A exaurida cantilena

por Jorge Furtado
em 20 de abril de 2012

Ou: por que a imprensa é contra esta CPI?

Na primeira CPI instalada no Brasil contra a vontade da imprensa, o país vai tomando conhecimento do baile animado por Carlos Cachoeira e banda e suas vozes amestradas, por todo lado.

Um promotor, membro do Conselho do Ministério Público, Tito Souza do Amaral, ex-assessor de Demóstenes Torres (ex-DEM, ex-moralista), criticou duramente a atuação do Ministério Público na operação Monte Carlo e acusou, sem qualquer prova, os promotores de terem vazado informações para a imprensa ou serem coniventes com os vazamentos, e ainda sugeriu que estes promotores - os que mandaram uma quadrilha de bandidos temporariamente para a cadeia - deveriam “ser condenados à pena de morte”.

Ele disse isso numa audiência pública, está gravado.

Ouça o áudio, aos 05:20:

É bom lembrar que os acusados e seus advogados, entre eles Demóstenes, mais de 80 pessoas, já tiverarm acesso aos autos da investigação.

A imbecilidade proferida pelo promotor Tito Souza do Amaral é mais um exagero retórico do que, imagina-se, um desejo real, mas quem fala em “pena de morte”, seja em que debate for, perde a razão, o que mais disser é inútil.

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Merval Pereira - nunca se viu tanta pompa para dizer tão pouco - garantiu que a CPI não ia sair, depois garantiu que a CPI foi idéia do Lula, que a Dilma era contra e ia adiar, que o PT apoiou mais depois voltou atrás, que o PT pensou em desistir e depois se arrependeu, que a CPI era um tiro no pé para influenciar no julgamento do “mensalão”, enfim, Merval disse de tudo e também o seu oposto, mas pouco ou nada falou dos bandidos que roubam o dinheiro público, dos políticos, jornalistas, promotores, empresários, juízes, policiais, corruptos de várias profissões e matizes ideológicos que se organizam em quadrilhas que roubam o dinheiro dos hospitais, da educação, da segurança pública.

Para quem acredita que o sol é o melhor desinfetante, para quem não é sócio, nem compadre, nem garoto de recados de contraventores, para quem não tem contas em paraísos fiscais, não ganha cozinhas, land-rovers ou celulares de presente, ou seja, para 99,99% dos brasileiros que trabalham muito, pagam impostos e recebem bem pouco em troca, investigar a roubalheira só pode fazer bem.

E ainda ajuda a vender jornais. Por isso é tão estranho logo a imprensa ser contra esta CPI. Ora veja, por que será?

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O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Levado para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com o apoio decisivo do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), o conselheiro Tito Amaral, promotor de Justiça em Goiás e ex-assessor do parlamentar, criticou o vazamento de informações que comprometem o antigo chefe. Na sessão desta semana do órgão, Amaral falou em punir com “pena de morte” os procuradores da República responsáveis pela Operação Monte Carlo, que seriam coniventes ou responsáveis pelo vazamento de informações que apontam ligações entre Demóstenes e o contraventor Carlinhos Cachoeira.

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Ex-assessor de Demóstenes tenta intimidar procuradores

ANPR repudia críticas levianas ao trabalho do MPF na Operação Monte Carlo

A Associação Nacional dos Procuradores da República vem a público repudiar veementemente decisão desta semana do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que condenou um membro do MPF à pena de demissão, convertida em suspensão de 90 dias, por ter vazado informações alegadamente sigilosas em entrevista coletiva. Durante o julgamento, proferiram-se críticas levianas e irônicas não somente ao procurador da República envolvido no caso, como àqueles responsáveis pelas investigações da Operação Monte Carlo. Sob a exaurida cantilena de que estaria ocorrendo uma “espetacularização” da atuação do Ministério Público Federal, decidiu-se de forma a se tentar amordaçar, de maneira generalizada, os responsáveis por investigações que desmantelaram organizações criminosas poderosas.

Para os procuradores da República, o entendimento majoritário do Conselho é um insulto à atuação idônea, austera e transparente dos membros do MPF. Ex-assessor do senador Demóstenes Torres, o conselheiro Tito Souza do Amaral Amaral, na sua manifestação, sugeriu “pena de morte” aos procuradores da República que atuam na operação Monte Carlo, em face de vazamentos à imprensa. Vale ressaltar que o próprio Ministério Público Federal em Goiás já requisitou inquérito policial para investigar os vazamentos. É importante deixar claro, porém, que após o desencadeamento da ação, as informações foram destinadas a todas as partes envolvidas, num total de 80 investigados.

É insólito que justamente um membro do Ministério Público (do Estado de Goiás) com assento no Conselho tenha escolhido desacreditar o trabalho de procuradores da República, que conseguiram desmantelar um grupo extremamente profissionalizado e infiltrado nas entranhas do Estado de Goiás. Neste furacão de denúncias por que passa o país, o correto seria que um membro do CNMP buscasse mostrar aos cidadãos que ainda há instituições que, a despeito dos mais diversos percalços, encontram-se atuantes na desarticulação de organizações criminosas, e por maioria de razão quando se suspeita de infiltração da atividade criminosa até mesmo no âmbito do próprio Ministério Público. Indignar-se contra vazamentos de atividades ilícitas deveria ficar a cargo da defesa do criminoso; a sociedade indigna-se com as atividades ilícitas.

Para os membros do Ministério Público Federal, é irrelevante conferir um viés sensacionalista a um caso tão grave, em que o Estado - e, em consequência, a sociedade - encontravam-se à mercê de um grupo criminoso. Os procuradores da República não irão retroceder nem se intimidar por manifestações avessas ao espírito republicano e, sem jamais secundar atividades escusas ou adotar expedientes diversionistas, continuarão, dentro de suas atribuições, a defender inflexivelmente a ordem pública, lutando pela defesa da sociedade.

Alexandre Camanho de Assis
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR

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Atualizado em 06.05.12

TEMA PROIBIDO
Suzana Singer, Ombudsman

A imprensa deve revelar sua relação com o bicheiro para que o leitor decida o que é eticamente aceitável.

A imprensa tem-se mostrado ágil e eloquente na publicação de qualquer evidência de envolvimento com o superbicheiro de Goiás, Carlos Cachoeira. Já se levantaram suspeitas sobre governadores, senadores, deputados, policiais, empresários, mas reina um silêncio reverente no que tange à própria mídia.

O sujeito nem precisa ter sido pego em conversa direta com Cachoeira, uma citação ao seu nome é suficiente para virar notícia -na semana passada, por exemplo, a Folha destacou uma tentativa de lobby no Ministério da Educação.

Já menções à imprensa, na grande imprensa, têm sido quase ignoradas. A Folha, que tem ombudsman para publicar o que a Redação menospreza, aparece em dois grampos, nada comprometedores.

Num diálogo, Cachoeira comenta nota do Painel, de 7 de julho de 2011, em que o deputado federal Sandro Mabel, de Goiás, nega ser a fonte das denúncias que derrubaram o ministro dos Transportes. O bicheiro se diverte e diz que foi o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) quem espalhou isso em Brasília.

Em outra conversa, o contraventor e Claudio Abreu, na época diretor da Delta, tentam evitar a publicação de uma reportagem. Primeiro, Abreu diz que “nós tamos bem lá”, mas depois lamenta não ter contato no jornal. “Queria alguma relação com a Folha.”

A Secretaria de Redação não identificou o assunto que incomodou a empreiteira, mas diz que, após o tal telefonema, “a Folha publicou duas reportagens críticas à Delta: uma falando de sobrepreço em reforma no Maracanã e outra sobre paralisação de obra em Cumbica”.

A “Veja”, que aparece várias vezes nos grampos, publicou apenas um diálogo em que é citada e colocou, no on-line, uma defesa de seus princípios (“Ética jornalística: uma reflexão permanente”). O artigo, do diretor de Redação, afirma que “ter um corrupto como informante não nos corrompe” e lembra ao leitor que “maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de boas informações”. Cabe ao jornalista avaliar “se o interesse público maior supera mesmo o subproduto indesejável de satisfazer o interesse menor e subalterno da fonte”.

Trocando em miúdos: mesmo sendo uma pessoa inidônea, Cachoeira pode ter fornecido à revista dados valiosos, que levaram a importantes denúncias de corrupção.

Do que veio a público até o momento, não há nada de ilegal no relacionamento “Veja”-Cachoeira. O paralelo com o caso Murdoch, que a blogosfera de esquerda tenta emplacar, soa forçado, porque, no caso inglês, há provas de crimes, como escutas ilegais e a corrupção de policiais e autoridades.

Não ser ilegal é diferente, porém, de ser “eticamente aceitável”. Foram oferecidas vantagens à fonte? O jornalista sabia como as informações eram obtidas? Tinha conhecimento da relação próxima de Cachoeira com o senador Demóstenes? Há muitas perguntas que só podem ser respondidas se todas as cartas estiverem na mesa.

É preciso divulgar os diálogos relevantes que citem a imprensa. A Secretaria de Redação diz que tem “publicado reportagens a respeito, quando julga que há notícia”. “Na sexta, entrevista com o relator da CPI tratava do tema e estava na Primeira Página. Já em abril havia reportagem de Brasília e colunistas escreveram a respeito”, afirma.

É pouco. Grampos mostram que a mídia fazia parte do xadrez de Cachoeira. Que essa parte do escândalo seja tratada sem indulgência, com a mesma dureza com que os políticos têm sido cobrados. Permitir-se ser questionado, jogar luz sobre a delicada relação fonte-jornalista, faz parte do jogo democrático.

Publicado na Folha de S. Paulo, 06.05.12

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Atualizado em 13.05.12

A CPI DAS REVIRAVOLTAS
Por Marcos Coimbra, no jornal Correio Brasiliense, 13.05.12

A CPI do Cachoeira está apenas no início e já ganha o troféu de a mais inusitada dos últimos anos. A cada dia, confirma a antiga sabedoria mineira a respeito da política.

É como as nuvens: você olha e vê uma coisa; olha de novo e tudo mudou.

Foi assim desde o começo.

Quem acompanhava o noticiário estava convencido de que a CPI era uma invenção de Lula. Embora ninguém soubesse com certeza o que ele queria, havia quase um consenso a respeito de suas intenções: usá-la contra antigos - e novos - desafetos.

Não só, mas principalmente para atingir Marconi Perillo. (Consta que ele nunca teria perdoado o governador de Goiás por tê-lo acusado, em 2005, de nada ter feito quando o informou sobre o mensalão.)

Era, nessa altura, a CPI do Acerto de Contas.

Os comentaristas de nossa imprensa estavam perplexos. Não havia precedente de uma CPI - arma tradicionalmente usada pelas oposições para atacar o governo - patrocinada pelo partido que está no poder. Sem ter outra coisa para dizer, puseram-se a repetir a verdade acaciana: “Todos sabem como começa, mas ninguém como termina uma CPI”.

Quando as lideranças da oposição perceberam que ela seria mesmo realizada, correram para estar na foto de comemoração da instalação. Isso tranquilizou os analistas, que logo formularam a hipótese de que Lula, no afã de prejudicar os oponentes, havia cometido uma ingenuidade: o feitiço ia se virar contra o feiticeiro.

A comissão mudou de nome. Passou a ser a CPI do Juízo Final.

Daí, alguém achou que havia descoberto a verdade. Lula tinha, de fato, segundas intenções e não temia perder o controle da CPI. O que ele queria era servir-se dela para desviar a atenção do Supremo Tribunal Federal. Atrapalhar o julgamento do mensalão.

A suposição é tosca, mas teve larga circulação. Só poderia acreditar nela quem possui péssima imagem dos ministros do STF e imagina que julgam ao sabor das circunstâncias, de acordo com o que leem no jornal. Nem por isso, no entanto, deixou de ser reproduzida mil vezes, como se fosse uma descoberta extraordinária.

Já então, a CPI recebeu o terceiro batismo: era a CPI da Cortina de Fumaça.

Na semana que passou, a confusão aumentou. As reviravoltas se sucederam diariamente.

Começou com o primeiro depoimento que colheu, do delegado da Polícia Federal responsável pela investigação da Operação Vega - o ponto de partida da história inteira.

A parte relevante foi quando ele disse que o inquérito havia sido concluído e encaminhado à Procuradoria Geral da República em 2009. Uma dúvida ficou no ar: por que só em 2012 ela o remeteu ao Supremo?

Se a tese da “cortina de fumaça” fizesse sentido, a questão seria ainda mais intrigante. E conduziria a outras perguntas.

Será que o retardo - que fez com que as denúncias viessem à tona justo na véspera do julgamento do mensalão - significaria que o procurador-geral estava mancomunado com alguém? Será que queria melar o mensalão? Afinal, não foi de sua ação - ou omissão - que resultou que acontecessem ao mesmo tempo?

Logo que escutaram as declarações do delegado, vários membros da Comissão entenderam que precisavam ouvir o procurador. Os que primeiro se manifestaram foram parlamentares do PSOL e do DEM.

Isso não o perturbou. Afirmou que não iria e que quem o criticava eram os “que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão”.

Como? Se foi ele quem criou as condições para que o caso fosse utilizado como “cortina de fumaça”, o revelando agora? Como, se quem saiu à frente para convocá-lo foram políticos que nada têm a ver com o julgamento?

Será que a CPI precisa trocar, outra vez, o nome (que tal CPI das Piruetas da Lógica)?

Ou é melhor ficar como CPI do Cachoeira, uma oportunidade para que discutamos políticos, empresários, jornalistas, magistrados e procuradores?