Santa Maria

por Jorge Furtado
em 28 de janeiro de 2013

Se a morte de um jovem é uma tragédia, a de duas centenas é um desastre, um trauma, uma fratura social, como uma guerra. Aos amigos de Santa Maria, aos familiares e amigos das vítimas, um fraternal abraço e votos de serenidade neste momento de dor.

A morte de um filho é a maior das dores, nenhum homem ou mulher deveria passar por ela. É órfão quem perde os pais, viúvo que perde a esposa, mas não há um nome para aquele que perde um filho, como se a dor fosse tão terrível que o melhor é não nominá-la. O que se pode fazer, além de chorar as vidas que se perderam, é tentar evitar que mais se percam. Punir os culpados é fundamental, a maneira de coibir a ganância e a imprudência criminosa é multa e cadeia, mas o mais importante, depois de recuperar os feridos, é impedir que outras tragédias aconteçam.

Não consigo imaginar nada mais imbecil que fogos de artifício em ambientes fechados. Fiquei chocado ao ver centenas de pessoas fumando no show do Bob Dylan em Porto Alegre, num ambiente fechado (além da fumaceira no nariz, o risco de incêndio aumenta muito), mas nada que se compare com a asneira que é acender um sinalizador num ambiente fechado, com teto baixo e revestimentos de plástico. Ontem, sob o impacto da tragédia, comentei que deveria haver uma lei que proibisse tal insanidade. Descobri que já existe legislação proibindo fogos em lugares fechados, mais uma lei que não se cumpre.

O objetivo da lei é a felicidade do maior número de pessoas, cumprir as leis, numa sociedade democrática, significa aumentar as chances de felicidade. Não cumpri-las - beber e dirigir, criar e autorizar casas de shows sem saídas de emergência, jogar lixo nas ruas, roubar dinheiro público, sonegar impostos - aumenta as chances do sofrimento e da dor. Além dos shows com efeitos pirotécnicos, fiquei sabendo que atualmente muitas festas de aniversário são decoradas com garrafas de champanhe flamejantes.

Que se proíba terminantemente o uso de fogos de artifício, de qualquer espécie, em ambientes fechados. Que se trate os fogos de artifício pelo menos com mesmo rigor dispensado ao cigarro: só pode na rua. Fogos que artifício só podem ser usados em ambiente externo e sob a supervisão de profissional capacitado, com autorização expressa do Corpo de Bombeiros. Que as casas de show, clubes, restaurantes ou boates que desrespeitarem a lei sejam punidas, multadas, fechadas.

Não brinque com fogo é um dos primeiros conselhos que qualquer criança recebe de um adulto sensato. O mínimo que se pode esperar de adultos sensatos, do poder público, dos empresários, dos artistas e do seu público, é que não ponham em risco a vida de nossos filhos.

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Sobre a dor extrema, o consolo e a compreensão da poesia, no verso do poeta israelense Yehuda Amichai, tradução de Millôr Fernandes.

O Raio da Bomba

O raio da bomba era trinta centímetros
E o raio de seu alcance efetivo sete metros
Contendo quatro mortos e onze feridos.
E ao redor deles, num círculo maior
De dor e tempo, estão espalhados dois hospitais
E um cemitério. Mas a rapariga,
Enterrada no lugar de onde veio,
A uns cem quilômetros daqui,
Aumenta bem o círculo.
E o homem solitário chorando essa morte
Nas províncias de uma terra do Mediterrâneo,
Inclui no círculo o mundo todo.
E vou omitir o prantear de órfãos
Que alcança o trono de Deus
E vai além, e amplia o círculo
Pro sem fim e pro sem Deus.

Yehuda Amichai
Tradução de Millôr Fernandes