As palavras do poder

por Jorge Furtado
em 14 de junho de 2010

Ótimo texto de Gilberto Dimenstein, hoje na Folha, com uma manchete que é exatamente o inverso do seu sentido, como virou hábito na antiga imprensa: a manchete, escrita pelo patrão, contradiz o texto, feito pelo jornalista. O patrão escreve as manchetes para quem perde seu tempo só lendo manchetes, que nada informam. O jornalista escreve o texto para quem investe seu tempo tentando aprender algo e, portanto, sabe que precisa ler as letras miúdas.

Dimenstein cita o discurso de Alckmin em ataque à Dilma - “Quem quer dirigir o Brasil não anda na garupa” - e então passa a criticá-lo fortemente, chama o argumento de “pobre”, lembrando que “Alckmin desceu da garupa de Mário Covas”. O jornalista termina seu texto dizendo que “os tucanos estão na garupa de um argumento que não ajuda a esclarecer o eleitor”.

Pois é exatamente este argumento pobre, hipócrita e que não ajuda a esclarecer o eleitor, que o patrão transforma em manchete, na forma de uma pergunta: “Dilma na garupa de Lula?”

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Dilma na garupa de Lula?
Por Gilberto Dimenstein, na Folha.

No discurso durante o lançamento de sua candidatura ao governo de São Paulo, Geraldo Alckmin atacou Dilma Roussef: “Quem quer dirigir o Brasil não anda na garupa. Quem pega carona e vai na garupa não guia, não breca, não acelera, não conduz”. Curioso ataque: para chegar ao governo de São Paulo, onde foi muito bem avaliado, Alckmin desceu da garupa de Mário Covas.

Não deveria estar em questão se Dilma está na garupa de Lula, mas se ela é capaz de guiar a bicicleta –aí sim eleitor sairia ganhando. José Serra também bate nessa tecla. Insinuou que a ex-ministra é uma paraquedista.

É um argumento tão pobre quanto o do PT em tentar desqualificar José Serra por ter sido ministro de Fernando Henrique Cardoso – e não por suas realizações durante sua vida pública.

Fernando Henrique, que foi um bom presidente, chegou lá porque pegou na garupa de Itamar Franco, que o convidou para Ministro da Fazenda, onde derrubou a hiperinflação. Ou será que de outro jeito um intelectual iria virar presidente, sem ter sido eleito prefeito ou governador?

Ou seja, os tucanos estão na garupa de um argumento que não ajuda a esclarecer o eleitor.

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Escrevi aqui mesmo, no dia 23 de março, quando a Folha testou o uso da palavra “garupa” no discurso de sua campanha pró-Serra:

“Com a ministra e pré-candidata petista Dilma Rousseff na garupa, o presidente Lula viaja pelo país para “inaugurações” que, logo após a desmontagem do palanque oficial, voltam a ser canteiros de obras”.

E comentei:

Espere, daqui pra frente, ouvir muito a palavra “garupa”, em piadas que o patrão gosta e nos inflamados discursos rádio-televisivos em defesa da honra nacional, mas não da estadual ou municipal. http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/jornalisminho

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O blog do Nassif propôs uma análise sobre o consumidor de manchetes, apelidado de “Homer Simpson”, o cara que lê jornal em pé, na banca, ou a caminho do trabalho, rapidinho, ou escuta no rádio do carro ou nas chamadas dos telejornais as manchetes dos jornais impressos e sai repetindo o mantra no trabalho ou na padaria: “ficha da Dilma terrorista”, “país da grampolândia”, “grampo do supremo”, “dinheiro de Cuba”, “agenda da Lina”, “a cpi da tapioca”, “a epidemia de frebre amarela”, “o Picasso do INSS”, a lista de fraudes da mídia durante o governo Lula é grande.

Homer Simpson é muito engraçado, um extraordinário exemplo daquilo que a comédia faz de melhor: revelar o pior do ser humano. Tenho a sensação de que perdem tempo os que almejam conquistar seu voto via distorções da linguagem jornalística, Homer Simpson pensa (e vota) com o estômago, está mais preocupado com a promoção de biscoitos do que com os subterrâneos da privataria tucana.

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A última invenção da antiga imprensa para ajudar a campanha do Serra é o “dossiê do… dossiê do… do…” Eles não conseguiram inventar um nome ainda. Este “novo dossiê do PT contra o Serra” teria sido feito, segundo denúncia da Folha, por “um time de espionagem que começava a ser montado”, veja só, quanta agilidade: a equipe nem chegou a ser formada mas já fez um dossiê!

Trata-se, como sabem todos os que estão prestando atenção no assunto, do livro do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, “Os porões da privataria” que, segundo ele, deve ser lançado ainda este ano.

Imagino que, nesta manhã de segunda, as equipes de redação da campanha de Serra estejam diante de um dilema:

Hipótese 1: este novo “dossiê” não vai dar em nada, ninguém está entendendo bem do que se trata, o assunto é desfavorável aos tucanos, abafa o caso.

Hipótese 2: este novo “dossiê” não vai dar em nada, ninguém está entendendo bem do que se trata, o assunto é desfavorável aos tucanos mas é só o que temos por enquanto, esquenta o caso.

Na segunda hipótese, seria preciso batizar o “novo dossiê”. O nome óbvio seria “dossiê da privataria”, excelente palavra criada pelo jornalista Élio Gaspari, da própria Folha. Descartado, por razões também óbvias.

Amanhã saberemos o que eles resolveram.

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Para saber sobre o livro de Amaury Ribeiro Jr, “Os porões da privataria”:

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/entrevista-de-amaury-ribeiro-jr

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/os-poroes-da-privataria.html