Cesare Battisti e Ronaldinho, o ex-gaúcho.

por Jorge Furtado
em 10 de janeiro de 2011

Cesare Battisti foi julgado e condenado pela justiça italiana à prisão perpétua pelo envolvimento em quatro assassinatos. Os crimes foram cometidos e julgados durante a vigência de uma democracia constitucional, na Itália, onde Battisti é considerado um terrorista não apenas pela lei, mas também pela imensa maioria da opinião pública, numa rara comunhão local entre partidos de várias tendências políticas.

Não tem, portanto, qualquer fundamento a afirmação do governador e ex-ministro Tarso Genro de que “os que chamam Battisti de terrorista são os mesmos que defendem a impunidade aos torturadores, que vivem soltos e impunes pelo País afora”. Não é verdade.

Muita gente - além da justiça e da maioria da população italiana - chama Battisti de terrorista e não defende a impunidade aos torturadores brasileiros. O argumento nem combina com o alto nível intelectual do governador, de quem sou grande admirador, leitor e eleitor. Primeiro, por ser o argumento falso, uma clara falácia: “os que defendem a extradição de Battisti defendem também os torturadores brasileiros e, portanto, não merecem crédito”. Não é verdade. Segundo, porque mesmo que fosse verdade, se os que defendem a extradição de Battisti fossem apenas e exatamente os mesmos que defendem a impunidade dos torturadores brasileiros, ainda assim isso não seria um argumento válido, eles poderiam estar certos num ponto e errados em outro.

Não há como comparar a atitude dos que, nas décadas de 60 e 70, integraram grupos de resistência ao regime militar brasileiro e que hoje fazem parte da vida democrática em diferentes partidos, como Dilma Rousseff, Fernando Gabeira, José Serra, Franklin Martins, Aloysio Nunes e tantos outros - e os que, na democracia italiana, cometeram assassinatos alegadamente políticos.

O Brasil exigiu, e obteve, a extradição do banqueiro Salvatore Cacciola, aqui acusado, julgado e condenado por crimes financeiros. Não vejo qualquer justificativa para negar a extradição de um homem acusado, julgado e condenado na Itália por quatro assassinatos. Ao questionar a lisura da justiça italiana, a capacidade do estado italiano de garantir a integridade dos seus presos ou querer dar a Itália lições de civilidade e justiça, o Brasil ofende a lógica e o bom senso, além da boa educação.

Não se trata de discutir se o Brasil tem ou não direito de manter Battisti a salvo da justiça de seu país, talvez tenha. Trata-se de saber qual o interesse do Brasil em dar guarida a um assassino julgado e condenado em seu país, uma democracia constitucional. Que eu saiba, não estamos precisando importar bandidos.

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Não me pronunciei publicamente sobre o assunto antes de seu desfecho e corro o risco de ser visto como a raposa que chama de verdes as uvas que vão para o Flamengo, mas posso recorrer ao testemunho de vários amigos gremistas (Claudia Tajes, José Pedro Goulart, Marco Túlio de Rose) que sabem que torci muito para o Ronaldinho não vir para o Grêmio.

Acho que o Grêmio faria um péssimo negócio. Ronaldinho não joga bem duas partidas seguidas há quase cinco anos, corríamos o risco de desarrumar o time (campeão gaúcho e melhor time gaúcho no campeonato nacional) e ainda de perturbar o grupo, que é muito bom.

Além do mais, o Grêmio chegou ao lugar que ocupa no futebol brasileiro sendo um time de caráter. O Imortal Tricolor é o primeiro colocado no ranking oficial da CBF, e faz tempo, sendo um time de futebol, não um palco de celebridades decadentes e infames, atletas que são notícia menos por seus feitos esportivos que por seus vexames públicos.

As pesquisas que afirmaram que a maioria dos gremistas - entre os quais em não me incluo - haviam perdoado Ronaldinho e o queriam no time, provam a grandeza de espírito da Nação Tricolor. Ronaldinho traiu os gremistas ao deixar, sem a justa retribuição, o time que o criou e o projetou. Traiu outra vez ao usar o Grêmio para subir seu preço no mercado.

Já a nova presepada de Ronaldinho e seu irmão provam apenas que eu estava certo: Ronaldinho custa mais do que vale.

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Tarso Genro, entrevista ao IG, 7.01.11
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/stf+age+de+forma+absolutamente+ilegal+e+ditatorial+diz+tarso/n1237930669758.html

Sobre Battisti, na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/CesareBattisti(1954)

Sobre o ex-gaúcho:
http://www.dentucopilantra.com.br/(fora do ar)

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Giorgio Napolitano e o caso Battist
Wálter Maierovitch
Carta Capital, 10/01/2011 10:28h

O presidente Giorgio Napolitano é, pela sua história, o chefe de Estado que goza de maior prestígio na Europa.

Na Itália e toda a Europa, o respeitado Giorgio Napolitano é considerado o chefe de Estado que consegue, com acionamento da Corte Constitucional, barrar todas as tentativas de Silvio Berlusconi ( primeiro ministro) de criar escudos legais para interromper andamentos de processos criminais em que figura como réu.

Berlusconi considera-se vítima de Napolitano e de toda a Magistratura italiana. Uma Magistratura composta de juízes que o perseguem e que chama, a exemplo de Giancarlo Caselli, como portadores de “toghe-rosse” (togas vermelhas, ideológicas).

Além de comunista histórico, resistente à época da luta contra o nazi-fascismo, Napolitano foi um dos responsáveis pelo “compromisso histórico”. Ou seja, a defesa da Itália democrática contra articulações, comandada pela agência de espionagem norte-americana (CIA), imediatamente depois do golpe de Augusto Pinochet no Chile.

Na Itália, a CIA, que preparou e apoiou o golpe contra o governo do então presidente Salvador Allende, queria (1) impedir que o PCI chegasse ao poder (era o segundo maior, estava em ascensão e no Parlamento funcionava como fiel da balança por aglutinar as forças progressistas) e, também, (2) derrubar o presidente italiano Sandro Pertini, do partido socialista e que fora preso ao tempo de Mussolini.

Ao lado de Enrico Berlinguer, o atual presidente Giorgio Napolitano era, quando do terrorismo na Itália (anos 70 e início dos 80), um dos líderes do Partido Comunista Italiano (PCI), de linha (eurocomunismo) independente da proveniente de Moscou.

À época, organizações eversivas radicais, de direita e de esquerda, promoveram ações terroristas para, pelas armas e não pelo voto, destruir a República italiana e aniquilar com o estado democrático de Direito.

Ontem, o presidente Giorgio Napolitano, em Ravena e durante a cerimônia de comemoração dos 150 anos da Unificação da Itália, recordou a história italiana, em especial as lutas contra o fascismo e o terrorismo.

Napolitano destacou que o terrorismo (anos 70 e início e início dos anos 80) objetivava liquidar com a República.

Num pronunciamento tocante, o chefe do Estado italiano frisou e referindo-se ao caso Battisti: “ Não conseguimos fazer compreender, e vale a países vizinhos e distantes, o significado do terrorismo na Itália” (“Non siamo riusciti a far comprendere anche a paesi amici vicini e lontani cosa hanno significato” gli anni di piombo in Itália).

Napolitano ressaltou a sua preocupação quanto à perda da memória histórica. Ou melhor, o esquecimento dos “riscos corridos pela Itália nos anos de luta a respeito do neofascismo e sobre os ataques dos terroristas contra a República italiana”.

Pano Rápido

Para a campanha de desinformação promovida no Brasil pelos chamados “amigos de Battisti”, o ladrão que no cárcere aderiu ao grupo Proletários Armados para o Comunismo (PAC) e, ao fora da prisão, assassinou (duas co-autorias e duas participações) um carcereiro, um açogueiro, um motorista policial e um joalheiro, interessa o falso rótulo de herói nacional perseguido pelos fascistas.

Em entrevista, Battisti avisou os brasileiros que a Itália era fascista e a Máfia controlava o poder. Só não disse que, até agora, foi o único que renegou ter, durante a luta armada, cometido violências e homicídios. Por isso, Battisti é detestado na França pela comunidade de foragidos, que não renegam os seus atos.

Por outro lado, para a “gauche caviar” francesa, aquela de intelectuais grudados e a cortejar o poder e Carla Bruni, a luta armada na Itália era apropriada para a derrubada de uma República que oprimia.

Isso sustenta a “gauche caviar”, àquela que adora as festas oficiais e aparecer em retratos da revista Caras de lá.

O socialista francês, François Mitterand, que recebeu medalha de mérito dos nazistas ao tempo de Vichy, foi pressionado, quando presidente, pela “gauche-caviar”.

Sem ter peito para escrever, Mitterand desenvolveu a chamada “doutrina Mitterand”. Por ela, os participantes da luta armada na Itália poderiam permanecer em território francês desde que declarassem, verbalmente, que tinham deposto as armas.

A doutrina Mitterand, por não ter sido escrita e não contar com o valor jurídico de uma ordem, foi abandonada e Battisti (outros também), por decisão da Justiça e do Estado, teve a extradição deferida.

Daí, Battisti fugiu para o Brasil.

Lógico, antes da fuga Battisti perguntou aos amigos qual seria o melhor lugar para garantir a impunidade. Foi morar em Copacabana. Arrumou uma namorada e chegou até a receber uns trocados do Gabeira, que o visitava a pedido dos dirigentes do partido Verde da França.

-- Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP

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A pedra é criptonita
Mino Carta
14 de janeiro de 2011

Por que a ignorância e a arrogância dos defensores de Battisti não têm remédio

Um amigo fraterno, italiano e ex-militante muito ativo do Partido Comunista, depois do PD nascido na extinção do PCI, propõe o enredo de uma ficção política. Grupos armados de improviso infestam o Brasil do Oiapoque ao Chuí e assassinam políticos, magistrados, líderes sindicais e outras personalidades, e mesmo joalheiros e açougueiros, além de atirar nas pernas de inocentes de vários calibres, ou seja, os “pernalizam”. Em comunicados delirantes dizem agir para a redenção do proletariado e do campesinato, e contra Lula e Dilma, ambos governantes tíbios meramente assistencialistas e submissos às regras do capitalismo. Que aconteceria no País, pergunta o amigo com candura, se a ficção se tornasse realidade? O Estado brasileiro teria de reagir com toda a força possível e os eversores capturados seriam julgados e condenados a penas severíssimas.

O que espanta no caso Battisti é a ignorância abissal de quem ainda não entendeu a diferença entre quem pega em armas com o propósito de derrubar um Estado Democrático de Direito e quem se dispõe a lutar até o último sangue contra a ditadura. Em suma, o terrorista Battisti, terrorista, insisto, e sublinho, não se compara, por exemplo, a Dilma Rousseff ou José Dirceu, combatentes de uma guerra justa.

Semelhança entre estes e guerrilheiros italianos de outros tempos existe sim, é com os partigiani de uma bela página da história da Península que enfrentaram, entre fins de 1943 e meados de 1945, a ditadura mussoliniana da chamada República de Saló e as tropas nazistas que a apoiavam. Até Mussolini foi fuzilado. Militavam ali comunistas e socialistas, que usavam uma echarpe vermelha em volta do pescoço, e católicos e liberais, cuja echarpe era azul. Foi neste tempo que meu pai foi preso pelos fascistas e condenado em agosto de 1944, à revelia porque conseguira fugir do cárcere de Gênova. Meu pai não era guerrilheiro, jornalista apenas, e liberal de antiga cepa, culpado, porém, como opositor do fascismo.

Bem conheço essa história por tê-la vivido e me dói verificar que, ao sabor da ignorância dos fatos e de uma patriotada tão tola quanto desastrada, a injustiça será cometida. Segundo um ditado da antiga Roma, a repetição dos conceitos servia ao convencimento dos incrédulos. No Brasil deste preciso momento, no caso Battisti repetir é tempo irremediavelmente perdido. A pedra deve ser criptonita, e eu não sou água mole.

De bom grado não me levo a sério, mas há figuras importantes envolvidas na tentativa de explicar em proveito da compreensão dos nossos pensadores, a começar pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, e pelo mais importante líder da esquerda italiana, Massimo D’Alema, velho amigo do Brasil e do PT, ex-primeiro-ministro e ex-chanceler no último governo Prodi, notável na pasta, entre outros méritos, como conhecedor profundo da situação da América Latina. Diz ele: “Lula cometeu um grave erro. Sinto muito, pois Lula é um grande líder e foi um grande presidente”.

D’Alema era estrela nascente exatamente durante os anos de chumbo e é um daqueles que melhor sabem hoje que os herdeiros da Resistência partigiana, decisiva na reconstrução democrática da Península no pós-Guerra, foram as primeiras vítimas do terrorismo vermelho e negro, a contar com a adesão até de um ladrãozinho da periferia romana. Adiantam, contudo, pronunciamentos tão claros e significativos? Coisa alguma, em um país que não respeita o tratado selado com a Itália em 1998 e onde professores de direito ditos eminentes não conhecem a história recente da Itália e se atribuem a extraordinária prerrogativa de julgar a Justiça de um Estado Democrático de Direito.

E não adianta mesmo. Na entrevista a um jornal italiano o atual governador Tarso Genro repete implacavelmente o mesmo arrazoado que concebeu para oferecer asilo a Battisti. Nem se fale de José Dirceu. No seu blog sustenta que as críticas da mídia nativa à negativa de Lula tendem a colocar no mesmo balaio do terrorismo Battisti e os nossos guerrilheiros. Diga-se que, em meados do ano passado, Dirceu me ofereceu um almoço e com gentileza comovedora abriu uma garrafa de Pera Manca, tinto português capaz de ser ao mesmo tempo robusto e elegante. Tocou-me a mesura, donde me animei a propor um debate sobre a questão, a ser gravado e publicado na íntegra em CartaCapital, com direito à leitura do texto final antes da publicação e de retocá-lo a seu talante. Declarou-se despreparado e recusou polidamente.

Está claro que CartaCapital conhece à perfeição o peso e a razão das críticas da mídia nativa, hipócrita e golpista. Entende, porém, que a dita esquerda que defende Battisti não se porta de forma muito diferente, no seu empenho em enganar os desinformados. Desde que não haja boa-fé, se houver terá de vingar a tese da ignorância crassa e do primarismo absoluto.

No mais, cabe-me informar à presidenta que CartaCapital justificará, a esta penosa altura, qualquer decisão sua se o assunto voltar ao Planalto. Mesmo porque acreditamos que Lula, em lugar de aliviá-la de um problema, criou outro de bom tamanho.

-- Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde

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Umberto Eco: “Lula ofendeu a Itália”
http://www.cartacapital.com.br/destaques_carta_capital/umberto-eco-lula-ofendeu-a-italia-no-caso-battisti

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Dois textos de Walter Maierovitch:

http://www.cartacapital.com.br/politica/battisti-e-o-decalogo-as-avessas-parte1

http://www.cartacapital.com.br/politica/battisti-e-o-decalogo-as-avessas-fim