direita, assim como falar mal da ‘imprensa’ é uma burrice de esquerda.” essa eu já coloquei no twitter, hahaha