Poemas ortográficos

por Jorge Furtado
em 12 de julho de 2012

número 38:

Brilha o olho de quem diz:
“Eu sempre quis ser atriz.”
Pergunta se é tino ou vício.
Pode ser um bom ofício,
capaz de fazer feliz
quem de pronto reconhece
que espectador é com s,
expectativa, com x.

número 37:

Em tudo difere o pobre,
do rico, que é seu oposto,
outros gastos, outros gostos,
um tem, outro não tem cobre,
são outros pratos na mesa.
A pobreza, com a riqueza,
numa coisa só parece:
escreve com z, não com s.

número 26:

Para descansar a bunda
você precisa de assento,
com dois esses, não confunda.
Com dois esses, não com cê.
Acento com cê, lembra tu,
é o que aparece em você.
Preste atenção, tome tento,
pois se no assento tem cu,
no cu nunca tem acento.

número 15

Os pobres são solidários
São gregários, vão em bando
Os ricos são solitários,
têm par só de vez em quando
Quem sobe, fica sozinho.
Já quem despenca, isto é certo,
logo encontra seus amigos,
colegas, primos, vizinhos.
A multidão é um abrigo.
O vértice, um deserto.
No fim, tudo é igualado
na solidão de um defunto.
Porque em cima é separado
mas embaixo é tudo junto.

número 12

Nenhum homem é uma ilha.
A solidão endoidece
quem se embrenha numa trilha
e o resto do mundo esquece
em busca de maravilhas.
Nem tudo é o que parece,
não caia nesta armadilha.
Nem tudo que queima, aquece,
nem tudo que é ouro brilha.
Obsessão tem três esses;
exceção, xis, cê, cedilha.

número 23

É uma odisseia, um castigo,
eu me esforço, luto, tento,
mas quase nunca consigo
ter ideias sem acento.

número 8

Por conta da nova norma,
que a mim parece ter nexo,
não há acento na forma.
Na fôrma há, o circunflexo.
É opcional, pode pôr,
se for compor uma ode,
seja na forma que for,
soneto, samba ou pagode.
Acento em fôrma é um favor,
ontem não pôde, hoje pode.

número 9

O doente não tem nada.
A doença é egoísta,
guarda para si o que lhe agrada
por mais que o doente insista.
Um do outro não esquece,
o outro só pensa no um.
Obsessão tem três esses.
O obcecado, nenhum.