Ernesto Sabato

por Jorge Furtado
em 30 de abril de 2011

Morreu hoje, poucos dias antes de completar um século, o escritor argentino Ernesto Sabato.

Lembro do espanto que me causou, em 1980, o seu romance “Sobre heróis e tumbas”, especialmente o capítulo “Informe sobre cegos”, que não canso de reler.

Para lembrar Sabato, selecionei alguns trechos de sua extraordinária conversa com Jorge Luis Borges.

“… os propósitos são sempre superados pela obra, quando se trata de arte. Quem é que se lembra em que acesso de patriotismo Dostoiévki se propôs a escrever um livrinho chamado Os Bêbados, contra o abuso do álcool na Rússia? Acabou saindo Crime e Castigo. (…) Talvez os propósitos sirvam como trampolim para depois se lançar em águas mais profundas. Ali começam a trabalhar outras forças inconscientes, poderosas e mais sábias que as conscientes”.

“Eu penso, em primeiro lugar, que o homem é um ser emocional, e em segundo lugar, intelectual. O homem primeiro sente o mundo e depois cavila sobre o mundo, ou seja, a arte precede a filosofia, a poesia é anterior ao pensamento lógico.”

“… o romance necessariamente, necessariamente, deve alternar momentos de poesia com momentos triviais, como uma estátua colocada numa praça, em uma extensão anódina para que se destaque. Acredito que isso estabelece a diferença essencial entre o conto e o romance, a intensidade do conto não poderia ser suportada ao longo de quinhentas páginas.”

“…nenhuma obra de arte é moralizadora no sentido edificante da palavra. Se servem ao homem, é em um sentido mais profundo, como servem os sonhos, que quase sempre são terríveis”.

“A arte é para a comunidade o que o sonho é para o indivíduo. Talvez sirva para salvar a comunidade da loucura. E essa seria a grande missão da arte (…) Os personagens de Shakespeare, ou seja, Shakespeare, assassinam, traem, torturam, violam, suicidam-se, enlouquecem. Por muito menos que isso a sociedade o jogaria na prisão ou no manicômio. Mas levanta monumentos para ele. Estranho, não é mesmo? A única explicação é que a sociedade intui que esse criminoso louco preserva todos nós do crime e da loucura. Quanto aos que não podem ser Shakespeare, sonham à noite.”

Ernesto Sabato

in “Diálogos Borges Sabato”, tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro, São Paulo, Editora Globo, 2005