Pinheirinho: "Tá filmado. Vai tudo pra net".

por Jorge Furtado
em 26 de janeiro de 2012

Vídeo (e áudio) impressionante, “Policiais agridem homem no Pinheirinho, em São José dos Campos (SP)”.

Duração: 1 min. 18 seg.
Autor: Desconhecido

A cena foi gravada por moradores no domingo (22.01.2012), em um centro de triagem montado pela prefeitura de São José dos Campos para abrigar os moradores que foram retirados de sua casa em reintegração de posse.

http://www.videolog.tv/video.php?id=746105

Aqui, no Youtube (ativo em 16.02.12)

https://youtu.be/liqse2a0dCA

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‘Só estava ajudando minha ex’, diz homem agredido por PM no Pinheirinho25 de janeiro de 2012 | 18h 26
William Cardoso - O Estado de S.Paulo

Em entrevista ao ‘Estado’, pedreiro conta como foi atacado pelos policiais em desocupação em São José

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - O servente de pedreiro Claudio Anésio Martins, de 48 anos, ficou conhecido após ser divulgado na internet vídeo em que aparece sendo agredido por um grupo de policiais militares no domingo, durante reintegração de posse da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos. Localizado pelo Estado, ele contou que estava ali apenas para ajudar a ex-mulher e acabou atacado porque PMs acharam erroneamente que ele tinha atirado uma pedra.

-- O que o senhor estava fazendo no momento da agressão?

Eu estava saindo de debaixo da tenda, quando vinham descendo uns quatro, cinco policiais. Daí eles perguntaram para mim por que eu estava jogando pedra neles. Falei “eu não, filho”. Como, rapaz, se eu estava acabando de sair da tenda para ir até a rua? Daí um já veio me agredindo.

-- Como foi a agressão?

O que estava mais à frente tirou o cassetete e veio para cima de mim. A primeira pancada bateu no meu braço. Ergui o braço e ele bateu na minha costela. Na hora em que ele daria outra pancada, coloquei a bolsa na minha frente. Os outros não fizeram nada, mas deram cobertura para o amigo deles.

-- O senhor guardou os nomes dos policiais?

Não. O pessoal do Pinheirinho não estava por perto, então não poderiam me ajudar se eu precisasse ficar mais ali para anotar o nome. Vi que o único jeito de me defender era correndo para debaixo da tenda. Levantei rapidinho a lona e fiquei ali por dentro. Se não corresse para ali, talvez ele tivesse me batido mais. Daí, o resto poderia vir para cima de mim, como fizeram com um sindicalista. Eles são covardes, viu.

-- O senhor procurou algum socorro?

Não, porque foi só a pancada. Inchou um pouco. A minha ex-mulher passou um Gelol em mim. Fiquei uns três dias com dor. Ontem, tomei um antibiótico e hoje outro.

-- Morava no Pinheirinho?

Morei por três anos com a minha ex-mulher, mas estava dando um apoio para ela. Agora, eu moro em Jacareí.

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Escute o comentário de Ricardo Boechat, na Rádio Bandeirantes, sobre a desocupação da Favela do Pinheirinho.

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O ÚLTIMO ESCÁRNIO NO PINHEIRINH
Wálter Fanganiello Maierovitch, no Terra Magazine
26 de janeiro de 2012

Nos EUA, cerca de 40 estados-federados escolhem, pelo voto, os seus magistrados e os seus promotores de justiça.

Os juízes federais e os procuradores federais norte-americanos são escolhidos pelo presidente da República e entram em função depois de aprovação pelo Senado. Idem com relação aos procuradores.

O sistema tem a lógica democrática, pois o juiz é órgão do poder, cujo detentor é o povo. O sistema Europeu, que me parece melhor, mistura magistrados concursados publicamente e jurados leigos.

No Brasil, os juízes são concursados, exceção aos que ingressam pelo chamado quinto-constitucional (advogados de notório saber e reputação ilibada e membros do Ministério Público), os escolhidos para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e os participantes do Tribunal do Júri, que julgam apenas os crimes dolosos contra a vida.

Mas, uma coisa é certa e incontestável. Qualquer que seja o sistema, - americano, europeu ou brasileiro-, um juiz, ao julgar ou dar liminares, atua como representante do povo.

Ontem, um espetáculo grotesco e inusitado foi protagonizado pelo Judiciário no chamado bairro do Pinheirinho. A juíza que concedeu reintegração, -com precipitação pois não exauriu a via conciliatória e nem exigiu dos poderes públicos uma responsável solução para alojar os despojados das suas residências-, recebeu, no local e solenemente, o mandado cumprido pela tropa de choque da Polícia Militar.

Essa sua conduta é inusitada, no Judiciário. Como regra, os mandados judiciais cumpridos são comunicados, por ofício protocolado no Fórum. E os juízes os recebem pela mão do escrivão ou já juntados em autos processuais.

Faltou, lógico, um fundo musical. Com a banda Legião Urbana a perguntar: Que país é esse ?

Sim, que país e esse que a Justiça, que decide em nome do cidadão, joga o povo ao léu.

Com efeito. Ontem foi concluída a reintegração na posse, determinada por ordem judicial da 6ª.Vara da comarca de São José dos Campos, no chamado bairro Pinheirinho, com 1,3 milhão de m2 de área e que foi ocupado por cerca 6 mil moradores a partir de 2004.

A reintegração deu-se em favor da massa falida da Selecta Comércio e Indústria S/A, uma holding administrada, até a quebra em 2004, pelo mega-especulador Naji Nahas.

Naji Nahas jamais foi condenado pela Justiça brasileira. A propósito de alguns escândalos noticiados pela imprensa, Nahas não foi responsabilizado criminalmente quando acusado de quase quebrar a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Preso preventivamente, beneficiou-se da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes em favor do banqueiro Daniel Dantas. Também, beneficiou-se da decisão, ainda não definitiva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou a Operação Satiagraha: a anulação foi fundada na canhestra conclusão da participação, ainda que burocrática, de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Contra essa decisão anulatória votaram os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz.

Com a reintegração de posse concluída, restará prejudicado, pela perda de objetivo, o pedido feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) de suspensão da operação militar conduzida pela tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo e com cerca de 1.500 famílias sem ter onde ir.

Como se nota, não houve tempo oportuno para ser apreciado, em sede liminar e pelo STF, o pedido de suspensão da reintegração. Em São Paulo, a decisão foi mantida e o ministro presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já acusado de assédio moral a estragiário e de fazer lobby para garantir uma cadeira no STJ para a sua cunhada, entendeu não ter da Justiça federal a competência para suspender a reintegração. Essa decisão de Ari Pargendler foi dada liminarmente, quando a Polícia Militar desalojava, com bombas, balas de borrachas e cães, os moradores do Pinheirinho.

Junto com a ação da Polícia Militar, máquinas cuidaram da derrubada de casas de alvenaria e de madeira que abrigaram os antigos moradores e residentes há mais de 8 anos na área.

Num grotesco espetáculo mostrado pelas televisões, a juíza responsável pela decisão de reintegração compareceu ao Pinheirinho para receber, solenemente, a notícia do cumprimento do mandado judicial.

Agora, a área estará pronta para ser vendida e a sobra irá para o bolso dos sócios da Selecta, ou seja, de Naji Nahas. Os créditos trabalhistas, que podem já ter sido negociados por valor irrisódio, serão quitados. Idem os especiais, que irão para os cofres da Prefeitura de São José dos Campos.

O prefeito de São José dos Campos, cuja insensibilidade chegou ao ponto de não se preocupar em alojar as famílias tiradas violentamentemente do Pinheirinho, vai ter um bom caixa para promover o populismo. Enquanto isso, com o ritmo de “lesma reumática”, o governador Geraldo Alckmin afirma que cuidará de verbas para a locação de casas aos expulsos do Pinheirinho, pois não tem casas populares disponíveis. Os radicais do PSTU, que apostavam numa tragédia maior, devem estar a contabilizar futuros ganhos eleitorais.

Pano rápido. “QUE PAÍS É ESSE ?”

Wálter Fanganiello Maierovitch

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Atualizado em 16.02.12:

No chão de outrora
por Janio de Freitas

Obrigação do jornalismo raras vezes praticada pelos jornalistas, o retorno ao fato “encerrado” para verificar seus seguimentos (todos o têm, com menor ou maior interesse) fez com que Laura Capriglione e Marlene Bergamo recuperassem, pairando sobre os escombros do Pinheirinho, as muitas dívidas que as autoridades e nós outros temos com as 9.000 vítimas da brutalidade tsunâmica naquela falsa “recuperação de posse”.

Os escombros das vidas vividas no Pinheirinho estão largados nos “abrigos” de quem, roubada sua moradia pela violência que se utiliza do nome da Justiça, espera pela prometida. A anterior, cada família a fez com as próprias mãos. A próxima, se houver, será obra de uma empreiteira que aí colherá lucros extraídos de impostos pagos ao governo paulista. Inclusive pelos próprios desintegrados na reintegração do Pinheirinho. A engrenagem é diabólica.

E o que foi feito até agora do prometido? Não se sabe. Quem faz aquele tipo de reintegração de posse não é de dar informações de seus atos e compromissos públicos.

Nisso, porém, proporcionam uma oportunidade de quitarmos alguma coisa da nossa dívida: no papel de intermediários, dos cobradores chatos que ajudam a corroer, por muito pouquinho que seja, o esquecimento com que os grandes devedores querem acobertar os seus compromissos e as suas dívidas.

Há 22 dias, numerosos meios de comunicação exibiram a façanha policial de espancamento, a cassetete, de um homem sozinho, desarmado, mãos erguidas ao ver o grupo dos que andavam em direção oposta, paramentados como astronautas armados.

Geraldo Alckmin, acossado pela repercussão das imagens, prometeu investigação imediata do ocorrido. A investigar, mesmo, só havia a identidade do homem derrubado a porretadas e a dos facinorosos que o atacaram.

Mais de três semanas para fazê-lo - e nada. Diante disso, vale a pena questionar as investigações mais gerais? Aquelas que, no dizer de Geraldo Alckmin, começariam por um inquérito imediato sobre a ferocidade policial, e seus chefes, entre o ataque de surpresa às 6h da manhã e o último pedaço de casa ou de móvel a ser estraçalhado.

À falta do que dizer sobre a tal investigação, sobra o que dizer sobre a própria falta. Não se soube de providência alguma de Geraldo Alckmin, e também nada se soube da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, cuja secretária, Maria do Rosário, manifestou seu horror ao ocorrido e comprometeu-se publicamente com as providências adequadas às suas obrigações.

Nada, porém. E nada das demais secretarias da Presidência também prontas a aparecer com as críticas óbvias e as medidas respectivas.

Uma providência, a rigor, uma houve. Laura e Marlene saíram do território de destroços informadas de que, a parir de ontem, os ex-moradores estão proibidos de voltar aos seus restos para garimpar uma ou outra coisinha.

Quem sabe até um brinquedinho de plástico ou uma peça de roupa, entre aqueles pedaços de suas vidas que logo vão ajudar a preencher o solo da especulação imobiliária.

no jornal Folha de S. Paulo, 14.02.12

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O que é sagrado
por Luis Fernando Veríssimo
Jornal Zero Hora, 16 de fevereiro de 2012

Recomendo a quem não leu o artigo publicado na Folha de S.Paulo do último dia 9 de fevereiro, intitulado “Ainda o Pinheirinho”, do desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Civil José Osório de Azevedo Jr. O artigo trata da violenta ação de reintegração de posse da área chamada de Pinheirinho, próximo a São José dos Campos (SP), quando 1,5 mil famílias faveladas foram despejadas e seus precários barracos arrasados num dia. Uma ação que só não teve mortos porque os favelados não tinham como se defender dos tratores e da truculência da polícia, que cumpria ordem da Justiça e do Executivo estadual.

Escreveu o professor Azevedo Jr.: “O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem. Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição”.

E quais são os preceitos expressos na Constituição que contrariam e se sobrepõem à autorização legal para a terra arrasada, como no caso Pinheirinho? O principal deles está logo no primeiro artigo da Constituição: a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República. Um valor, segundo Azevedo Jr., “que permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de poderes”. Mas que não deteve a violência em Pinheirinho. Outro princípio constitucional afrontado foi o da função social da propriedade. Que se saiba, a única função social da área em questão, até ser ocupada por gente à procura de um teto, era como garantia para empréstimos bancários do Naji Nahas.

É comum ouvir-se falar no “sagrado” direito à propriedade. É um direito inquestionável, mas raramente se ouve o mesmo adjetivo aplicado ao direito do cidadão à sua dignidade. Prestigiam-se os direitos menores e esquece-se dos fundamentais. O maior valor de artigos como o do professor Azevedo Jr. talvez seja o de nos lembrar a espiar a Constituição de vez em quando, e aprender o que merece ser chamado de sagrado.

Luis Fernando Veríssimo