A arte da escolha

por Jorge Furtado
em 10 de agosto de 2010

Em tempo de escolhas, agradeço ao Mário Fontanive por ter me indicado a palestra de Sheena Iyengar, economista e psicóloga canadense, no TED.

Ela conta que, durante uma pesquisa, oferecia aos seus entrevistados sete diferentes tipos de refrigerantes em lata. Muitos reclamavam: só tem uma opção? Ela mostrava sete diferentes marcas e sabores mas, para muitos, aquilo era uma opção só: refrigerante em lata. Eles queriam água, suco, leite, bebidas realmente diferentes. Iyengar questiona a suposição de que um grande número de opções leva necessariamente a melhores escolhas, sugere que nossa capacidade crítica atua de forma mais eficiente com um número menor de possibilidades e alerta para o fato de que as opções que nos são oferecidas são, muitas vezes, indistintas.

Para quem acha que a figura do presidente é o que determina a boa condução de um governo - não é o meu caso, não acredito em heróis salvadores da pátria - diferente mesmo nesta eleição é o Plínio: não foi governo, não compõe com ninguém, um sábio de 80 anos, livre para dizer a verdade. Alguém sabe quem é o seu vice? E isso importa?

Para quem ainda acredita em ideologias - é o meu caso, um governo precisa de muitas idéias, de muita gente - um bom governo é o que gera desenvolvimento com inclusão social, empregos e distribuição de riqueza. Desenvolvimento não é só um número do PIB, é também tempo de espera na fila do posto de saúde ou no ponto de ônibus, boas escolas, segurança pública, estradas, hospitais. Nisso o Serra tem razão: o Brasil pode mais.

Marina é uma boa candidata, tem um passado do qual se orgulhar e foi ministra do governo Lula por cinco anos e meio (1). Traz para a eleição a pauta da sustentabilidade, uma conversa importante quando furar o chão em busca de minérios dá tanto dinheiro. Também me agrada muito a sua valorização da poesia, adiciona algum frescor aos aborrecidos discursos políticos. Contra Marina, a precariedade de sua estrutura partidária e uma posição tímida em questões importantes como a pesquisa com células tronco, a descriminalização do aborto ou os direitos dos homossexuais, numa mistura não improvável e um tanto conservadora de dogmas religiosos e ecológicos. (2)

Felizmente a última reforma ortográfica - que quer nos obrigar a ter idéias sem acento - manteve o diferencial entre pode e pôde: “Pôde é a forma do passado do verbo poder (pretérito perfeito do indicativo), na 3ª pessoa do singular. Pode é a forma do presente do indicativo, na 3ª pessoa do singular. Exemplo: Ontem, ele não pôde sair mais cedo, mas hoje ele pode”. (http://michaelis.uol.com.br/novaortografia.php)

Com a eleição polarizada entre dois candidatos que representam os dois grupos que, por períodos idênticos e sucessivos, governaram o país, o critério de escolha nessa eleição passa necessariamente por uma pergunta: com qual deles o Brasil pôde mais?

Quando escuto alguém como Serra dizer “não vamos olhar para trás”, lembro da frase de Georges Santayana “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. (3)

Não percam a palestra de Sheena Iyengar. Tem legendas em português.
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/sheena_iyengar_on_the_art_of_choosing.html

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(1) Escrevi e publiquei que ela tinha sido ministra por sete anos. Me enganei, já corrigi.

(2) Slavoj Zizek, em “Examined life”: A ecologia está lentamente se tornando o novo ópio das massas, do jeito que, como todos sabemos, Marx definiu a religião. Aquilo que nós esperamos da religião é uma espécie inquestionável de autoridade: esta é a palavra de Deus, então é isso, não é algo que você questione. Afirmo que hoje a ecologia está se tornando mais e mais uma ideologia conservadora. Sempre que há uma importante descoberta científica, desenvolvimento da biogenética ou algo assim, surge uma voz que nos alerta para não ultrapassar, não violar certos limites invisíveis, “não faça isso, isso é demais”. Hoje, mais e mais, esta voz é da ecologia: “não mexa com o DNA, não mexa com a natureza, não faça isso”. Isto é a ecologia hoje.

(Ecology will slowly turn maybe into a new opium of the masses, the way, as we all know, Marx defined religion. What we expect from religion is a kind of unquestionable highest autority: it’s God’s word, so it is, you don’t debate it. Today, I claim, ecology is more and more taking over this role of a conservative ideology. Whenever there is a new scientific breakthrough, biogenetical development, whatever, it is ever the voice which warns us not to trespass, violate a certain invisible limit, like “don’t do that, it will be too much”. That is today, more and more, the voice of ecology, like “don’t mess with DNA, don’t mess with nature, don’t do this”. This is ecology today.)

(3) Filósofo espanhol, 1863-1952. Santayana viveu muitos anos nos Estados Unidos e escrevia em inglês: “Those who cannot remember the past are condemned to repeat it”. The Life of Reason, 1905.

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Excelente expressão - parece que é velha, tem mais de dois anos, eu é que só ouvi um dia desses - equivalente ao “Tô passado!”, “Tô bege!” ou “Choquei!”, designando estupefação ao receber notícia de grande impacto: “Tô Barbie na caixa!”.

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Meu mais recente ídolo é Paulo Henriques Britto, li todos os seus livros de poesia e persigo suas traduções, garantia de grandes textos. Pois fiquei Barbie na caixa ao me deparar com o livro de Paulo Henriques Britto “Eu quero botar meu bloco na rua”, sobre o Sérgio Sampaio, ídolo antigo. Paulo Henriques analisa, verso por verso, os poemas/canções de Sampaio em seu primeiro e antológico long-play. Em qualquer tempo, nada é melhor que boa poesia.

Dá para comprar o livro aqui, no site da editora Língua Geral:
http://www.linguageral.com.br/site/titulodetalhe.asp?tituloid=84&sec=titulos

Dá para ler o primeiro capítulo aqui:
http://www.linguageral.com.br/site/downloads/titulos/84.pdf

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O Giba desencavou este espetacular soneto do Glauco Mattoso (cego, como a Sheena Iyengar), que cita o Paulo Henriques:

SONETO 406 PAULINDRÔMICO
De Glauco Mattoso

Ter algo que dizer não é o que conta.
O “como” é que o poeta faz de monta.
 
Algum palestrador alega assim,
que o verbo é pedra em si, não ferramenta.
Mas isso não é cláusula pra mim.
 
Prefiro achar que ter um bom motivo,
além do jeito, é justo requisito.
Concordo, enfim, com Paulo Henriques Britto 
que existe inspiração num verso vivo.
 
Ocorre que um poema é meio e fim,
porém precisa ser de alguém que enfrenta 
dor, fome, angústia, azar, algo ruim.
 
Não basta o “como” em verso ou prosa pronta.
Temer o tema é o medo que amedronta.

No “Sonetário”:
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/britto.htm

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Acréscimo em 12.08.10:

O Giba, inspirado pela arte das escolhas e pelos sonetos do Glauco Mattoso e do Paulo Henriques, produziu um Soneto para Sheena Iyengar, uma beleza.

SONETO SEM OPÇÃO
Giba Assis Brasil

Não sei em que país passei a infância
Pra ter firmado esse ponto de vista.
Quem sabe algum enclave comunista
Me fez ignorar a abundância?
 
Pois sempre achei um saco a obrigação
De optar por esta ou por aquela cor,
Modelo, marca, tipo, grau, sabor:
Escolhas que sequer escolhas são.
 
Se a maior parte do que escolhemos
Todos os dias, e com testemunhas
(claro que existem exceções, não nego),
 
Não são medidas entre dois extremos,
Mas tons de rosa pra pintar as unhas,
Então melhor, como a Iyengar, ser cego.

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Mais sobre o trabalho de Sheena Iyengar:
http://en.wikipedia.org/wiki/Sheena_Iyengar